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Cartola antigo, Eurico invadiu campo, enriqueceu e comprou brigas no Vasco

Dirigente vascaíno morreu nesta terça-feira (12) aos 74 anos

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Rio de Janeiro

Morto nesta terça-feira (12), Eurico Miranda era reverenciado e odiado nos corredores do Vasco da Gama. Com mais de 50 anos de carreira em São Januário, o cartola de 74 anos foi responsável por montar times históricos e ajudar nos bastidores a equipe vencer três Campeonato Brasileiros (1989, 1997 e 2000) e a LIbertadores (1998), a maior façanha internacional vascaína.

Nas vitórias, ele era celebrado como um jogador pelos fãs nas conquistas. De temperamento explosivo, Eurico também colecionou uma série de desafetos, foi xingado por vascaínos e fez fortuna neste período." "Sou destemperado na cabeça deles [os críticos]. Tem que perguntar às pessoas que recebem de mim. A figura do destemperado é porque enfrento as situações, não respeito as convenções", disse o cartola em 2000 no auge da sua popularidade.

“Sem nenhuma modéstia, sou mais competente que os outros. Por causa da minha vivência na área, sei conviver com tudo isso”, completou.

Em 1999, invadiu o gramado de São Januário aos 42 minutos do segundo tempo e encerrou a partida contra o Paraná. O jogo estava empatado em 1 a 1. Eurico protestava contra o árbitro Paulo César de Oliveira, que havia expulsado Mauro Galvão.

O dirigente gostava de dizer que vivia para defender os interesses do Vasco. Brigou com Anthony Garotinho, então governador do Rio, e com a TV Globo durante o desabamento do alambrado de São Januário na final da Taça João Havelange, o Brasileiro de 2000.

Após centenas de pessoas deixarem o estádio feridas, Eurico mandou o juiz reiniciar a partida sem parte da barreira que separava o campo dos atletas. No intervalo o jogo, Garotinho determinou o encerramento da decisão, que só foi disputada dias depois e vencida pelo Vasco.

Apesar do estilo truculento, o dirigente sabia transitar entre os poderosos. Ele era um dos articuladores do Clube dos 13 e gostava de dizer que ajudava nos bastidores o Vasco a vencer.

“Libertadores não se ganha apenas dentro do campo. Se ganha fora também. Podem entrar em campo que ninguém vai atrapalhar”, dizia Miranda aos atletas.

A popularidade no clube fez o dirigente virar político. Ele foi deputado federal por dois mandatos. Eurico dizia que só trabalhava pelo Vasco em Brasília e fazia questão de pedir voto somente aos torcedores do seu time.

Na política, liderou a bancada da bola. O cartola não acreditava na modernização do futebol brasileiro. Neste período, Eurico também viveu seu inferno astral. Ele foi devassado pela CPI do Futebol, em 2001. De acordo com o trabalho dos senadores, ele cometeu crimes de apropriação indébita do dinheiro do Vasco e falsidade ideológica por uso de conta "laranja" em desvio de recursos, além de tributos referentes às declarações de renda entre 1996 e 2000.

Eurico também acumulou bens no exterior. Ele teve uma propriedade descoberta na Flórida nos EUA. A mansão avaliada em US$ 460 mil na época foi adquirida por meio das empresas Lolo of Florida Inc. e Lolo Investments Ltd., ambas com sede no exterior.

O nome do cartola aparecia em um documento emitido em 2000. Nele, Eurico aparece como diretor-presidente da Lolo Investments Ltd, que teria sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal do Caribe.

O cartola gostava de dizer que era contra o dirigente ser remunerado.

Outra polêmica na carreira de Miranda foi um assalto na frente de sua casa após o clássico com o Flamengo, em 1997. Ao ser roubado no seu carro, ele alegou que ladrões levaram toda a renda da partida destinada ao Vasco, na época R$ 75 mil. Os criminosos nunca foram encontrados.

Ele também foi dirigente da CBF, mas abriu mão do cargo um ano depois. O vascaíno foi convidado por Ricardo Teixeira, que assumira o cargo em 1989, para ser diretor de seleções. Na curta carreira, participou da vitoriosa campanha da conquista da Copa América naquele ano. Foi o idealizador da criação da Copa do Brasil.

“Não tinha vocação para ajudar os outros clubes. Quero sempre o melhor para o Vasco. Por isso, deixei a CBF”, dizia.

Em 1998, ele firmou um dos maiores contratos do futebol brasileiro, a parceria com o Bank of America. 

Na época, Eurico ampliou o projeto olímpico. Várias estrelas do esporte brasileiro vestiram a camisa do Vasco.

Os medalhistas olímpicos Gustavo Borges, na natação, Adriana e Shelda, no vôlei de praia, e Torben Grael, no iatismo, foram alguns dos atletas famosos do clube.

Nos Jogos de Sydney, em 2000, o Vasco foi o clube que mais cedeu atletas para a delegação brasileira. No ano seguinte, a parceria foi rompida. As duas partes alegavam descumprimento do acordo.

Com dinheiro em caixa, Eurico gastava muito e não dava justificativas para o banco. Após o desentendimento, os repasses dos norte-americanos cessaram, atrasando o salários dos atletas e dando fim ao projeto olímpico.

Fumante inveterado, o dirigente gostava de charutos e não se importava em fumar ao lado dos atletas.

Eurico sempre tratava com carinho os grandes jogadores do clube, como Edmundo, Romário e Juninho Pernambucano, que prestaram homenagens a ele após a confirmação da morte. Ao longo de suas carreiras, Juninho e Edmundo criticaram a atuação do ex-presidente. 

“Ele foi um dos pouquíssimos amigos que fiz no futebol. Com certeza, sentirei falta de fumarmos um charuto juntos e dos bons papos que batíamos”, disse Romário.

O cartola também amargou derrotas históricas. O dirigente comandou o Vasco no rebaixamento de 2015. Também teve participação na queda de 2008, quando deixou o comando pouco antes do vexame.

Desde o início desta década, ele lutou contra o câncer. O primeiro foi diagnosticado no pulmão. O segundo na bexiga.

Em 2015, o dirigente ganhou uma nova eleição. Ele surpreendia os funcionários por desrespeitar as orientações dos médicos. Depois das sessões de quimioterapia, Eurico dava expediente no clube e ainda fumava charutos.

Sem prestígio para arrecadar dinheiro com patrocinadores, tentava manter o Vasco na primeira divisão do Brasileiro e controla a política do clube com mão forte.

Em janeiro do ano passado, articulou a eleição do médico Alexandre Campello para sucedê-lo. Eurico não queria que o empresário Júlio Brant, que venceu a eleição realizada pelos sócios, comandasse o clube.

Na reunião do Conselho Deliberativo, ele deu os votos do seu grupo para a chapa de Campello, que derrotou Brant. Foi a primeira vez na história centenária do clube que um dirigente eleito pelos votos dos sócios não foi confirmado pelo conselho.

Eurico ainda ficou com a presidência do órgão. Na época, ele disse que não elegeu Campello, mas derrotou Brant.

Depois disso, o cartola praticamente desapareceu da vida pública. Um câncer no cérebro foi diagnóstico logo após. Nesta terça (12), ele foi levado por familiares para um hospital na Barra da Tijuca, zona oeste, e morreu.

O Vasco decretou três dias de luto em razão da morte do dirigente. O velório, na capela de São Januário, acontecerá até as 10h desta quarta (13), aberto ao público. Em seguida, o corpo será levado para o Cemitério São João Batista, na zona sul do Rio de Janeiro, onde será sepultado. A cerimônia será restrita a familiares e amigos.

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