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Derrubada de 180 mil árvores embasa pedido contra autódromo no Rio

Construção de circuito para receber a F-1 afetaria área da floresta do Camboatá

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São Paulo

A construção de um autódromo em Deodoro, orçado em R$ 697 milhões, pode resultar na derrubada de cerca de 180 mil das 200 mil árvores espalhadas pela floresta do Camboatá, na zona oeste do Rio de Janeiro.

A área total da floresta é de 201 hectares. Desses, 169 hectares comportam vegetação arbórea segundo relatório realizado pela Diretoria de Pesquisas Científicas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Boa parte dessa área seria afetada pela construção do circuito.

Projeto de autódromo em Deodoro derrubaria quase todas as árvores da floresta de Camboatá
Projeto de autódromo em Deodoro derrubaria quase todas as árvores da floresta de Camboatá - Reprodução

O MPF anexou o estudo que prevê a derrubada das árvores no pedido de liminar feito na última sexta-feira (17) para suspender o processo de licitação do autódromo.

Segundo Haroldo Lima, pesquisador associado do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que participou junto com outros seis pesquisadores do estudo feito a pedido do MPF, o polígono do circuito de Deodoro deverá ocupar 150 hectares da floresta do Camboatá.

A área é quase do tamanho do Parque do Ibirapuera (158 hectares), em São Paulo, e três vezes do tamanho do Jardim Botânico do Rio (50 hectares).

"Em cada hectare há uma média de 1.053 árvores. Com a construção do circuito, entre 150 mil e 180 mil árvores serão derrubadas, o equivalente a 150 campos de futebol do Maracanã", estima Lima.

"A floresta do Camboatá é de terra baixa e reúne madeiras de lei e em extinção ou risco de extinção, como pau-brasil, jacarandá-da-bahia e garapa", completa o pesquisador.

Segundo o projeto assinado pelo arquiteto alemão Hermann Tilke –autor dos desenhos de circuitos como os de Xangai, na China, e Sepang, na Malásia, ambos atualmente recebem GPs de F-1–, a pista terá 5.835 m de extensão, com capacidade para receber público de 130 mil pessoas.

O projeto para construir o autódromo e levar o GP Brasil de F-1 para o Rio de Janeiro tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, que assinou no dia 8 de maio um termo de cooperação para que o evento seja realizado na cidade.

"O autódromo [no Rio de Janeiro] será construído em seis, sete meses após o início das obras. De modo que, por ocasião da F-1 do ano que vem, ela será no Rio", afirmou.

A categoria, porém, tem contrato com a Prefeitura de São Paulo para realizar o evento na capital paulista até 2020 –a própria concessionária admite que luta para que a F-1 vá para o Rio só em 2021.

Local escolhido para o autódromo no Rio, a floresta do Camboatá é o único ponto de grande porte remanescente de Mata Atlântica em área plana no Rio de Janeiro.

O primeiro relatório do instituto Jardim Botânico, feito em 2012, aponta que foram inventariadas no local 125 espécies vegetais, dentre as quais 77 árvores, 18 arbustos, 12 ervas e 18 trepadeiras.

Os pesquisadores, a partir de 2012, não tiveram acesso ao local que pertencia ao Centro de Instruções de Operações Especiais do Exército e foi doado para o Ministério do Esporte. Em junho daquele ano, um estudante da Escola de Sargentos morreu e dez pessoas ficaram feridas após explosão de um dispositivo militar. A partir de 2013 foi realizado uma limpeza no local que retirou cerca de quatro mil artefatos.

O relatório do Jardim Botânico do Rio de Janeiro também destaca o impacto positivo da floresta na qualidade de vida dos moradores da região de Deodoro.

"[A presença da floresta do Camboatá é] importante pela manutenção não somente da vegetação, mas de pequenas aves, répteis e mamíferos silvestres que normalmente vivem por ali", destaca o estudo.

Os riscos da supressão de espécies após a derrubada da área verde foram apresentados ao procurador Renato Machado por membros do Conselho Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (Consemac).

"É uma loucura destruir o único ponto remanescente de grande porte de Mata Atlântica em área plana no Rio de Janeiro para construir um autódromo. É uma região com uma flora tão rica que o Jardim Botânico explorava para fazer pesquisas, coletar sementes e produzir mudas", disse o ambientalista Abílio Tozini, membro do Consemac.

 

Mesmo após o MPF mover ação civil pública para tentar adiar o processo de licitação, a Prefeitura do Rio de Janeiro acelerou a concorrência.

O certame foi realizado na manhã da última segunda-feira (20) e, no fim da tarde, o consórcio Rio Motorsports foi anunciado como vencedor da concorrência para construção e exploração do autódromo por 35 anos –ele foi o único a apresentar proposta.

O procurador Renato Machado reclama que, no aviso do processo de licitação, publicado no Diário Oficial do município no último dia 10, não está previsto que os candidatos apresentem estudos ambientais e nem comprovem experiência técnica no manejo ambiental.

"A última minuta do edital exige que a empresa apresente suas experiências técnicas para construção de pista e não inclui nenhuma responsabilidade ambiental. A prefeitura entrega, apesar de restrições do código florestal, o local sem um parecer que sirva de base para o INEA (Instituto Estadual do Ambiente) conduzir o licenciamento ambiental", disse Machado à Folha.

A prefeitura do Rio, através de sua assessoria de imprensa, disse que o momento de solicitar as autorizações ambientais está programado para depois da oficialização da escolha da empresa e antes de o contrato final ser assinado.

Em nota, a assessoria de imprensa do consórcio Rio Motorsports se disse surpresa com o pedido de suspensão da licitação pelo MPF.

"Haverá um momento próprio para avaliação e aprovação técnica da licença ambiental para a construção do autódromo. A continuidade do certame, neste momento, não traz qualquer prejuízo ao meio ambiente nem impede o andamento normal de exame dos requisitos ambientais no momento apropriado", afirmou a concessionária.

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