Descrição de chapéu The New York Times

Tailândia pede prisão de jogador que acusou vice da Fifa de permitir tortura

Al-Araibi se posicionou contra xeique presidente da CAF, membro da família real do Bahrein

Hannah Beech
The New York Times

Um refugiado político que se pronunciou contra uma poderosa família reinante do Golfo Pérsico na terça-feira ficou mais perto de ser extraditado ao Bahrein, o país onde ele nasceu, por decisão das autoridades tailandesas.

Um tribunal tailandês ordenou formalmente que Hakeem al-Araibi, zagueiro que no passado foi um do astros da seleção de futebol do Bahrein, ficasse detido no país durante 60 dias, prazo que as autoridades de imigração da Tailândia poderão usar para preparar sua extradição. Araibi foi detido no mês passado, ao chegar ao aeroporto de Bancoc vindo da Austrália, onde ele vive legalmente como refugiado, depois de fugir da repressão que se seguiu aos protestos da Primavera Árabe no pequeno país do Golfo Pérsico.

Araibi foi detido inicialmente por conta de uma "notificação vermelha" da agência policial internacional Interpol - um alerta que a agência envia a governos sobre indivíduos contra os quais existem mandados de prisão ativos, informaram as autoridades tailandesas. Embora não exista obrigação legal de deter uma pessoa citada em uma notificação vermelha, estas podem ser invocadas como motivo na detenção de fugitivos, para posterior extradição a países nos quais tenham sido condenados por crimes.

Salman bin Ebrahim Al Khalifa, presidente da Confederação Asiática de Futebol (CAF), durante reunião em Puongyang, na Coreia do Sul
Salman bin Ebrahim Al Khalifa, presidente da Confederação Asiática de Futebol (CAF), durante reunião em Puongyang, na Coreia do Sul - KIM Won Jin-23.nov.18/AFP

Mas as notificações vermelhas também são objeto de abuso por governos autoritários que desejam levar de volta aos seus territórios críticos que fugiram para o exterior, dizem organizações de defesa dos direitos humanos. É por isso que nos últimos anos a Interpol instituiu reformas que requerem que ela verifique todas as pessoas acrescentadas ao banco de dados das notificações vermelhas. Refugiados como Araibi supostamente devem ficar isentos de notificações vermelhas.

Mesmo assim, dizem críticos, a Interpol não é suficientemente rigorosa quanto a garantir que o banco de dados das notificações vermelhas não seja usado para revanches políticas.

Quase uma semana depois da detenção de Araibi na Tailândia, a Interpol revogou a notificação vermelha sobre ele, disseram as autoridades tailandesas. Mas àquela altura ele já estava encarcerado oficialmente, em um país que tem um histórico de devolver pessoas que buscam asilo a nações nas quais existem provas críveis de que elas enfrentarão tortura ou perseguição política, entre os quais China, Paquistão e Bahrein.

As autoridades tailandesas informaram que estavam mantendo Araibi na cadeia porque haviam recebido um pedido de extradição das autoridades do Bahrein, baseado em uma condenação a 10 anos de prisão que ele recebeu por acusações que incluem vandalismo. Organizações de defesa dos direitos humanos dizem que a condenação tem motivos políticos.

"Trata-se de um cara com um perfil público, que deixou um país cujos dirigentes ele acusou, fundamentadamente, de tortura, o que levou a Austrália a lhe conceder asilo", disse Bruno Min assessor político sênior da Fair Trials, uma organização que fiscaliza o funcionamento dos sistemas de justiça criminal em todo o planeta. "Por que a notificação vermelha contra ele foi autorizada, para começar? O que isso mostra é que o sistema existente ainda não basta para impedir que aconteçam abusos".

O Bahrein tem um histórico de usar notificações vermelhas a fim de forçar dissidentes a voltar ao país. Em 2014, a Tailândia, agindo com base em um alerta da Interpol, entregou outro crítico da família reinante do Bahrein às autoridades do emirado. As Nações Unidas afirmam que há indícios de que o dissidente foi espancado severamente em sua viagem de volta ao Bahrein, onde ele continua preso.

Em 2014, Araibi foi sentenciado, in absentia, a 10 anos de prisão, por vandalizar uma delegacia de polícia. Mas minutos antes do horário do suposto crime, ele estava jogando em uma partida de futebol televisada. O juiz que o condenou é membro da família Khalifa, que governa o Bahrein.

Depois de fugir para o exterior, Araibi fez acusações contra um importante dirigente de futebol do Bahrein, afirmando que ele permitiu a tortura e detenção de membros da seleção nacional que supostamente teriam apoiado os protestos da Primavera Árabe no emirado. Alguns deles continuam encarcerados.

