O diferencial de Gabriel Medina é ser o melhor 'pateta' do mundo

Brasileiro supera rivais por obter boas notas quando surfa de costas para onda

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O surfista que coloca o pé direito à frente na prancha, como Medina, é chamado de 'goofy', pateta em inglês
O surfista que coloca o pé direito à frente na prancha, como Medina, é chamado de 'goofy', pateta em inglês - Brian Bielmann/AFP
São Paulo

No momento de maior tensão na etapa em que confirmou o título mundial de 2018, nas quartas de final, no Havaí, Gabriel Medina, 25 anos, tirou a única nota 10 do evento. O brasileiro tinha que virar a bateria contra o californiano Conner Coffin, 25.

Para isso, surfou uma direita e, de costas para a onda, pegou o maior tubo da competição. Naquele momento, deixou claro que o bicampeonato não escaparia.

Na avaliação, certamente os juízes levaram em consideração o fato de Gabriel surfar de costas para a onda, uma rotina com a qual teve de se adaptar no Mundial, que normalmente dificulta a vida de quem tem como base na prancha o pé direito na frente, os chamados goofies (patetas, em inglês).

Uma das versões para a origem do termo é a de que foi criado por influência do personagem Pateta (Goofy, em inglês), de Walt Disney. Em 1937, ele estrelou um desenho animado intitulado "Hawaiian Holiday". No filme, Pateta decide surfar e, depois de algumas quedas, consegue na terceira tentativa, flutuando pela onda com o pé direito à frente na prancha de surfe.

O termo se popularizou em praias com ondas para a direita, quando era considerado visualmente estranho ver o surfista tentar manobrar de costas para as ondas.

O oposto do goofy é chamado de regular e usa o pé esquerdo na frente. Não há relação direta entre ser canhoto ou destro para definir a base de cada surfista. Medina assina autógrafo com a mão direita, assim como Kelly Slater, o mais representativo dos regulares.

Medina é o único goofy campeão mundial nos últimos 17 anos, desde o americano C.J. Hobgood, em 2001.

"O Mundial ainda favorece quem é regular. Eu tive que me adaptar, corri atrás e hoje sinto que sou competitivo surfando para os dois lados", explicou Medina.

A maioria das etapas oferece ondas à direita, o que privilegia quem surfa de frente para esse lado (com o pé direito atrás).

"O que era dificuldade virou a vitamina do Gabriel", avalia Charles Medina, pai e treinador do campeão mundial. Ele acredita que o filho tem o melhor backside —surfar de costas para a onda— do Mundial. 

"Apesar de ter direitas também em Maresias (praia em que Medina cresceu), é natural que um goofy, ainda mais no início, opte mais pelas esquerdas [ondas que quebram na esquerda do surfista], e com Gabriel não foi diferente. Ele corrigiu isso e virou o diferencial dele", completou Charles.

Das 11 etapas do Mundial, a única que só tem onda para esquerda é Teahupoo, no Taiti, que mesmo assim apresenta um tubo considerado bom para o backside dos regulares. Em quatro etapas, a exclusividade é para a direita —em Bells Beach, Gold Coast, Jeffreys Bay e Bali. Já em Portugal, França, Brasil, Havaí e na australiana Margaret River, em condições ideais, a melhor onda costuma ser para a direita, mas esses mares podem oferecer esquerdas.

A piscina com ondas da Califórnia é a única que oferece condições iguais para os dois lados. Ideal para comparar goofies e regulares, a etapa exige que os surfistas somem uma onda para cada lado para passar de fase. Novidade de 2018, o evento confirmou a tese de que os surfistas têm mais facilidade quando estão de frente para a onda. A maioria das melhores notas de cada surfista foi tirada nessa condição.

Na fase de classificação na piscina, com 36 surfistas, as duas melhores ondas —segundo notas dos jurados— são consideradas para avaliação. Somente um surfista avançou à fase final tendo feito sua melhor nota em uma onda surfada de costas. Foi o goofy Miguel Pupo.

Entre as 16 ondas computadas pelos oito finalistas, apenas um teve a melhor nota pessoal surfando de costas, o goofy e quinto colocado Owen Wright. Mas o 7,97 do australiano foi pior que o 8,73 da direita de Medina, campeão da etapa.

Essa onda de costas do brasileiro fez a diferença. Em uma disputa com o segundo colocado na piscina, Filipe Toledo, Medina somou, de costas, 1,50 ponto a mais que o rival para ser campeão. O regular Toledo tirou 9,80 surfando de frente para a direita, mas de costas somou 7,23. De frente, Medina foi pior, com 9,13 na esquerda, mas virou a final com o 8,73 que conseguiu para a direita.

Ou seja, o surfe de costas foi o diferencial para o bicampeão mundial começar a desbancar o então líder do ranking.

Medina se mostrou muito competitivo quando surfa de frente e mantém performance semelhante quando surfa de costas, situação que deixa o desafio de surfar as ondas do Mundial ainda maior. Essa dificuldade é valorizada nas notas e o 'pateta' tem tudo para aumentar sua coleção de títulos.

70%

dos títulos mundiais foram conquistados por regulares. São 42 títulos de surfistas que usam o pé esquerdo na frente contra 12 de goofies. A vantagem é turbinada pelo maior campeão de todos os tempos, o americano Kelly Slater, regular campeão 11 vezes.

10 de 34

surfistas do Circuito Mundial de 2019 são goofies. Nesta lista, seis são brasileiros. Além de Medina, Ítalo Ferreira, Yago Dora, Jessé Mendes, Jadson André e o estreante Deivid Silva surfam com o pé direito na frente.

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