Descrição de chapéu The New York Times

Exceção na elite, tenista francês repete Murray ao ser treinado por mulher

Lucas Pouille, 24, trabalha com Amélie Mauresmo, que também treinou o britânico

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Ben Rothenberg
Melbourne | The New York Times

Lucas Pouille, 24 anos, o mais brilhante dos jovens astros do tênis francês, estava vivendo um momento ruim.

Ele atingiu a 10ª posição no ranking da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP), a melhor marca de sua carreira, em março de 2018, mas depois disso não conseguiu vencer mais de duas partidas consecutivas, pelo restante da temporada, que ele concluiu com uma sequência de 14 vitórias e 17 derrotas. Jogando sem inspiração e sem fé, ele chegou ao final da temporada em 32º lugar no ranking.

"Perdi a confiança e não vinha curtindo muito estar em quadra, estar no circuito", ele disse. "Eu realmente estava sem vontade de jogar tênis". Precisava encontrar uma solução, acrescentou. "Tinha de reencontrar minha alegria de estar em quadra".

Lucas Pouille rebate uma bola em partida da segunda rodada do Aberto da Austrália 2019
Lucas Pouille em partida da segunda rodada do Aberto da Austrália 2019 - David Gray/AFP

Pouille, 24, dispensou Emmanuel Planque, seu treinador havia seis anos, em novembro. O tenista queria fazer uma pausa no circuito, mas decidiu concluir a temporada para que pudesse jogar na final da Copa Davis, e passou oito dias sozinho, sem treinar. Quando pegava a raquete, era só para jogar minitênis com amigos.

Mas na segunda-feira seguinte à final da Copa Davis, na qual a França foi derrotada pela Croácia, ele foi apresentado à pessoa selecionada como nova capitã da seleção de seu país, Amélie Mauresmo.
No entanto, ele tinha uma proposta diferente para ela: treiná-lo.

"Quando conversamos, foram aquelas duas horas de papo que realmente me levaram a pensar", disse Mauresmo. "Ele me mostrou que era ambicioso, que quer fazer todo o necessário para ser tão bom quanto possível. Ele meio que me convenceu do que estava dizendo, de que estava pronto a fazer todo o esforço e todo o trabalho necessários para estar no topo, e que estava disposto a ir fundo para chegar ao seu melhor".

Deixar o posto como capitã da equipe francesa na Copa Davis antes mesmo de assumi-lo não foi uma decisão fácil para Mauresmo, especialmente diante da empolgação que surgiu com sua indicação como primeira mulher a ocupar a posição. Mas as mudanças radicais que a Copa Davis sofrerá este ano, que reduzirão as finais a um torneio em formato de Copa do Mundo, disputado em um só local, com três partidas em formato de melhor de três sets entre as equipes participantes, em lugar de cinco partidas em formato de melhor de cinco sets, facilitaram sua decisão.

Amélie Mauresmo quando era treinadora da equipe francesa da Fed Cup, competição feminina por países
Amélie Mauresmo quando era treinadora da equipe francesa da Fed Cup, competição feminina por países - Vincent Kessler - 12.nov.16/Reuters

"Creio que o papel do capitão será realmente reduzido", disse Mauresmo, 39. "O que me interessava eram as semanas de preparação, os três dias de competição, o formato de melhor de cinco sets, construir uma equipe ao longo do ano, e as etapas jogadas em casa e fora de casa. Foi isso que eu cresci acompanhando. Cresci sentindo as emoções que esse formato propiciava".

"Não tenho dúvida de que o torneio será bom, a competição será boa para a torcida, e eles certamente vão criar um grande espetáculo. Mas como capitã, não senti que meu papel seria tão importante", ela disse.

Pouille disse que se sentiu encorajado por Mauresmo ter demonstrado tamanha confiança nele, ao deixar para trás uma grande oportunidade.

"Era isso que eu queria ter: alguém que acredite em mim, e que acredite que podemos ir muito longe juntos", disse o tenista. "Estou muito feliz por ela fazer parte disso, agora. E por podermos trabalhar juntos, e obter os melhores resultados possíveis".

