Descrição de chapéu Futebol Internacional

Janela de transferências discreta mostra que ingleses estão mais espertos

Após inflacionarem o mercado, equipes da Premier League adotam cautela em contratações

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Rory Smith
Manchester | The New York Times

Apesar das centenas de milhões de libras que circulam pela Premier League, a ficha enfim parece ter caído.

A janela de transferências de janeiro chegou e se foi, quase despercebida. Não houve uma orgia de excessos, ou uma corrida frenética para gastar o máximo de dinheiro possível. Não surgiu um novo recorde de valor de transferências, nenhuma missão urgente em helicóptero, nenhum drama noturno.

Talvez pela primeira vez, a Premier League foi um modelo de contenção e prudência. Desta vez, os clubes parecem ter pensado mais em valor do que em preço. Como um executivo da Premier League disse ao jornal The Times, de Londres, "as pessoas estavam pedindo valores absurdos por jogadores médios".

Isso não foi surpresa, é claro. Os clubes da endinheirada Premier League, com seus contratos televisivos lucrativos e seu poço de capital aparentemente sem fundo, ajudaram a criar o mercado de transferências superaquecido do futebol, e imediatamente começaram a sofrer com isso.

Na Inglaterra, os treinadores, diretores de futebol e presidentes de clubes sussurram sinistramente sobre o "imposto inglês" e afirmam que seus colegas na Europa continental costumam lhes pedir valores mais altos por seus jogadores do que fazem em contatos com clubes da Alemanha, Itália ou Espanha.

A chegada do argentino Gonzalo Higuaín ao Chelsea foi uma das poucas transferências de impacto da janela de inverno
A chegada do argentino Gonzalo Higuaín ao Chelsea foi uma das poucas transferências de impacto da janela de inverno - Glyn Kirk - 27.jan.19/AFP

Em público, os profissionais que trabalham com vendas ou recrutamento de jogadores na Europa negam essa imputação —dois diretores de futebol disseram ao The Times em 2017 que trabalham "com um só preço em mente" para um jogador, não importa qual seja a origem ou destino— mas não há muita dúvida de que, no mínimo, muitos deles veem os clubes ingleses como alvos fáceis.

Isso em parte é um elogio ao futebol da Inglaterra. De acordo com um executivo de um clube da Bundesliga, vender um jogador para um clube da Premier League é um negócio muito mais simples do que uma transferência para a Itália ou Espanha. O dinheiro é invariavelmente pago à vista, de uma vez, depositado na conta do clube vendedor assim que o negócio é concluído, em lugar de em prestações condicionadas a uma série de cláusulas.

As transferências também são muito mais palatáveis para os torcedores. Os clubes alemães recebem positivamente o interesse de equipes inglesas por seus melhores jogadores, simplesmente porque a alternativa seria vê-los contratados, de maneira assustadoramente previsível, pelo Bayern de Munique.

Mas os atrativos vão além disso. As provas são incidentais, mas mesmo assim convincentes: os clubes europeus encaram a Premier League como uma fonte fácil de dinheiro, e veem os clubes da liga como bem mais endinheirados do que inteligentes.

Há executivos, por exemplo, que contam histórias sobre conversar quanto a uma proposta com um time do continente e, assim que desligam, pedir o dobro do preço oferecido, se um clube inglês os contata.

Alguns diretores de futebol dizem que é difícil ocultar sua alegria quando um time da Premier League busca contratar um de seus jogadores, e as comemorações começam assim que o negócio é fechado por um preço vastamente inflacionado.

Há o treinador que foi informado pelo presidente de seu clube, alguns anos atrás, sobre a contratação de um atacante sul-americano alto. O presidente disse que não fazia diferença se o jogador se saísse bem em campo, porque, mesmo que não marcasse gols, "um time inglês vai nos procurar e pagar mais do que pagamos por ele, de qualquer jeito".

Portanto, muita gente verá o pequeno número de transferências, com valores modestos, e os acordos de empréstimo com opção de compra da janela de transferência de janeiro como exceção, um fenômeno cíclico, e apostará que, quando chegar o final da temporada, a Premier League voltará a despejar dinheiro no futebol europeu.

Vale a pena apontar, porém, que na janela de transferência da metade do ano passado, o movimento também caiu: embora em números brutos a queda fosse pequena (1,2 bilhão de libras ante 1,4 bilhão de libras em 2017), no contexto de um mercado mundial que sofreu distorção severa por conta do valor pago pelo Paris Saint Germain pela contratação de Neymar, a redução ainda assim foi reveladora.

