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Che encontrou Di Stéfano, falou de futebol e ganhou ingresso

Em 1952, líder da Revolução Cubana foi a jogo de craque argentino

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São Paulo

No início da década de 1950, se um argentino estivesse passando pela Colômbia certamente faria o possível para dar um pulo em Bogotá e ver o Millonarios jogar. Era lá que estava Alfredo Di Stéfano, desde 1949 atuando pelo clube colombiano.

Foi exatamente isso que fizeram dois conterrâneos do atacante, Ernesto e Alberto. O segundo, de sobrenome Granado, era médico e acompanhava o primeiro, de sobrenome Guevara, em uma viagem de motocicleta pela América do Sul. À época, Ernesto era apenas um estudante de medicina e ainda não havia entrado para a história como “Che”.

 

Guevara e Granado entraram na Colômbia pela cidade de Leticia, que fica na fronteira com o Brasil. Ali, a dupla chegou a comandar e jogar pelo time de uma fábrica local. Che era goleiro, única posição que permitia sua asma.

Quando chegaram a Bogotá, em 1952, queriam encontrar pessoalmente alguns dos argentinos que atuavam no Millonarios, equipe que disputava a liga pirata do país, não reconhecida pela Fifa.

Além de Di Stéfano, o também argentino Adolfo Pedernera, ídolo do River Plate, foi um dos destaques do chamado “Balé Azul”, quatro vezes campeão colombiano entre 1949 e 1953. Mas foi o futuro ídolo do Real Madrid que acabou servindo de anfitrião dos jovens viajantes.

“Foi um encontro casual, fortuito. Che tinha muito interesse em futebol. Eles tomaram um café em Bogotá e Di Stéfano deu alguns ingressos a eles, incluindo um jogo importante da carreira de Di Stéfano, um amistoso contra o Real Madrid”, conta o jornalista inglês Ian Hawkey, que pesquisou a carreira do jogador para escrever “Di Stéfano - A História Completa”, biografia do argentino publicada em inglês e espanhol.

No encontro que tiveram no restaurante Embajadores, Di Stéfano presenteou os dois com ingressos para o jogo do dia seguinte, um duelo amistoso contra o Real Madrid, além de ajudá-los a matar a saudade do mate portenho.

Longe da Argentina desde 1949, o atacante também matava a saudade de casa ao ouvir as histórias da dupla, que iniciara a célebre viagem na Buenos Aires em que Alfredo Di Stéfano nasceu.

“Di Stéfano queria ouvir sobre a Argentina. Foi um encontro entre argentinos, nada mais. Até porque Che ainda não era famoso. E Di Stéfano se sentia isolado, ainda que jogadores argentinos tenham ido com ele para a Colômbia. Eles falaram muito sobre futebol. Che, inclusive, achava que era muito bom nisso”, diz Hawkey, que por 11 anos foi correspondente do jornal “Sunday Times” em Madri e conheceu Di Stéfano pessoalmente.

Che Guevara posa para foto com o time do Madureira em 1963
Che Guevara posa para foto com o time do Madureira em 1963 - Facebook/Madureita

No confronto do dia 9 de julho, o Real Madrid saiu na frente no estádio El Campín. Roque Olsen, atacante argentino, abriu o placar para os espanhóis com 15 minutos de jogo.

A virada colombiana veio na segunda etapa. Di Stéfano deixou tudo igual no placar e Pedernera, a essa altura jogador e técnico do Millonarios, deu a vitória aos sul-americanos.

Em suas anotações, Granado elogiou a atuação dos conterrâneos, mas principalmente de Di Stéfano, campeão da Copa América de 1947 com a camisa da Argentina.

Já Guevara não aproveitou tanto o jogo. Ficou incomodado com a localização dos ingressos dados de presente pelo jogador. Em uma carta que enviou a sua mãe, Che reclamou que os assentos eram “na mais popular das tribunas. Os compatriotas são mais difíceis de roer do que ministros.”

Também se irritou com um homem que estava sentado logo atrás e torcia efusivamente para o Real. Ele, segundo o amigo Granado, gostava de assistir ao futebol em silêncio.

A partir daquele dia, Di Stéfano e Ernesto Che Guevara continuariam, de certa forma, a escrever duas das mais importantes biografias do século 20. Uma na política, a outra no futebol.

Como jogador do Real Madrid de 1953 a 1964, o atacante conquistou cinco Ligas dos Campeões e oito Campeonatos Espanhóis, marcando 418 gols em 510 partidas.

Como técnico, não teve o mesmo sucesso que construiu dentro das quatro linhas. Mesmo assim, foi campeão argentino por Boca Juniors e River Plate, além de ter comandado o Valencia em duas importantes conquistas: um Espanhol e uma Recopa Europeia. 

 

“Ele não amava o trabalho de técnico como amava jogar futebol. Talvez ele não entendesse como os jogadores não podiam fazer o que ele fazia quando era atleta. Isso acontece às vezes com quem atinge o mais alto nível”, acredita Ian Hawkey.

A curta passagem pelo comando técnico do River (1981/1982) marcou o rompimento definitivo do cordão sentimental que ligava Di Stéfano à Argentina. Seu lugar no mundo do futebol, de fato, foi o Real Madrid, onde em 2000 foi nomeado presidente de honra, cargo simbólico que ocupou até sua morte, em 2014.

“É interessante como ele terminou longe de suas raízes. Quando garoto, era apaixonado pela Argentina, começou sua carreira e tinha suas raízes lá, mas se distanciou com o passar do tempo. Apesar de nunca ter perdido o sotaque de um garoto de Buenos Aires”, completa Hawkey.

Di Stéfano
Ian Hawkey - Ebury Press, R$ 60,20 (inglês), Córner, R$ 84,50 (espanhol) - 336 páginas
 

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