O dirigente, xeique Salman bin Ebrahim al-Khalifa, mais um membro da família reinante de Bahrein, é presidente da Confederação Asiática de Futebol e vice-presidente da Fifa, a organização que comanda o futebol mundial.

Em 2016, o xeque Salman disputou sem sucesso a presidência da Fifa. Preocupações sobre a forma pela qual sua família governa o Bahrein ajudaram a tirar sua candidatura dos trilhos. Araibi declarou acreditar que xeque havia permitido deliberadamente que a tortura continuasse.

Na semana passada, em uma de suas raras intercessões políticas, a Fifa, abalada por sucessivos escândalos de corrupção, apelou pelo retorno de Araibi à Austrália.

Marise Payne, ministra do Exterior da Austrália, também instou a Tailândia a permitir o retorno do atleta.

Os protestos contra a família reinante sunita do Bahrein tiveram base ampla, com a participação de cerca de 200 mil pessoas, muitas das quais membros da maioria xiita do país, de acordo com organizações de defesa dos direitos humanos. O irmão de Araibi participou dos protestos, e Araibi disse em conversa telefônica, do centro de detenção em Bancoc, que as atividades de seu irmão foram a causa da tortura que ele viria a sofrer.

A sequência dos acontecimentos que resultaram na detenção de Araibi em Bancoc, em 27 de novembro, levou ativistas a mencionar a possibilidade de que a Tailândia tenha informado o governo do Bahrein sobre a intenção dele de visitar o o país.

Em outubro, Araibi e a mulher pediram vistos para uma viagem de férias à Tailândia. Os vistos foram concedidos no começo de novembro. A notificação vermelha da Interpol, gerada por uma solicitação do Bahrein, só foi avaliada depois de Araibi ter tido seu visto aprovado pelas autoridades de imigração tailandesas.

O zagueiro Hakeem al-Araibi, preso no aeroporto Suvarnabhumi, em Bancoc, na Tailândia
O zagueiro Hakeem al-Araibi, preso no aeroporto Suvarnabhumi, em Bancoc, na Tailândia - Bahrain Institute for Rights and Democracy

"Na esteira do assassinato de Jamal Khashoggi, os estados repressivos do Golfo Pérsico parecem confiantes em que sua caçada mundial contra dissidentes pode continuar sem medo de consequências", disse Sayed Ahmed Alwadaei, diretor de campanhas do Bahrain Institute for Rights and Democracy, em Londres, mencionando o assassinato de um respeitado jornalista saudita no consulado da Arábia Saudita em Istambul.

No final de semana, o Ministério do Exterior tailandês realizou a detenção, depois de pedidos das autoridades do Bahrein de um escritório da Interpol na Austrália.

"A detenção foi realizada em resposta a uma notificação vermelha recebida do Escritório Central Nacional da Interpol na Austrália e de uma solicitação formal do governo de Bahrein por sua detenção e extradição", afirma o comunicado tailandês.

O Departamento do Exterior e Comércio australiano e a polícia federal da Austrália não responderam a pedidos de comentários. Mas seria incomum que as autoridades do país que deu asilo a Araibi o denunciassem aos tailandeses.

A Austrália já extraditou pessoas mencionadas em notificações vermelhas a países nas quais as organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que elas estariam sujeitas a tortura, como o Egito. E é possível que burocracias diferentes em um mesmo país trabalhem de forma descoordenada, dizem os ativistas dos direitos humanos.

"É bastante comum, no caso de notificações vermelhas, que não exista grande diálogo entre dois órgãos, por exemplo a polícia e as autoridades de imigração", disse Min, da Fair Trials, que estudou extensivamente casos de abuso das notificações vermelhas da Interpol.

Na terça-feira, o pedido de Araibi para ser libertado sob fiança foi negado, disse seu advogado, Nadthasiri Bergman. Ele será transferido do centro de detenção da imigração para a prisão central de Bancoc, conhecida pela superlotação, enquanto os tribunais resolvem seu caso, o que pode demorar semanas.

Araibi e a mulher queriam passar uma lua de mel atrasada na Tailândia. Do centro de detenção, ele descreveu seu choque ao ver uma viagem de férias transformada em a provável devolução a um país no qual organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que milhares de pessoas foram torturadas por seu envolvimento no fracassado movimento da Primavera Árabe.

"Minha mulher e eu, nós queríamos férias", disse Araibi. "Não quero voltar a um lugar de tortura"

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