Por mais improvável que pareça, é preciso considerar a possibilidade de que a Premier League tenha enfim conseguido controlar sua reação reflexa de resolver todo e qualquer problema por meio de gastos cada vez maiores, que ela tenha conseguido abandonar o consumismo e superar seu vício em transferências de valores estratosféricos.

Seria redutivo atribuir o fato a uma só causa. O provável é que ele resulte de uma confluência de fatores. Pouca gente no futebol acredita que a incerteza que atingiu a maior parte dos setores da economia britânica por conta do brexit esteja causando efeitos no esporte, mas é difícil acreditar que a fraqueza da libra diante do euro não tenha gerado cautela em pelo menos alguns clubes.

Há igualmente a suposição, na Premier League, de que o boom televisivo do futebol inglês possa ter chegado ao limite, e de que o próximo contrato de televisão talvez não gere os avanços exponenciais de faturamento a que os clubes se acostumaram. Isso também pode ter persuadido os clubes a serem mais frugais.

Se alguns clubes escolheram não gastar —o Liverpool e o Manchester City por medo de desordenar a delicada harmonia que criaram, o Manchester United porque ainda não selecionou um treinador e diretor de futebol definitivos—, outros não puderam fazê-lo.

No caso do Tottenham, que tem um novo estádio a considerar, e do Chelsea, sujeito a uma investigação da Fifa por violação de regras quanto a jogadores juvenis, as circunstâncias são especificas. Já para outros clubes, a questão é muito mais ampla.

As medidas de controle de custos estabelecidas pelos clubes da liga vinculam os aumentos na folha salarial do time ao crescimento de sua receita comercial. Que o Arsenal não tenha conseguido elevar a receita significa que não tem condição de aumentar muito seus gastos.

Nada disso, porém, explica por que todos os clubes foram tão parcimoniosos, tão estranhamente cautelosos. Mas a tendência se generalizou a ponto de indicar que houve uma mudança mais fundamental, que os clubes ingleses deixaram de suspeitar que estão sendo ludibriados e agora têm certeza disso, e estão determinados a acabar com a prática.

Alex Ferguson, ex-técnico do Manchester United, em jogo da equipe em 2013
Alex Ferguson, ex-técnico do Manchester United, em jogo da equipe em 2013 - Phil Noble - 12.may.13/Reuters

Por muitos anos, a Inglaterra foi o último baluarte de resistência à ideia de que o recrutamento de jogadores deveria ser comandado não pelo treinador do clube, mas por um diretor esportivo. A indicação de alguém para esse posto solaparia a autoridade do homem encarregado de escalar o time. Em um país que endeusou treinadores como Matt Busby, Alex Ferguson e Brian Clough, a posição do técnico deveria ser inviolável.

Isso deixou de ser verdade. Dos clubes de elite, apenas o Manchester United não conta com um diretor de futebol, mas está procurando alguém para o posto. Fora de Old Trafford, a maioria dos clubes apontou um profissional ou uma equipe para avaliar dados, compilar relatórios de "scouting" sobre possíveis contratações e "ajudar" —usemos um eufemismo— o treinador no recrutamento. A época em que um treinador podia contratar jogadores por capricho acabou.

O sistema não é perfeito, mas foi projetado para impedir que um clube precise recorrer a contratações de último minuto e apostas desesperadas. O sistema é estruturado para tornar os clubes menos perdulários e mais eficientes. O corolário é que atrai treinadores mais acostumados a trabalhar com o elenco que têm, ou que lhes foi dado, em lugar de exigir que o clube gaste dinheiro para resolver problemas que o treinador não conseguiu solucionar.

E esse é o efeito: algumas poucas transações nada espetaculares, jogadores trazidos para atender a necessidades específicas, e não para satisfazer a desejos mal explicados, ao longo de um mês que não fez por merecer a pompa e cerimônia infantis e cômicas que a Inglaterra costuma reservar para a janela de transferências.

Um janeiro chato não é causa de preocupação. Não é sinal de falta de ambição, mas um símbolo de uma liga que está se tornando um pouco mais esperta e que enfim começa a pensar com a cabeça e não com o bolso.

Tradução de Paulo Migliacci

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