Maior agente do mundo se uniu a bilionário chinês para negociar atletas

Acordo de Jorge Mendes e Fosun prevê comprar participações de jogadores, o que a Fifa proíbe

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Empresário de Cristiano Ronaldo, Jorge Mendes é o agente mais influente do mundo do futebol
Empresário de Cristiano Ronaldo, Jorge Mendes é o agente mais influente do mundo do futebol - Stefan Wermuth/Reuters
Cassell Bryan-Low Tom Bergin
Londres | Reuters

No começo de 2016, o mais poderoso agente do futebol mundial, Jorge Mendes, posou em seu terno escuro e camisa branca habituais para uma foto ao lado do bilionário chinês Guo Guangchang, em um hotel de luxo em Xangai.

Os dois estavam lá para lançar uma nova parceria, diante de uma audiência de luminares futebolísticos que incluía José Mourinho, ex-treinador do Real Madrid, do Chelsea e Manchester United e dirigentes de diversos grandes clubes europeus.

Mendes e Guo, cofundador do grupo de investimento chinês Fosun, anunciaram a criação de uma agência cujo objetivo era expandir o futebol na China e a ajudar atletas a construir suas carreiras. Mas essa era apenas parte do plano.

O que Mendes e Guo não revelaram foi que planejavam criar uma rede de times e escolas de futebol na Europa, para desenvolver e vender jogadores, como revelam emails e apresentações internas relacionadas ao acordo.

Uma rede como essa permitiria que os parceiros contornassem as regras da UEFA e da Fifa que impedem investidores de adquirir participação em contratos de jogadores, e negociá-los. Com a ajuda de grandes agentes como Mendes, essas transações capturariam lucros que de outra forma beneficiariam clubes de futebol de menor porte.

Negociar e representar jogadores, acreditava o Fosun, de acordo com uma apresentação interna de 2015, era a única parte lucrativa, de maneira sustentável, no negócio do futebol.

O grupo Fosun, que abarca diversas empresas controladas por Guo e seus dois sócios, vale mais de US$ 10 bilhões, e tem ativos que variam da rede internacional de resorts Club Med a imóveis de primeira linha em Nova York.

Em 2016, a empresa delineou ambições ousadas no futebol. Em agosto daquele ano, um analista que trabalha para o Fosun enviou um email a Luis Correia, um sócio de Mendes, dizendo que “nosso objetivo é construir, com vocês, um sistema completo no mundo do futebol internacional, com níveis diferentes de clubes e instalações de treinamento”.

Um dos objetivos era criar uma rede para identificar jogadores que mais tarde poderiam ser vendidos com lucro, de acordo com emails e apresentações do Fosun. Uma mensagem de um executivo do Fosun, em 2016, descrevia investir em jogadores e negociá-los como “a parte mais lucrativa da indústria do futebol”.

O Fosun, Guo, Mendes e Correia não responderam a pedidos de comentários.

As revelações sobre as ambições de Guo, do Fosun e de Mendes, 52, vêm do “Football Leaks”, um conjunto de emails, contratos e outros documentos relativos a diversas organizações futebolísticas obtidos pela revista alemã Der Spiegel, e revisado pela Reuters em cooperação com o European Investigative Collaborations, um consórcio de mídia.

Os documentos vistos pela Reuters se referem ao período até a metade de 2017. Não se sabe até que ponto o Fosun e Mendes avançaram em sua parceria desde então.

Negociar os grandes talentos do esporte é muitas vezes mais lucrativo do que controlar clubes de futebol, dizem pesquisadores que estudam o esporte. Mas também representa um modelo de negócios que muitos torcedores, dirigentes e proprietários de clubes criticam e ao qual resistem. Eles afirmam que isso desvia para os agentes e investidores financeiros dinheiro que de outra forma caberia aos clubes e os ajudaria a manter o nível vibrante de competição que os torcedores pagam para ver.

Simon Chadwick, professor de negócios esportivos na Universidade de Salford, na Inglaterra, expressou preocupação sobre os efeitos financeiros do relacionamento estreito entre clubes, agentes e investidores.

"Se [o dinheiro] vazar do esporte, há um impacto potencial sobre os escalões inferiores do futebol, que afeta a base do esporte”, ele disse.

As organizações que comandam o futebol dizem que as transferências de jogadores entre clubes deveriam servir para reforçar a competição e ajudar as equipes a ganhar títulos, e não para gerar lucros destinados a investidores financeiros.

“O futebol é um negócio de entretenimento, e não deveria ser um negócio financeiro”, disse Didier Quillot, presidente da Ligue de Football Professional, a federação francesa do esporte. Falando sobre o futebol em geral, ele acrescentou que era necessário “evitar um excesso de transferências de jogadores".

No mercado do futebol, jogadores são comprados e vendidos por clubes. Se alguém que não um clube controla uma porção dos “direitos econômicos” do jogador, a situação é conhecida como “propriedade terceirizada”

A empresa de Mendes detinha participações nos contratos de mais de 50 jogadores importantes, no final de 2015, de acordo com um contrato assinado entre o Fosun e a Gestifute.

Ao deter participações em contratos de jogadores, Mendes tanto aumenta sua influência quanto tem mais a ganhar quando esses jogadores são comprados e vendidos por clubes.

