Fifa quer impor limites a salários e valor de negociação de jogadores

Entidade deseja reformular o sistema de negociações e comissões pagas a agentes

Tariq Panja
The New York Times

A Fifa e seu presidente, Gianni Infantino, estão planejando promover mudanças significativas no mercado mundial de transferências futebolísticas, que movimenta bilhões de dólares ao ano, e as novas normas propõem limitar os preços que clubes estão autorizados a pagar por jogadores e reduzir o papel que os agentes, cada vez mais poderosos, desempenham no mercado.

As propostas, detalhadas em um relatório interno da Fifa preparado a pedido de Infantino, representariam a maior mudança no sistema de transferências desde que ele foi criado.

Infantino prometeu reformar o mercado de transferências - um mundo caótico no qual clubes e agentes conduzem negociações por meio de rumores sussurrados, promessas secretas e pagamentos ocultos - logo que assumiu o comando da Fifa, dois anos atrás.

Ele criou um grupo de trabalho da Fifa que preparou o relatório, e o encarregou de levar em conta diversas questões, como a disparada no custo de contratação dos grandes talentos; as preocupações quanto ao comportamento de agentes envolvidos nessas transações; e os crescentes rumores sobre práticas financeiras dúbias no mercado mundial de transferências, que movimenta cerca de US$ 6.,5 bilhões ao ano (R$ 27,2 bilhões).

As mudanças propostas podem resultar em um novo duelo entre Infantino e alguns dos clubes e ligas de futebol mais ricos do planeta, que resistiram aos esforços dele, alguns meses atrás, para remodelar a Copa do Mundo interclubes, em um projeto de US$ 25 bilhões. Muitos dos clubes e ligas não veem grandes problemas no sistema atual.

A proposta, comunicada aos principais interessados e da qual o The New York Times obteve uma cópia, inclui planos para uma nova câmara central de compensação que seria responsável por processar os pagamentos de todas as transações internacionais, entre as quais as comissões pagas aos agentes. Essas comissões podem ser limitadas a 5% da remuneração total de um jogador, ou do valor da transferência.

Mas as medidas mais chamativas, e potencialmente mais radicais, talvez sejam as que limitariam os montantes que clubes estão autorizados a gastar na contratação de atletas, que atingiram um novo recorde em 2017 quando o campeão francês Paris St. Germain pagou o recorde de US$ 262 milhões (R$ 1,1 bilhão em valores atuais) pela contratação do atacante brasileiro Neymar.

As propostas sob consideração incluem o uso de um algoritmo de referência para o preço de um jogador, e de um sistema que puniria clubes que ultrapassem esse valor, pela imposição de uma sobretaxa por gastos excessivos cujo pagamento seria dividido com os clubes anteriores de um jogador. O grupo de trabalho da Fifa também mencionou a  possibilidade de limitar salários a uma dada porcentagem do faturamento de um clube, como mecanismo para impedir que clubes entrem em crise financeira, e de adotar cláusulas fixas quanto aos valores de transferência nos contratos de jogadores profissionais, um sistema semelhante ao que vigora em mercados como o da Espanha e o de Portugal.

Não se sabe que apoio a Fifa encontraria a qualquer dessas propostas,

Dias depois que a transferência de Neymar mais que dobrou o valor recorde para uma contratação, estabelecido pelo Manchester United um ano antes, um executivo do clube inglês disse a acionistas do clube, em conversa telefônica, que "como setor e como mercado, não acreditamos que haja problemas graves".

A Fifa e Infantino veem as coisas de outra maneira. Meses depois de assumir o posto, ele pediu por uma revisão séria do sistema mundial de transferência de jogadores, que essencialmente opera com regras desenvolvidas duas décadas atrás, quando as receitas do futebol eram muito menores que as atuais.

"A percepção é a de que existe algo de estranho acontecendo nessas transferências", disse Infantino naquele momento. "Depois de 15 anos, é hora de revisá-las seriamente e talvez gerar um pouco mais de transparência, um pouco mais de clareza quanto às regras".

