Com salários e premiação irrisórios, futebol feminino ainda engatinha

Rio Preto e Corinthians, que têm elencos amadores, disputam o título brasileiro

Adriana, do Corinthians, escapa da marcação de Fafa (dir.), do Rio Preto, durante primeiro jogo da decisão do Brasileiro feminino
Adriana, do Corinthians, escapa da marcação de Fafa (dir.), do Rio Preto, durante primeiro jogo da decisão do Brasileiro feminino - Bruno Teixeira/Ag. Corinthians
São Paulo

Corinthians e Rio Preto definem nesta sexta-feira (26), às 20h30, o título do Campeonato Brasileiro feminino. A partida, porém, não será disputada no Itaquerão, estádio “padrão Fifa” que recebe os jogos do time masculino, mas na modesta Fazendinha, onde os profissionais do clube não jogam desde 2002.

O palco escolhido para sediar a decisão do principal torneio do futebol feminino do país é simbólico e dá uma amostra da diferença no desenvolvimento das categorias feminina e masculina no país.

Apesar dos esforços de jogadoras e alguns dirigentes para promover o futebol feminino, a categoria ainda engatinha. Tanto que nem Corinthians nem Rio Preto contam com um elenco profissional.

As atletas corintianas —que estão a um empate de levantar a taça, já que venceram o jogo de ida por 1 a 0— têm um contrato de ajuda de custo do clube. A folha salarial de cerca de R$ 85 mil por mês, ainda assim, é uma das mais altas deste Campeonato Brasileiro.

O valor, porém, representa apenas 0,8% da folha salarial da equipe masculina (cerca de R$ 11 milhões), que está no 12º lugar do Brasileiro.

Já as atletas do Rio Preto, que buscam o bicampeonato para o time do interior paulista —campeão em 2015—, dividem R$ 37 mil de ajuda de custo, paga pela prefeitura.

Somadas, as duas folhas salariais não chegam a 0,5% das de Palmeiras e Flamengo, líder e vice-líder do Brasileiro masculino. Nem sequer se aproximam do valor recebido pelos jogadores do Paraná, lanterna do campeonato, que tinha folha salarial de R$ 1,5 milhão no começo do torneio.

“Houve um corte drástico em todas as modalidades da cidade. Diminuímos em quase 40% o orçamento. É a nossa folha [salarial] mais baixa dos últimos anos”, diz Doróteia de Souza, coordenadora técnica do Rio Preto, que também não registra suas jogadoras como profissionais.

Até por isso, mesmo antes da final, o clube já celebra a boa campanha, que possibilitará às jogadoras pleitear bolsa atleta do governo federal, no valor de R$ 920 mensais.

O Corinthians estuda profissionalizar sua equipe a partir do ano que vem. Hoje, apenas o Santos tem contrato com quase todas as jogadoras em carteira de trabalho.

Adriana, do Corinthians, toca na saída da goleira Rosany, do Rio Preto, em jogo válido pela partida de ida da final do Brasileiro feminino
Adriana, do Corinthians, toca na saída da goleira Rosany, do Rio Preto, em jogo válido pela partida de ida da final do Brasileiro feminino - Bruno Teixeira/Ag. Corinthians

O elenco corintiano já conta com aparato multidisciplinar necessário para uma equipe de futebol profissional, com fisioterapeutas, nutricionista e médica, que acompanham a delegação em todos os jogos. 

Esse tipo de estrutura, porém, é raridade no futebol feminino brasileiro. O Rio Preto, por exemplo, não tem um departamento médico.

Para obedecer o regulamento da competição, contrata um profissional de saúde para acompanhar o time nas partidas como mandante. Como visitante, usa emprestado um profissional dos adversários.

A comissão técnica é enxuta. Tem uma preparadora de goleiras, uma massagista e o treinador Francisco Reguera Inojo, o Chicão. A função de preparadora física é exercida pela volante Jéssica de Lima.

Com orçamento reduzido para este ano, a equipe perdeu 12 jogadoras da temporada passada. Entre as que saíram estão Millene e Adriana, que agora estão no Corinthians, e Darlene, do Benfica.

“Tocamos aqui pelo amor, pela paixão. Até quando eu vou aguentar eu não sei, mas não me vejo fazendo outra coisa”, afirma Doróteia.

A precariedade das equipes femininas é resultado também da falta de investimento.

A CBF, que na última segunda (22) fez uma homenagem à jogadora Marta, pela sexta vez eleita a melhor jogadora do mundo pela Fifa, paga prêmio de apenas R$ 120 mil ao time campeão brasileiro. O valor é menos de 1% do que é pago para o campeão masculino (R$ 18 milhões). O vice-campeão receberá R$ 60 mil. 

“[O valor é menor] porque [o torneio] não tem receita. A CBF tem que pagar para fazer o campeonato. Ela tenta fazer alguma coisa para ser generosa, mostrar o mérito, mas tudo é proporcional ao que se pode arrecadar”, disse Marco Aurélio Cunha, coordenador de futebol feminino da CBF.

A confederação não achou interessados para negociar os direitos de transmissão do torneio. A partida final será transmitida apenas pela CBF TV, no site da entidade e em suas contas em redes sociais.

Patrocinadora do Brasileiro de 2013 a 2017, a Caixa Econômica Federal deixou de apoiar o torneio no início do ano. Com isso, a CBF absorveu os custos para sua organização: cerca de R$ 10 milhões.

“Estamos buscando parceiros para subsidiar o próximo Brasileiro. Mas a competição não corre o risco de acabar. Pelo contrário, nossa ideia é tentar ampliar”, diz Cunha.

Se a confederação está longe de equiparar à premiação para as categorias masculina e feminina, outras modalidades já tomaram essa iniciativa.

No mês passado, a WSL (Liga Mundial de Surfe) anunciou que homens e mulheres receberão o mesmo valor de premiação em competições sob a sua chancela a partir de 2019. 

No tênis, os torneios de Grand Slam e alguns eventos de primeira linha também pagam quantias semelhantes para homens e mulheres.

A equiparação financeira era uma das reivindicações das atletas para diminuir a desigualdade de tratamento entre gêneros, situação ainda recorrente em outros esportes. 

A Fifa, por exemplo, ainda não equiparou o valor da premiação dos Mundiais masculino e feminino, mas já afirmou que diminuirá a diferença no Mundial da França, em 2019.

Os valores deverão ser definidos nesta sexta-feira (26), quando será realizada a reunião do conselho da entidade. 

Em 2015, as 24 seleções femininas participantes do Mundial do Canadá repartiram US$ 15 milhões (cerca de R$ 56 milhões) em prêmios. Na Copa do Mundo da Rússia, a federação internacional distribuiu US$ 400 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão) para as 32 seleções masculinas.

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