Magnata ligado a ditador norte-coreano lucra com o Brasileiro no exterior

Bilionário egípcio está por trás de empresa envolvida em compra dos direitos do torneio

 
Jang Song Thaek, ex-número 2 no poder norte-coreano, o magnata egípcio Naguib Sawiris e o falecido ditador Kim Jong-il, pai do atual líder supremo Kim Jong-un, em 2011
Jang Song Thaek, ex-número 2 no poder norte-coreano, o magnata egípcio Naguib Sawiris e o falecido ditador Kim Jong-il, pai do atual líder supremo Kim Jong-un, em 2011 - KCNA / AFP
Diego Garcia Catia Seabra Sérgio Rangel
São Paulo e Rio de Janeiro

O bilionário egípcio Naguib Sawiris, 64, é o principal financista por trás da Riza Capital, empresa que coordena os investimentos para exploração dos direitos do Campeonato Brasileiro no exterior pelos próximos quatro anos.

Dono de uma das das maiores fortunas da África, estimada em R$ 16 bilhões, segundo a revista Forbes, o empresário é mundialmente conhecido por ter feito investimentos vultosos na Coreia do Norte, uma das ditaduras mais fechadas do mundo.

O magnata egípcio foi apontado em 2016 pelo jornal americano The Wall Street Journal como um dos raros estrangeiros com “acesso sem precedentes às lideranças" do país.

De acordo com a FanFoot (também chamada de Fútbol Holding), fundo de investimentos localizado em paraíso fiscal nos EUA e dono dos direitos do Brasileiro no exterior, a Riza Capital está "ajudando a captar investidores brasileiros e estrangeiros” na operação.

A FanFoot passou a ter os direitos do Brasileiro para o exterior em setembro, quando comprou a BR Foot Mídia, empresa que não participou da licitação da CBF, mas assina os contratos de R$ 550 milhões para transmissão do campeonato para fora do Brasil e pela exploração das placas de publicidade do torneio entre 2019 e 2022. A entidade diz que a troca não era vedada pelos termos da licitação e que o processo foi amplamente divulgado para os clubes.

Questionada, a CBF não respondeu se Sawiris é um dos nomes que colocará dinheiro no negócio. A confederação diz ter “ciência de tratarem-se de investidores nacionais e estrangeiros”.

A Folha tenta contato com o egípcio há quase um mês, mas ele não respondeu aos e-mails enviados pela reportagem.

Marco Gonçalves, fundador e CEO da Riza, confirmou a participação do magnata no ato de criação empresa —na ocasião, em 2017, ele fez um aporte financeiro. Foi assim que a Orascom, de propriedade da família de Sawiris, virou sócia da Riza.

Em agosto deste ano, na mesma época em que a CBF anunciou que a BR Foot Mídia havia chegado a um acordo com 18 clubes do Brasileiro para assinatura do contrato, de acordo com documentos da Junta Comercial de São Paulo, a Riza aumentou seu capital social de R$ 1,7 milhão para R$ 26,7 milhões. O montante foi aportado pela Orascom. 

Segundo a assessoria da empresa, a Riza não é investidora na operação com a FanFoot, tendo apenas a função de estruturar e trazer investidores para o negócio, sem investir recursos próprios.

Essa não é a primeira investida do egípcio no futebol. Em setembro de 2015, segundo jornais de seu país, Sawiris adquiriu os direitos de transmissão do campeonato egípcio. “As pessoas estão aborrecidas com os políticos, mas nunca estarão aborrecidas com o futebol”, disse, na ocasião.

Naguib Sawiris é considerado um dos homens mais ricos do mundo, com fortuna estimada em R$ 16 bilhões
Naguib Sawiris é considerado um dos homens mais ricos do mundo - AFP

A proximidade do investidor com a Coreia do Norte começou em 2008, quando ele construiu a primeira rede de telefonia móvel no local, em parceria com o governo.

De olho em um futuro mercado consumidor em caso de reunificação das duas Coreias, o magnata se aproximou do ditador Kim Jong-il, que governou o país de 1994, após a morte do seu pai, Kim Il-Sung, até 2011, quando morreu.

A morte do ditador não mudou a relação de Sawiris com a Coreia do Norte, mesmo após Kim Jong-un, filho de Kim Jong-il, virar o líder supremo e não permitir que o egípcio repatriasse seus lucros. As injeções de dinheiro no país seguiram altas, na faixa de R$ 1,1 bilhão, segundo o próprio empresário afirmou em entrevistas recentes. “Meus investimentos nada têm a ver com política”, disse.

Na capital, Pyongyang, a empresa ainda investiu na construção de um hotel gigantesco em forma de pirâmide, colocou R$ 500 milhões em uma empresa de cimento e criou um banco para ajudar a transferir fundos para dentro e fora do país —fechado anos depois por conta das sanções impostas pela ONU. O empreendimento era sócio de outro banco, tido como braço financeiro do programa nuclear do país.

A proximidade de Sawiris com a Coreia do Norte levou-o até a oferecer conselhos ao presidente americano Donald Trump sobre como se comportar no encontro com o ditador Kim Jong-un, em 2018. “Não o intimide e prometa prosperidade em troca de concessões nucleares”, disse.

Não é só na Coreia do Norte que Sawiris tem passagens controversas.

Na década passada, ele foi investigado pela polícia italiana por suposto pagamento de R$ 600 milhões em propina e enfrentou acusações por supostas operações financeiras ilícitas em Israel e Congo, além de ter sido acusado de tentar fazer uma aquisição hostil com as ações de uma companhia local na Áustria. 

Já em 2013, comprou uma empresa de fibra ótica no Canadá por R$ 2 bilhões, mas a aquisição foi bloqueada pelo governo local sob a alegação de “preocupações de segurança nacional”, algo raro no país, considerado um dos que mais recebe investimentos estrangeiros no mundo.

Sawiris também tentou entrar no mercado brasileiro em 2014. Demonstrou interesse na Tim, e em 2016 chegou a fazer oferta pela Oi.

​No ano passado, o egípcio deu entrevista à Folha e disse que via o Brasil como “o país das maravilhas”. O negócio com a empresa de telefonia, porém, não prosperou.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.