Descrição de chapéu The New York Times

Comitê olímpico dos EUA foi alertado sobre abusos na ginástica há mais de 20 anos

Depoimento de ex-dirigente aponta falhas no combate a abusos no esporte

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Juliet Macur
Nova York | The New York Times

O comitê olímpico dos Estados Unidos foi informado sobre abusos sexuais na ginástica mais de duas décadas antes que o escândalo causado pelas agressões sexuais do médico Lawrence Nassar abalasse as fundações do esporte, de acordo com documentos apresentados a um tribunal federal da Califórnia na quarta-feira (21).

Kathy Scanlan, presidente da USA Gymnastics (USAG) entre 1994 e 1998, declarou em depoimento realizado sob juramento no mês passado que havia notificado o Comitê Olímpico dos Estados Unidos (USOC) quanto ao problema de abuso sexual assim que ela assumiu o comando da federação. A resposta do USOC, ela disse, foi desencorajá-la de empregar o protocolo estabelecido pela federação para investigar e disciplinar seus integrantes acusados de abuso sexual. Ela disse que ainda assim foi em frente e investigou os casos.

"A contestação do USOC a que a USAG disciplinasse dessa maneira seus membros profissionais (especificamente a proibição a banir, suspender ou investigar membros) teria me inibido na proteção a membros menores de idade da federação", declarou Scanlan em seu depoimento, que está entre as centenas de páginas de documentos apresentados na quarta-feira em um processo aberto por Aly Raisman, que defendeu os Estados Unidos na ginástica em duas olimpíadas. Raisman está processando Nassar, que era médico da equipe nacional de ginástica; o USOC; a  USAG; e outros envolvidos.

O depoimento de Scanlan expõe o fato de que a federação e o USOC se desentenderam por muitos anos sobre como lidar com casos de abuso sexual. O conflito parece ter perdurado pelo menos até 1999, quando o sucessor de Scanlan, Bob Colarossi, entrou em choque com o USOC, em uma carta revelada como parte de outro processo quanto a abusos sexuais na modalidade.

Colarossi escreveu que o USOC havia demonstrado "aparente indiferença ao bem estar de crianças jovens", e que os membros do comitê o haviam aconselhado repetidas vezes a lidar com as denúncias de abuso por meio de "audiências telefônicas sumárias realizadas o mais rápido possível depois de uma queixa de abuso sexual". Colarossi afirmou que isso não bastava para proteger as jovens atletas.

Na quarta-feira, Patrick Sandusky, porta-voz do USOC, se recusou a comentar sobre o assunto até que pudesse estudar a questão.

Steve Penny, que sucedeu Colarossi como presidente da federação, também foi acusado de não fazer o bastante para proteger as jovens atletas. Ele esperou cinco semanas para contatar o FBI depois de ser informado de que ginastas haviam se queixado de que Nassar as havia tocado de modo inapropriado.

Penny, que renunciou ao seu posto em março de 2017, também estava preocupado com a imagem da federação, à medida que o caso contra Nassar avançava, e se esforçou para se aproximar dos investigadores. Entre outras coisas, o jornal The New York Times noticiou no mês passado que ele havia discutido a possibilidade de um emprego na área de segurança do USOC para um agente do FBI que investigou o caso de Nassar. O médico está servindo uma sentença de prisão de décadas de duração, por acusações de delito sexual e posse de pornografia infantil.

O ex-médico da USA Gymnastics, Larry Nassar, durante seu julgamento em Michigan
O ex-médico da USA Gymnastics, Larry Nassar, durante seu julgamento em Michigan - Rena Laverty - 5.fev.18/AFP

Um email que é parte dos documentos apresentados ao tribunal na quarta-feira acrescenta detalhes sobre os esforços de Penny em benefício do agente do FBI. No email a Larry Buendorf, então diretor de segurança do USOC, Penny escreveu que "conheci um cara ótimo que pode ser perfeito para ocupar seu lugar quando você decidir parar ".

Buendorf planejava se aposentar em 2018, e o email foi enviado em julho de 2016. O "cara ótimo" descrito por Penny era Jay Abbott, agente especial encarregado do escritório de campo do FBI em Indianápolis.

Quando perguntada sobre o email, Edith Matthai, advogada de Penny, disse que ele não havia feito coisa alguma de errado ao discutir um posto no USOC em conexão a Abbott, e que não havia conflito de interesse.

"Essa ideia toda de que algo foi feito para influenciar algo mais é pura insanidade", disse Matthai na quarta-feira em entrevista por telefone. "Na época em que o email foi enviado, o escritório de Abbott já não estava envolvido na investigação de Nassar, que havia sido transferida à procuradoria federal e ao escritório do FBI em Detroit".

Ela definiu a menção de Penny a um emprego para Abbott na área de segurança do USOC, e seu diálogo com Buendorf a respeito, como "networking comum, que acontece em base cotidiana em todas as empresas".

Penny foi detido no mês passado sob uma acusação criminal de manipulação de provas, em uma investigação da procuradoria estadual do Texas sobre Nassar. Ele foi acusado de ordenar a remoção de documentos do centro de treinamento da equipe nacional de ginástica, localizado ao norte de Houston, onde Nassar trabalhava frequentemente e onde diversas de suas vítimas afirmaram ter sido atacadas. No momento da detenção de Penny, os procuradores estaduais do Texas afirmaram não estar cientes do paradeiro dos documentos, ou se haviam sido destruídos.

Penny se declarou inocente da acusação e a USAG subsequentemente afirmou ter encontrado em sua sede em Indianápolis documentos que talvez sejam o material removido do centro de treinamento.

Em depoimento que estava entre os documentos apresentados na quarta-feira, Rhonda Faehn, antiga vice-presidente do programa feminino da federação de ginástica americana, conta que Amy White, que foi diretora do programa de equipes nacionais, lhe disse que havia removido documentos médicos do centro de treinamento em novembro de 2016 e os levado a Indianápolis de avião, onde foram entregues a Penny. Um depoimento de White também era parte dos documentos encaminhados ao tribunal; nele, ela invoca diversas vezes a cláusula constitucional que protege um depoente contra revelar informações que o incriminem.

Tradução de Paulo Migliacci

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