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The New York Times

Aposentadoria de campeã da natação não é de se lamentar

Missy Franklin, 23, deixa carreira de forma mais gloriosa que muitos colegas

Karen Crouse
Nova York | The New York Times

Missy Franklin havia acabado de anunciar sua aposentadoria, acelerada por dores crônicas nos ombros, em carta postada no site da ESPN, e emails pesarosos chegaram à minha caixa de entrada. As pessoas expressavam surpresa por uma das luzes mais brilhantes da natação estar abandonando o esporte com “apenas” 23 anos.

Sentimentos assim, embora bem intencionados, sublinham um subproduto lamentável da profissionalização dos esportes olímpicos: nossas estrelas já não têm a oportunidade de parar graciosamente.

Franklin deixou o esporte de forma mais gloriosa do que a maioria dos colegas, tendo conquistado cinco medalhas de ouro olímpicas e o recorde mundial nos 200 m costas. Os tributos não paravam de chegar, muitos desnecessariamente parecidos com elogios fúnebres, como que lamentando a morte de uma grande atleta, mas ela sabiamente escreveu: “Escolho olhar para isso como um novo começo”.

Bom para ela. Franklin sempre pareceu ter seus pés plantados firmemente no chão.

Depois de três anos de problemas de saúde que teriam destruído a paixão de qualquer um pelo esporte, ela usou sua fala de despedida para discorrer sobre as recompensas intrínsecas que a natação lhe propiciou: os amigos para toda a vida, as memórias duradouras, as lições de liderança, de espírito esportivo, de como estabelecer metas, gerenciar o tempo, perseverar e manter a humildade. 

Franklin garantiu seu legado ao conquistar cinco medalhas, quatro das quais de ouro, na Olimpíada de Londres, em 2012. Tudo que se seguiu —mais quatro ouros no Mundial de natação de 2013, a primeira marca feminina abaixo do 1min40s nos 200 m livre,  a Olimpíada do Rio, em 2016, onde ela conquistou mais um ouro, no revezamento— foi como a espuma em uma onda. 

Franklin sempre fez com que parecesse fácil ser uma superestrela, mesmo quando teve de disputar provas de 200 m livre e 100 m costas com um intervalo de apenas 14 minutos na Olimpíada de Londres. Mas fama e excelência como essas têm seu preço.

Depois da Olimpíada de 2016, Franklin, que se descreve como alguém que sempre tenta agradar, falou abertamente sobre suas dificuldades —ansiedade, depressão, distúrbios alimentares: problemas talvez inevitáveis para uma pessoa programada a não desapontar os outros.

No começo de 2016, em um jantar no subúrbio de Denver, a cidade em que ela cresceu, Franklin me contou sobre um encontro ao acaso que teve durante o período de festas. 

Fazendo compras, ela encontrou o pai de uma jovem nadadora contra quem ela competia. Ciente que ela havia perdido um pouco a forma, ele disse que todo mundo estava rezando que ela se recuperasse em tempo da Olimpíada de 2016. Franklin se lembra de ter pensado: “Ele acha que isso é um elogio?”

Ela riu, mas naquele momento o preço de ser a rainha do cloro dos EUA parecia exorbitante. Sua carta de despedida oferece prova de que, enquanto muita gente ansiava por seu retorno às glórias do passado, ela continuou a crescer, de formas que não podem ser registradas por qualquer sistema de cronometragem. 

Se Franklin tivesse sido adolescente nas décadas de 1950 ou 1960, sua carreira teria acabado depois das cinco medalhas de sua primeira Olimpíada e ela provavelmente teria se tornado comentarista.

Os avanços no condicionamento, equipamento e nutrição —acompanhados pelo influxo de dinheiro para alguns poucos atletas de elite— ajudaram a prolongar carreiras atléticas, mas não deveríamos considerar como norma que atletas olímpicos continuem a competir depois dos 30 anos. Talvez ainda mais se eles tiverem florescido cedo como Franklin, que já tinha 1,80 m de altura aos 13 anos, ao se tornar uma das participantes mais jovens da seletiva para a Olimpíada de 2008.

O desgaste de competir em nível elevado inevitavelmente têm consequências.

Em lugar de lamentar o fim de sua jornada no esporte, a legião de fãs de Franklin deveria ser grata pela duração de sua carreira. Todo atleta, por mais maravilhoso que seja, tem prazo de validade. Se a tendinite em seus ombros não tivesse causado o fim de sua carreira, outra coisa teria —desgaste emocional ou surgimento de novos interesses.

Franklin está noiva, disse que quer muito se tornar mãe, e deseja cuidar de seus futuros filhos sem que dores a restrinjam. O único motivo para lamentar sua aposentadoria seria se isso estivesse acontecendo no auge de sua forma, mas ela parecia ter obtido da natação exatamente o que precisava para levar adiante sua evolução pessoal.

Karen Crouse é repórter da editoria de Esporte do jornal The New York Times. A tradução do texto é de Paulo Migliacci.

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