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Suspeita de novo escândalo de abuso fez comitê intervir na ginástica dos EUA

Documentos recém-descobertos reacendem suspeitas contra federação

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Juliet Mancur
Nova York | The New York Times

Documentos cruciais para uma investigação por abuso sexual, procurados há muito tempo por investigadores do Texas, foram localizados por dirigentes da Federação de Ginástica dos Estados Unidos (USAG, na sigla em inglês), em sua sede em Indianapolis, o que levou o Comitê Olímpico dos Estados Unidos a agir para assumir o controle da federação esta semana, a fim de evitar a possibilidade de um novo escândalo.

A descoberta tardia dos documentos, e questões sobre quem os detinha ou sabia de seu paradeiro, levaram o Comitê Olímpico dos Estados Unidos a anunciar na segunda-feira (5) que tomaria o controle da USAG, de acordo com o comitê, que também estava cada vez mais alarmado com a desordem na gestão da federação.

Ainda que não esteja claro se a descoberta dos documentos indica que alguém tenha tentado escondê-los, dirigentes do comitê disseram ter decidido que não havia como aceitar a possibilidade de novas turbulências em um esporte popular e bem-sucedido, praticado por milhares de atletas, dotado de presença olímpica expressiva, e que está em busca de uma nova direção.

Time feminino dos estados unidos após vencer a medalha de ouro no Mundial de Ginástica Artística de 2018
Time feminino dos estados unidos após vencer a medalha de ouro no Mundial de Ginástica Artística de 2018 - KARIM JAAFAR-30.out.2018/AFP

Os investigadores consideram os documentos cruciais para uma investigação sobre o médico da equipe nacional de ginástica dos Estados Unidos, Lawrence Nassar, 54, e seus abusos sexuais contra ginastas em um centro de treinamento da modalidade no sudeste do Texas, que foi fechado.

Diversas ex-ginastas acusaram Nassar de agredi-las sexualmente no centro de treinamento, sob o pretexto de realizar procedimentos médicos. Nassar está servindo o que na prática equivale a uma sentença de prisão perpétua, por múltiplas acusações de delitos de conduta sexual e pornografia infantil.

As autoridades policiais do condado de Walker, no Texas, onde ficava o centro de treinamento conhecido como "rancho Karolyi" (em referência a Bela e Martha Karolyi, os treinadores de ginástica que são donos da propriedade), informaram no mês passado que não haviam conseguido encontrar os documentos, que imaginavam estivessem disponíveis no centro.

Na quinta-feira (1) de manhã, os documentos continuavam na sede da USAG. David Weiss, procurador público do condado de Walker, informou na quinta-feira que a USAG seria intimida a entregá-los ainda naquele dia.

Steve Penny, que era presidente-executivo da USAG quando dezenas de atletas e ex-atletas começaram a revelar publicamente suas acusações de abuso sexual contra Nassar, ordenou que os documentos fossem retirados do rancho dois anos atrás, quando policiais estaduais texanos que estavam investigando Nassar tiveram negado seu acesso à propriedade. Os policiais não tinham um mandado de busca naquele momento, e a USAG informou em comunicado na quarta-feira (7) que não foi intimada a entregar os documentos ou recebeu qualquer mandado referente a eles.

Dirigentes da federação disseram ter pedido aos procuradores públicos no sábado que solicitassem formalmente os documentos, afirmando que não podiam simplesmente entregá-los às autoridades porque os papéis contêm "informações que identificam pessoas".

Um júri de instrução no condado de Walker indiciou Penny em 28 de setembro por acusações de ocultação ou destruição deliberada de documentos. No mês passado, ele foi detido por uma acusação criminal de adulteração de provas, e se declarou inocente. Caso condenado, pode enfrentar sentença de dois a 10 anos de prisão e uma multa de até US$ 10 mil.

Rusty Hardin, advogado de Penny, disse esta semana que seu cliente, que se demitiu do comando da USAG sob pressão, em 2017, jamais teve os documentos em mãos e não sabia onde poderiam estar. De acordo com Penny, disse o advogado, a última informação que ele teve a respeito foi a de que um empregado da federação os havia enviado à sede da organização em Indianápolis. Hardin definiu a situação como "um mal-entendido colossal", por os procuradores terem entendido que Penny teve os documentos em mãos, ou que os tivesse adulterado ou destruído.