Mesmo antes de chegar à Fifa, Infantino havia expressado frustrações quanto à maneira pela qual o mercado de transferências se transformou em negócio separado, atraindo especuladores que buscam lucrar com as transferências de jogadores da mesma forma que investidores operam nos mercados de commodities ou produtos financeiros.

O empresário Jorge Mendes chega para testemunhar sobre investigação de fraude fiscal na Espanha
O empresário Jorge Mendes chega para testemunhar sobre investigação de fraude fiscal na Espanha - Sergio Perez - 25.abr.18/Reuters

"As regras originais não tinham a intenção de criar um mercado", escreveram os autores do relatório da Fifa, intitulado: "Livro Branco - Reforma do Sistema de Transferências 2018". Os autores escreveram que "devemos renovar o foco na solidariedade e não na especulação".

A criação da câmara de compensação, que seria administrada por uma organização terceirizada, teria papel central na reforma. Um banco comercial seria contratado para lidar com os pagamentos. Entre os benefícios de uma estrutura como essa, argumenta o relatório, estaria uma transparência maior, em um mercado cujo movimento mais que dobrou desde 2011.

Ao centralizar os pagamentos, a Fifa espera garantir que os clubes que desenvolvem jogadores jovens recebam a remuneração por desenvolvimento a que têm direito quando ocorre uma transferência. Atualmente, milhões de dólares desses pagamentos, conhecidos como pagamentos de solidariedade, terminam não sendo transferidos aos pequenos clubes que desenvolvem jogadores cujos contratos terminam valendo milhões. Para tornar o processo mais liso, a Fifa propõe um passaporte digital para os jogadores, que registraria todos os clubes que um jogador defendeu a partir dos 12 anos de idade.

Quaisquer propostas, mesmo que aprovadas pelo conselho da Fifa, provavelmente demorariam a ser adotadas. O relatório prevê que criar a câmara de compensação pode demorar até dois anos, e não existe cronograma para concluir as negociações sobre medidas que limitem os valores das transferências.

Entre as mudanças que podem ser adotadas ainda este ano uma proposta envolve o número de jogadores que os clubes teriam direito a registrar em seus elencos, e limitações ao empréstimo de jogadores. Há quem argumente que os clubes maiores e mais ricos usam empréstimos como forma de acumular talentos. Outros dizem que emprestar diversos jogadores a um mesmo clube pode desestabilizar o equilíbrio competitivo nas ligas menores.

Em lugar de proibir de vez a prática, o que chegou a ser discutido, a Fifa quer introduzir um limite para os empréstimos, concedidos e recebidos, a entre seis e oito jogadores por temporada, e restringir os empréstimos a um único clube a três jogadores. A medida afetaria diversos grandes times da América do Sul e Europa, que em certos casos desenvolveram um negócio paralelo de empréstimo de jogadores. O Chelsea, da Premier League inglesa, por exemplo, tem quase 40 jogadores emprestados.

Algumas das constatações mais críticas do relatório da Fifa se referem ao papel dos agentes, que são descritos como figuras centrais em uma "praga" de conflitos de interesses. Em 2017, quase US$ 500 milhões foram pagos em comissões a agentes, 105% a mais do que em 2013. O foco nas recompensas financeiras "permitiu que alguns poucos agentes exercessem influência sobre os jogadores e os clubes", afirmou o grupo de estudo da Fifa.

Figuras como o superagente português Jorge Mendes e Mino Raiola, que embolsou mais de US$ 50 milhões (R$ 209 milhões) ao intermediar a transferência de Paul Pogba ao Manchester United, se tornaram tão conhecidas quanto os jogadores que eles representam. Mas na parte mais baixa do mercado também há grande giro de jogadores, porque diversos intermediários criam transações apenas para gerar comissões.

"A atual estrutura promove interesses financeiros que prevalecem sobre os interesses e o bem-estar de partes vulneráveis como os jogadores, especialmente os menores de idade", afirmou o grupo de trabalho da Fifa.

As propostas da Fifa para controlar o comportamento dos agentes incluem um novo sistema mundial de registro que aplicaria um exame anual semelhante aos que consultores financeiros são obrigados a fazer, e limitariam o percentual das comissões.

Tradução Paulo Migliacci

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.