Descrição de chapéu The New York Times

Elite da natação se rebela contra federação

Após ameaça de exclusão, atletas entram na Justiça para disputar provas em liga independente

Tariq Panja
Londres

Quando adolescente, Michael Andrew ficou a um segundo de realizar seu sonho e entrar para a equipe de natação que representou os EUA na Rio-2016. Agora, ele corre o risco de ficar de fora dos Jogos de Tóquio-2020, mas por um motivo totalmente diferente.

Campeão mundial de natação, Andrew está na vanguarda de uma batalha que vem sendo travada por alguns dos maiores nomes da natação contra a Fina (Federação Internacional de Natação).

A disputa expõe a tensão crescente entre os atletas, determinados a maximizar seu potencial de faturamento, e organizações determinadas a proteger orientações adotadas na era do amadorismo.

Os organizadores cancelaram os planos para uma lucrativa competição independente em Turim neste ano depois que a Fina ameaçou os participantes de exclusão dos principais torneios da modalidade, entre os quais a Olimpíada.

Andrew se reuniu com cerca de 30 nadadores —grupo que inclui diversos campões olímpicos e mundiais— em Londres, na última semana, para dois dias de conversas sobre como enfrentar a federação.

Ele partiu dizendo que os atletas deveriam se dispor a aceitar exclusão, se isso significasse ganhar mais controle sobre seu destino, em lugar de se verem limitados a competições controladas pela Fina.

“Se for necessário que eles nos excluam para que as coisas mudem, podem excluir”, ele disse. “Quando eu era menino meus sonhos sempre envolveram conquistar o ouro olímpico. Mas se eu jamais conquistar a medalha, quero olhar para atrás e saber que ergui minha voz em defesa de algo em que acredito.”

A entidade parece ter recuado de sua ameaça divulgando comunicado no qual afirmou que se limitaria a não reconhecer tempos registrados em competições não chanceladas por ela. Mas as disputas judiciais quanto ao controle exercido pela federação na natação prosseguem.

Duas semanas atrás, Andrew se uniu a outro nadador americano, Tim Shields, e à nadadora húngara Katinka Hosszu para apresentar um processo antitruste ao tribunal federal dos EUA contestando o controle da Fina sobre a organização de competições.

O processo surge depois de um litígio no ano passado em que patinadores de velocidade holandeses obtiveram uma decisão da Comissão Europeia contra a União Internacional de Patinação. A federação de patinação havia ameaçado excluir de seus quadros atletas que participassem de um evento que ela não aprovou.

O nadador americano Michael Andrew
O nadador americano Michael Andrew - Huang Zongzhi/Xingua

No futebol, a Fifa recentemente alertou jogadores de que eles poderiam ser excluídos da Copa do Mundo, para ganhar poder de pressão sobre os clubes de elite, que iniciaram discussões sobre a organização de uma competição que não envolveria a Fifa.

No atletismo e no tênis, os atletas venceram batalhas contra suas federações nas décadas de 1970 e 1980, mas não sem sofrimento.

Em 1973, 81 dos principais tenistas do planeta abandonaram Wimbledon depois que o torneio decidiu acatar a suspensão que a Federação Internacional de Tênis havia imposto a Niki Pilic, da antiga Iugoslávia, por disputar um torneio comercial, meses antes, em lugar de representar seu país na Copa Davis, evento organizado pela federação.

Depois disso, a entidade jamais voltou a contestar o direito dos jogadores de determinar seus calendários.
O processo dos nadadores é custeado por Konstantin Grigorishin, bilionário russo radicado na Ucrânia e principal acionista do Energy Standard Group, um conglomerado industrial e de energia. Ele também é o fundador da Liga Internacional de Natação (ISL), uma série de eventos que, segundo ele revolucionará o esporte, que costuma passar despercebido nos períodos entre os Jogos Olímpicos.

A liga promete dar premiações maiores aos atletas, que em sua maioria, raramente ganham o suficiente para sustentar uma carreira.

“O mundo está mudando. Os órgãos que administram os esportes precisam aceitar isso”, disse Grigorishin.

As discussões sobre uma liga formada por 12 equipes, divididas entre a Europa e a América do Norte, e culminando em uma prova final no resort Mandalay Bay, em Las Vegas, prosseguirão em janeiro.

A Fina anunciou que montará um defesa “robusta” contra as contestações legais. Ela  argumenta que sua presença é necessária para certificar devidamente exames antidoping e procedimentos de cronometragem, por exemplo.

A crise expôs questões de governança na Fina. O uruguaio Julio Maglione já passou dos 80 anos e preside a organização há uma década.

Em julho, a entidade se mudou para uma nova e luxuosa sede em Lausanne. Adam Peaty, nadador que conquistou o ouro olímpico e detém dois recordes mundiais no nado de peito, acusou os líderes da natação de estarem mais preocupados com seu estilo de vida privilegiado do que com o desenvolvimento do esporte.

Ele se uniu a Andrew para declarar que estava pronto para participar de eventos comerciais, mesmo que isso significasse ser banido pela federação internacional. 

“Por que a Fina gasta milhões em uma nova sede e um atleta tem de ter um segundo emprego?”, ele questionou.

A ISL prometeu dividir o dinheiro faturado com os atletas, além de cachês por participação e prêmios em dinheiro para os vencedores.

Ainda não houve contato significativo com parceiros de mídia ou patrocinadores. Ainda assim, Grigorishin promete até US$ 19 milhões para as competições no ano que vem, o que atraiu diversos astros do esporte. O americano Ryan Murphy, com três ouros olímpicos, e a italiana Federica Pellegrini, com um, participaram das reuniões da quarta-feira (19), em Londres.

tradução de Paulo Migliacci

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