Pouille é o único homem entre os 100 atletas que ocupam o topo do ranking da ATP a ser treinado por uma mulher que não seja sua parente direta, mas disse que o gênero de Mauresmo não influenciou em sua decisão de contratá-la.

"Para mim, não importava que fosse um homem, mulher, avô, avó, eu não me incomodava", disse. "Desde que a pessoa soubesse sobre o que estava falando. No esporte masculino ou no esporte feminino, no fim você lida com as mesmas coisas em quadra".

"Mentalmente, é a mesma coisa. Tecnicamente, ela conhece o tênis. Sabe o que preciso fazer para melhorar em quadra. Para mim, é isso que importa".

A escolha de Mauresmo por Pouille foi a segunda contratação importante de uma treinadora por um jogador homem, nos últimos anos. A primeira aconteceu em 2014, quando Andy Murray também contratou Mauresmo.

A decisão de Pouille foi menos contestada que a de Murray. Em 2014, a contratação de Mauresmo foi tratada com ceticismo pela mídia e por outros jogadores.

"A pressão era imensa, no caso de Andy, e as críticas que surgiram por conta de sua decisão eram sérias", disse Mauresmo. "Eu sabia ter muito a provar, e sabia que cada partida que ele jogaria seria avaliada em termos do trabalho que fiz, ou não fiz, ou poderia ter feito melhor. Isso tornou as coisas muito difíceis, mas também representava um desafio, e eu trabalhei muito, muito mesmo".

Pouille disse que muitos dos questionamentos que surgiram sobre sua decisão foram mais inanes do que negativos.

"Muita gente me perguntou se alguma coisa era diferente por ela ser mulher. Queriam saber como fazíamos, se ela podia entrar no vestiário", ele disse. "Mas o que importa é o que está acontecendo na quadra, o que está acontecendo na preparação para a partida, e o que acontece depois da partida. Não me importa quem esteja no vestiário".

Pouille diz que até agora o que mais o agrada é que não há desperdício de tempo em suas sessões de treino com Mauresmo, e o entusiasmo dela e sua disposição de acompanhá-lo em diversos exercícios e corridas.

"Pode-se ver na quadra que ela é uma campeã", disse Pouille. "A maneira com a qual ela se comporta na quadra, sua dedicação, é simplesmente notável".

Pouille espera que a orientação de Mauresmo o ajude a voltar ao top 10. Nas três últimas décadas, o tênis masculino francês sempre teve representantes na elite do esporte, mas não conseguiu catapultar um atleta para a posição de candidato a título nos grandes torneios.

Pouille é um dos cinco tenistas franceses em atividade que já chegaram ao top 10 em algum momento —se unindo a Richard Gasquet, Gilles Simon, Gael Monfils e Jo-Wilfried Tsonga. Mas os atletas desse grupo chegaram à final de apenas um torneio de Grand Slam nos últimos 10 anos —a do Aberto da Austrália em 2008, da qual Tsonga saiu derrotado.

Mauresmo diz que é provável que ela tenha credibilidade especial no tênis francês por ter vencido dois títulos de simples em torneios de Grand Slam e por ter liderado o ranking do tênis feminino —realizações que superam as de qualquer outro tenista francês, homem ou mulher, em seu período de atividade. Mas ela não está certa de que tenistas homens se disporiam a contratar uma mulher como treinadora se ela tivesse credenciais menos que estelares.

"Provavelmente ainda não", ela disse. "Talvez não, mas isso virá. Talvez não nos próximos dois, três ou cinco anos, mas virá".

Paciência também provou ser necessária quanto ao começo da temporada de Pouille em 2019. Ele começou o ano perdendo as três partidas que disputou na Copa Hopman, bem como um jogo no torneio da ATP em Sydney.

Mas já obteve duas vitórias no Aberto da Austrália e está classificado para a terceira rodada.

Ainda que a vitória tenha sido um alívio, Pouille disse que sua confiança quanto à sua escolha de treinadora jamais vacilou.

"Sei que será preciso tempo, vindo de um ano que foi bem difícil para mim", ele disse. "Mas decidi trabalhar com Amélie porque confio nela".

Tradução de Paulo Migliacci

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