O caso de acusação de estupro que recai agora sobre Neymar é emblemático de um amadurecimento do feminismo do século 21.
O caso desvia da rota principal que o feminismo vinha seguindo nos últimos anos, a da internet, sendo o seu ponto alto e de mais visibilidade o movimento americano na indústria do cinema #MeToo.
Com a liberdade de discursos possível na ágora online, mulheres tomaram coragem para jogar luz em suas histórias de abusos e assédios. O contato com assuntos antes tabus e rodeados de medo e vergonha começou a despertar consciências.
Muitas acusações de abusos e assédios, porém, foram feitas em redes sociais, vidas foram expostas, homens foram julgados pelo tribunal da internet e sofreram linchamentos virtuais e reais sem provas, sem passar pelo crivo da lei.
Najila, por sua vez, não criou uma hashtag ou convocou outras mulheres a exporem suas experiências sexuais ruins, desastrosas ou criminosas. Ela levou a situação com Neymar à polícia.
A mulher que atravessou um oceano porque queria sim —como ela mesma disse em entrevista na TV— fazer sexo com o jogador prestou queixa porque no fim das contas foi obrigada, segundo ela, a fazer sexo sem preservativo, e se dispõe a provar seu lado da história. Em vez de jogar para a torcida, ela se põe à prova.
Essa atitude demonstra um amadurecimento de um feminismo que estava preso à internet, tacando pessoas em fogueiras virtuais, correndo às margens da Justiça e com suas próprias leis (e ausência delas), de um feminismo que queria lacrar, expor pessoas, expor-se, mas, juvenil, queria julgar e não ser julgado, um feminismo de palavras americanizadas e muitas vezes vazias como empoderamento.
Que uma mulher apareça em horário nobre na TV brasileira afirmando que ser forçada ao coito sem preservativo é estupro ainda que sua intenção inicial fosse fazer sexo é um ganho real de consciência das mulheres sobre direitos, independentemente de sabermos se o que Najila narra aconteceu ou não.
Ver o caso pelo ângulo dessas importantes mudanças de práticas e paradigmas é mais importante do que vê-lo como ameaça à carreira de Neymar.
Preocupar-se com o impacto da acusação na vida do jogador, como aparece na questão colocada por Roberto Cabrini na entrevista em questão, não é função de Najila e nem deveria impedi-la de seguir com o que acha que é certo. A preocupação que tire o sono de Neymar e de seus advogados.
Para a sociedade brasileira, ainda acostumada a dar tapinhas nas costas de homens acusados de ultrapassar a linha do consentimento, como vimos nos urros da torcida no Mané Garrincha na quarta (5), resta a reflexão sobre os direitos da mulher ao seu corpo, ao seu desejo e o respeito a suas escolhas.
Úrsula Passos é editora-assistente de Cultura da Folha e mestre em filosofia pela USP.
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