Em julho de 2014, por exemplo, a Gestifute, de Mendes, comprou 40% de participação nos direitos econômicos de um jovem jogador chamado Diogo Jota, do Paços de Ferreira, um clube de futebol modesto sediado nas imediações da Cidade do Porto, em Portugal. O jogador tinha 17 anos e a Gestifute adquiriu sua participação por 35 mil euros (R$ 149 mil), de acordo com o contrato de venda.

Em março de 2016, ele foi adquirido por um dos grandes clubes espanhóis, o Atlético de Madri, por 6,4 milhões de euros (R$ 27 milhões). A participação da Gestifute significa que a empresa abocanhou 2,5 milhões de euros (R$ 10 milhões) com a transação, de acordo com emails e uma fatura. 

A holding de Mendes, Start SGPS, teve lucro líquido de 25,1 milhões de euros (aproximadamente R$ 90 milhões) em 2015, de acordo com emails. Esse lucro é superior ao de todos os clubes de futebol da Europa exceto 10, de acordo com dados compilados pela Uefa, a organização que comanda o futebol europeu.

Mendes não respondeu a pedidos de que comentasse a avaliação do Fosun.

Em setembro de 2015, o conselho do Fosun concordou em adquirir 15% da Start SGPS, que controla a Gestifute e outros interesses de Mendes. Guo e seus sócios concordaram em pagar 42 milhões de euros (aproximadamente R$ 178 milhões) pela participação, o que avalia o grupo em 280 milhões de euros (cerca de R$ 1,2 bilhão), e obtiveram o direito de elevar sua participação a 37,5% no futuro.

Nos termos do contrato de venda da participação na Gestifute a veículos de investimento controlados pelos sócios do Fosun, a agência de Mendes detinha direitos sobre 54 jogadores, em novembro de 2015. Entre eles estão Diogo Jota e os brasileiros Ederson Moraes, do Manchester City, e Fabinho, do Liverpool.

No momento do acordo entre o Fosun e a Gestifute, Mendes falou publicamente sobre as ambições dos parceiros na China, não na Europa. “Fico mais que honrado em ser parte desse projeto e por ajudar o futebol chinês a se tornar uma nova potência mundial”, declarou Mendes em um press release no momento do acordo.

Mendes e a Gestifute não responderam a pedidos de comentários sobre o acordo com o Fosun ou sobre os direitos econômicos que o grupo detém sobre jogadores.

​Em 2012, a Uefa determinou que a participação de terceiros em transferências de atletas pode distorcer a competição e tirar dinheiro do esporte. A medida foi seguida pela Fifa, que em 2015, impôs uma nova regra com o objetivo de impedir essa prática. Os contratos vigentes continuam inalterados, mas novos acordos que envolvessem participações de terceiros foram proibidos.

Não existe registro público sobre a participação de terceiros em contratos, o que torna impossível determinar que efeito teve a nova regra. E a influência dos detentores de direitos terceirizados pode ser exercida de maneira sutil.

Alguns dos contratos anteriores a 2015 estipulavam que um clube deveria adquirir a participação do parceiro terceirizado, caso rejeitasse oferta lucrativa de outro clube por um jogador, de acordo com emails vistos pela Reuters. 

Mendes resistiu à proibição imposta pela Fifa, afirmando que as participações de terceiros em contratos de jogadores ajudam a distribuir o custo de aquisição e permitem que clubes menores banquem a contratação de atletas melhores. A proibição “mata a concorrência, mata”, ele disse à Reuters em entrevista, em janeiro de 2015.

Fundo chinês Fosun adquiriu o clube inglês Wolverhampton e recheou o elenco com atletas de Mendes. O técnico Nuno Espírito Santo também é agenciado pelo português
Fundo chinês Fosun adquiriu o clube inglês Wolverhampton e recheou o elenco com atletas de Mendes. O técnico Nuno Espírito Santo também é agenciado pelo português - Scott Heppell/Reuters

De qualquer forma, a medida pouco fez para restringir as ambições do Fosun. A Fifa impediu investidores terceirizados de adquirir jogadores. Mas nada impedia o Fosun de comprar um clube de futebol, que teria liberdade para deter direitos sobre jogadores sem que o Fosun violasse a regra quanto a investimentos por terceiros.

Em 2016, o grupo chinês decidiu adquirir o Wolverhampton, da Inglaterra. Em menos de dois anos, o clube gastou mais de 65 milhões de libras na compra de jogadores, de acordo com sua contabilidade. Em alguns casos, os jogadores adquiridos eram representados por Mendes, ou ele ajudou a organizar as transações, disse o clube. 

O clube também apontou Nuno Espírito Santos, o antigo goleiro que ajudou a lançar a carreira de Mendes como agente, para o posto de treinador.

As contratações ajudaram a levar o Wolves à Premier League, a primeira divisão do futebol inglês, em agosto. E atraíram críticas de muitos rivais.

Em março de 2018, Andrea Radrizzani, dono do Leeds United, afirmou no Twitter e em entrevistas que o Wolves desfrutava de vantagens desleais. Ele disse que o relacionamento entre Mendes e grandes jogadores e clubes permitia que o Wolves adquirisse talentos que não estão disponíveis para clubes desprovidos dessas conexões com o agente. Dirigentes do Aston Villa também questionaram as contrações de tantos jogadores de qualidade pelo Wolverhampton.

Em abril, a English Football League disse ter examinado o relacionamento entre Mendes e o clube e constatado que não viola as regras que impedem um agente de ter papel executivo em um clube ou de controlar sua estratégia. A federação declarou, então, que Mendes “não tem papel no clube”.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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