Descrição de chapéu Futebol Internacional

Devastado por guerra esquecida e sem estádio, o Iêmen joga Copa da Ásia

Estreante no torneio, seleção tem jogador que atuou pelo Central do Caruaru no ano passado

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São Paulo

Nem a comissão técnica do Central de Caruaru (PE) entendeu muito bem quando o gerente de futebol do clube, Adriano Coelho, chegou ao treino acompanhado por um árabe no início do ano passado.

Al-Sarori (à esq, de vermelho), disputa bola com Ali Adnan em partida do Iêmen contra o Iraque pela fase de grupos da Copa da Ásia
Al-Sarori (à esq, de vermelho), disputa bola com Ali Adnan em partida do Iêmen contra o Iraque pela fase de grupos da Copa da Ásia - Karim Sahib-12.jan.19/AFP

Ahmed Al-Sarori, 20, foi o primeiro jogador do Iêmen a atuar no futebol brasileiro como profissional. Não por muito tempo.

“Ele não se adaptou à região e pediu para sair. Parece que voltou para o país dele. Não se adaptou à comida, ao clima. Foi difícil para ele”, reconhece à Folha o administrador do Central, Marcio Porto.

Al-Sarori faz parte da equipe do Iêmen que disputa a Copa da Ásia de seleções. Façanha para um país mergulhado em guerra civil que se arrasta desde 2015, já matou 6.800 pessoas e feriu outras 11 mil, segundo números da ONU (Organização das Nações Unidas). Há milhões em situação de risco.

“Estamos longe do conflito, não temos qualquer contato. O noticiário é horrível. Esperamos que isso termine logo”, disse o assistente técnico Milos Brozek para o podcast The Asian Game.

Ele e o treinador Jan Kocian são eslovacos e jamais pisaram no Iêmen. Conseguiram fazer seis treinos e três amistosos com o time antes do torneio, que é o primeiro para o qual o país consegue classificação.

Na estreia, perdeu para o Irã por 5 a 0. Na segunda rodada, caiu diante do Iraque por 3 a 0 e, já eliminado, encerra a participação no torneio nesta quarta (16) contra o Vietnã.

O Iêmen apenas se classificou porque a Confederação da Ásia resolveu inflar a competição. Aumentou o número de seleções de 16 para 24.

Não importa muito.

“As outras equipes são melhores que a nossa. Mas estarmos aqui [nos Emirados Árabes, onde acontece a Copa] já é um grande feito”, observou o capitão Ala Al-Sasi para o site do torneio.

Na 135º posição no ranking da Fifa, o Iêmen não atua em casa há seis anos. A maioria dos estádios do país foi destruída pelo conflito que a Anistia Internacional chamou de “guerra esquecida”. A liga nacional está paralisada desde 2014.

Não deixa de ser irônico que o apelido da seleção seja “Iêmen feliz”. 

Declaração de Kocian antes da primeira partida foi que o futebol poderia trazer algum conforto para a população. Não é uma frase nova e é pouco provável que seja verdade.

O Iêmen vive disputa étnica em que o movimento huti, que defende a minoria xiita zaidi, tomou controle de partes do território e obrigou o presidente Abdrabbuh Mansour Hadi a se exilar. A nação também sofre com ataques de grupos ligados à Al-Qaeda e de um movimento separatista no sul.

O Conselho de Direitos Humanos definiu que os civis têm sofrido “implacáveis violações das normas humanitárias internacionais”. Surto de cólera em 2018 matou duas mil pessoas e afetou um milhão. Foi a mais rápida epidemia da doença registrada na história, causada pela falta do sistema de esgoto. A ONU avalia que 22 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária urgente. O risco de desnutrição aflige 400 mil crianças.

A situação precária do país e da seleção fez com que o técnico Abraham Mebratu jogasse a toalha após obter a classificação. Voltou para a Etiópia, seu país natal.

Al-Sarori tentou a sorte no Brasil pela questão financeira, mas também para poder jogar futebol. No Iêmen, os atletas apenas estão em atividade quando são chamados pela seleção.

“Acho que ele passou 40 dias com a gente em Caruaru. Ele jogou três vezes, mas sempre entrando no segundo tempo e chegou com o Campeonato Pernambucano em andamento. Era um bom jogador, mas dentro do elenco tínhamos opções com maior qualidade”, analisa Porto.

Serviu para escapar do conflito que poderia colocá-lo até no campo de batalha. Não há informações oficiais de quantos no elenco de 23 jogadores convocados para a Copa participaram da guerra civil.

O técnico da seleção do Iêmen, o eslovaco Jan Kocian, observa a partida contra o Irã, na estreia da equipe na Copa da Àsia
O técnico da seleção do Iêmen, o eslovaco Jan Kocian, observa a partida contra o Irã, na estreia da equipe na Copa da Àsia - Khaled Desouki-7.jan.19/AFP

“Rapaz, eu não lembro muito dele. Agora que você mencionou, me veio à cabeça um jogador árabe, mas ele não era muito bom, não. Ficou pouco tempo e foi embora. Não sei o motivo. Acho que nem jogou pelo Central. Jogou?”, se esquece o presidente Clóvis Lucena, com poucas lembranças do iemenita que agora atua pela seleção em um momento histórico para o futebol asiático.

A equipe apenas conseguiu se preparar para a Copa da Ásia porque o Qatar cedeu instalações em Doha que são preparadas para o Mundial de 2022. Não fosse por isso, não teriam onde treinar. Mesmo assim a viagem levou mais tempo do que o esperado porque a Arábia Saudita, com interesse na guerra civil do vizinho e de relações rompidas com o Qatar, impediu o voo de fazer escala em Riad.

A Folha tentou entrar em contato com a Federação do Iêmen, mas não obteve resposta aos emails enviados. O país não tem embaixada no Brasil e a representação diplomática mais próxima é a de Cuba. Também não houve sucesso nos contatos feitos pela reportagem.

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