Descrição de chapéu The New York Times

Final da Supercopa da Itália na Arábia Saudita vira dor de cabeça para cartolas

Liga italiana é cobrada por realizar jogo no país árabe após assassinato de jornalista

Cristiano Ronaldo, da Juventus, tenta passar por Hakan Calhanoglu , do Milan, durante jogo do Campeonato Italiano; equipes vão se enfrentar pela Copa da Itália - Alberto Lingria/Reuters
Tariq Panja
Londres | The New York Times

A Supercopa da Itália já foi disputada em território estrangeiro nove vezes, entre as quais uma vez em Trípoli, a convite do então ditador líbio Muammar Gaddafi. Mas o local da partida deste ano está causando críticas especialmente intensas.

Em questão está a decisão das autoridades do futebol italiano de ir adiante e realizar o jogo ---que reúne o ganhador da Copa da Itália e o da Série A do Campeonato Italiano na temporada precedente--- em Jeddah, na Arábia Saudita, em janeiro. A partida ocorreria apenas alguns meses depois do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, e enquanto o reino continua a servir de sede à maior operação de pirataria esportiva da história da televisão.

A Série A da liga italiana vem sendo pressionada por organizações de defesa dos direitos humanos, por um sindicato italiano de jornalistas e pelo beIN Media Group, sediado no  Qatar e talvez o maior comprador de direitos de transmissão de futebol na TV italiana, a tirar da Arábia Saudita o jogo a ser realizado em 16 de janeiro entre a Juventus e o Milan.

A Juventus venceu o título da Série A e o da Copa da Itália, na temporada passada, e por isso o Milan será seu adversário por ter chegado à final da Copa da Itália.

A Arábia Saudita, que adquiriu o direito de sediar a partida em junho como parte de um pacote que inclui três jogos, em valor de 21 milhões de euros (US$ 24 milhões), se tornou uma das maiores compradoras de direitos de organização e transmissão de eventos esportivos, nos últimos anos, com investimentos em corridas de automóveis, torneios de tênis e, mais recentemente, amistosos entre seleções internacionais.

O país também está apoiando uma oferta em valor de até US$ 25 bilhões para adquirir os direitos da Copa do Mundo Interclubes da Fifa, e para criar uma nova competição entre seleções. A proposta causou cisões entre os líderes das grandes organizações futebolísticas, alguns dos quais protestam contra o apoio saudita à pirataria de direitos multimilionários de transmissão detidos pela beIN Sports, do Qatar.

O sindicato dos jornalistas da RAI, a rede estatal de rádio e TV da Itália, que transmitirá a Supercopa no país, declarou no mês passado que era "absurdo e inaceitável" que o jogo fosse diante, diante do assassinato de Khashoggi, em outubro, que agentes dos serviços de inteligência dos Estados Unidos concluíram ter sido realizado por ordem do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, para todos os efeitos o líder real da Arábia Saudita.

Os dirigentes esportivos estão caminhando na corda bamba diplomática desde o homicídio. Em outubro, por exemplo, Avram Glazer, americano que é um dos coproprietários do Manchester United, da Premier League inglesa, foi um dos muitos líderes empresariais e políticos a desistir de uma conferência de investimento importante que aconteceria em Riad - ainda que Glazer tenha comparecido a outro evento no país, para a fundação do príncipe Mohammed, algumas semanas mais tarde. O Manchester United faturou milhões em seu relacionamento com a Arábia Saudita, em forma de patrocínios e outros contratos.

No mês passado, Novak Djokovic, líder do ranking mundial do tênis masculino, confirmou que uma partida de exibição em Jeddah contra Rafael Nadal, que aconteceria este mês, foi adiada. Djokovic atribuiu o cancelamento à lesão de Nadal no tornozelo, mas os dois atletas vinham recebendo forte pressão para cancelar o jogo, depois do homicídio de Khashoggi.

E em 8 de dezembro, Yousef al-Obaidly, presidente-executivo da beIN, escreveu uma carta de duas páginas, vista pelo The New York Times, ao diretor geral da Série A italiana, Marco Brunelli, protestando contra a realização da Supercopa na Arábia Saudita. A frustração de Obaidly se relaciona à beoutQ, uma operação de pirataria aparentemente originada da Arábia Saudita, e iniciada depois que os sauditas e os Emirados Árabes Unidos (EAU) decretaram um bloqueio contra o Qatar. A beoutQ continua a transmitir conteúdo esportivo de primeira linha - o que inclui partidas da Série A - ilegalmente, e a beIN apontou para seu investimento de US$ 500 milhões na transmissão de jogos da liga italiana.

"Não compreendemos por que a Série A escolheu recompensar publicamente as autoridades sauditas ao realizar a prestigiosa decisão da Supercopa em seu país, e apelamos urgentemente que vocês reconsiderem", escreveu Obaidly.

Muitos dos demais parceiros da liga italiana na área de mídia eletrônica optaram por não comentar o assunto, o que inclui a IMG, uma empresa de gestão de direitos esportivos sediada nos Estados Unidos, que no ano passado dedicou um bilhão de euros a adquirir os direitos de transmissão internacional da Série A por três temporadas. A IMG tem outros relacionamentos e negócios com a Arábia Saudita, entre os quais um acordo para organizar um torneio de golfe da European Tour no país no começo de 2019.
Um porta-voz da Série A invocou a confidencialidade para se recusar a discutir qual será a resposta da liga à beIN, ou a comentar sobre as questões específicas apontadas pelas organizações de defesa dos direitos humanos e pelo sindicato dos jornalistas.

A categoria Fórmula E do automobilismo está levando adiante seus planos para realizar a prova inicial de sua nova temporada na Arábia Saudita, ainda este mês. A modalidade é controlada em parte pelos grupos americanos Liberty Global e Discovery Communications; este último viu diversos de seus canais Discovery transmitidos ilegalmente na Arábia Saudita e em partes da Europa por meio de aparelhos ilegais da beoutQ. O Discovery não quis comentar.

"A Fórmula E é um catalisador de mudanças, não só no setor automotivo como um todo e na difusão dos veículos elétricos em escala mundial, mas também ao desempenhar papel positivo para a mudança de percepções", afirmou um porta-voz da Fórmula E em mensagem de email. "A corrida em Ad Diriyah é uma oportunidade importante de demonstrar o poder e o potencial das tecnologias limpas do futuro - em um país que quer deixar para trás a dependência quanto ao petróleo, e demonstrar uma economia diversificada".

O porta-voz se recusou a responder perguntas sobre o histórico da Arábia Saudita quanto aos direitos humanos e sobre a morte de Khashoggi.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.