Não está claro quem poderia estar informado sobre o paradeiro dos documentos, na sede da USAG, há quanto tempo eles estão lá, ou quem informou o comitê olímpico sobre sua localização.

De acordo com o comunicado divulgado pela USAG na quarta-feira, alguém na organização leu em uma reportagem, no final do mês passado, que os procuradores do Texas continuavam à procura de documentos que contivessem o nome de Nassar, e que a pessoa percebeu que essa documentação talvez estivesse em poder da USAG.

No final da semana passada, a USAG contatou executivos importantes do Comitê Olímpico dos Estados Unidos para lhes informar de que havia encontrado documentos que poderiam ter vindo do rancho Karolyi. Patrick Sandusky, porta-voz do comitê olímpico, disse que sua organização instruiu a USAG a alertar as autoridades imediatamente.

No sábado(3), de acordo com seu comunicado, a USAG enviou uma carta ao procurador público do condado de Walker, notificando as autoridades de estava em posse de documentos "que podem ter vindo do rancho e podem ser pertinentes para a investigação, embora nenhum desses documentos contenha o nome de Nassar".

Leslie King, a porta-voz da USAG, disse não saber quem havia percebido inicialmente que os documentos que as autoridades estavam buscando estavam na sede da federação. O comunicado informa, porém, que os atuais integrantes de seu conselho tomaram posse em junho, e "não tinham como saber se os documentos eram relevantes para o caso ou se eram originários do rancho".

O comitê olímpico vinha estudando há meses uma intervenção na federação, disse Sandusky. O comitê estava muito frustrado com os tropeços da USAG em seu esforço por deixar para trás o escândalo Nassar e reconquistar a confiança da comunidade da ginástica e dos principais atletas da modalidade.

A federação contratou e apontou diversos dirigentes que incomodaram e enraiveceram diversas das vítimas de Nassar.

Nos dois últimos anos, a USAG teve três presidentes-executivos. O vazio de liderança surge em um momento em que a organização está cambaleando ao peso de processos judiciais apresentados por mulheres e meninas que sofreram abusos cometidos por Nassar. A probabilidade de que ela encerre esses casos por acordo rapidamente não é alta, e é possível que os pagamentos relacionados a qualquer acordo resultem em sua falência.

O mistério que cerca os documentos e a maneira pela qual foram tratados levou o comitê olímpico a decidir que a USAG, em sua forma atual, talvez não seja capaz de se reformar, e que uma nova entidade talvez tenha de ser criada para comandar a modalidade. Funcionários do governo e ex-ginastas vêm insistindo em que isso é essencial há meses.

De acordo com uma pessoa informada sobre o acontecido, Sarah Hirshland, a presidente-executiva do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, vinha considerando privar a USAG de seus poderes como entidade esportiva nacional, um procedimento conhecido como "descredenciamento", desde que assumiu o posto, em agosto. Ela decidiu no final de semana passado levar a ideia adiante, depois que a equipe americana retornou do campeonato mundial de ginástica artística em Doha, Qatar, onde as ginastas americanas conquistaram seu quarto título por equipes consecutivo. O anúncio foi recebido positivamente por muita gente no mundo do esporte.

"Se eles pretendem descredenciar a federação", disse Dominique Moceanu, ganhadora do ouro olímpico em 1996 e dona de uma academia de ginástica olímpica no Ohio, "precisam agir rápido para que os atletas possam se preparar para a próxima olimpíada".

O processo de descredenciamento pode levar meses. Para descredenciar a federação de ginástica e cancelar seu papel supervisório sobre todas as categorias da ginástica nos Estados Unidos, o comitê olímpico tem de constituir uma comissão de revisão, que preparará um relatório. Só depois disso o conselho do Comitê Olímpico dos Estados Unidos votaria o descredenciamento.

Nesse meio tempo, o Comitê Olímpico anunciou que administrará as equipes nacionais de elite. A organização ainda está tentando determinar de que maneira vai administrar as demais responsabilidades da Federação, como a fiscalização de academias locais, credenciamento de treinadores e gestão das responsabilidades legais da organização em função de processos relacionados ao escândalo de abuso sexual. A USAG continuará a ser responsável por dirigir o esporte até que o Comitê Olímpico realize sua votação final.

A decisão do Comitê está longe de ser uma panaceia. Nas próximas semanas, o escritório de advocacia Ropes & Gray deve divulgar um relatório muito aguardado sobre a maneira pela qual o Comitê Olímpico dos Estados Unidos lidou com o caso Nassar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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