Ex-presidente da Gaviões descobriu ser filho de ídolo do Palmeiras

César Maluco é pai de Jamelão, que presidiu a organizada do Corinthians

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São Paulo

César Augusto da Silva Lemos, o César Maluco, segundo maior artilheiro da história do Palmeiras, chegou ressabiado à sede da Gaviões da Fiel. Era pré-Carnaval de 1999 e a escola de samba da torcida organizada seria campeã do desfile paulistano (ao lado da Vai-Vai) pela segunda vez em sua história poucas semanas depois.

Ele ainda olhou para trás, preocupado. Recebeu incentivo para ir adiante. Quando estava prestes a entrar, foi barrado. O porteiro não disse nada, mas o reconheceu e fez uma cara de “o que você está fazendo aqui?”

“Ei! Pode deixar entrar. É o meu pai”, veio de trás a voz conhecida por todos na torcida.

Na semana anterior ao 50o aniversário da maior organizada corintiana (que acontece nesta segunda, 1º), César, 74, se divertiu em contar essa história para a Folha. Quase ninguém sabia, mas o seu filho era Paulo Eduardo Romano, o Jamelão, um dos presidentes mais importantes da história da Gaviões da Fiel.

Ídolo do Palmeiras, César Maluco posa com a nora Sandra Deungaro e o neto Kauê Deungaro
Ídolo do Palmeiras, César Maluco posa com a nora Sandra Deungaro e o neto Kauê Deungaro - Eduardo Knapp/Folhapress

Jamelão morreu em julho de 2012, vítima de gripe suína, 12 dias depois de o Corinthians conquistar pela primeira vez o título da Libertadores.

O responsável pela descoberta de que o artilheiro do Palmeiras era pai do torcedor histórico do Corinthians foi Kauê Deungaro Romano, 21, filho de Jamelão e neto de César.

Sandra Deungaro, viúva do presidente da organizada, estava grávida e resolveu sair da zona sul de São Paulo, onde a família mora até hoje, para ir a uma cartomante no litoral do estado. Queria saber se a vidente poderia antecipar a ela o sexo do bebê. Não era a maneira mais científica de descobrir aquela informação, mas resolveu fazer a consulta mesmo assim. O pai da criança a acompanhou.

“Assim que a gente entrou, a cartomante olhou para o Jamelão e falou: ‘você sabe que é adotado, né?’. Ele disse que não sabia e ela completou garantindo que o pai biológico estava no mundo do futebol”, lembra Sandra.

A mãe adotiva de Jamelão alega ter mencionado o fato quando ele era criança, diz a viúva. Mas o choque foi tão grande que o futuro integrante da Gaviões, organizada que se filiou aos 15 anos, bloqueou a informação e a esqueceu. Foi como se não tivesse acontecido. Questionada pelo filho em 1997, após a declaração da cartomante, ela confirmou: sim, a adoção havia acontecido.

Jamelão tinha sido abandonado no hospital logo após nascer, em 1971. Conseguiu descobrir que a mãe biológica morava em Jaú (297 km em São Paulo). Obteve o endereço da família com pesquisa na lista telefônica. Foi até lá e bateu na porta. Quem a abriu foi um rapaz com a camisa da Mancha Alviverde, a principal organizada do Palmeiras.

“Jamelão? O que você está fazendo na minha casa?”, se assustou aquele que na verdade era seu irmão.

A mãe biológica do presidente da Gaviões havia morrido dois anos antes, vítima de câncer. Restava tentar encontrar o pai.

“O Jamelão no fundo ficou com uma mágoa muito grande por ter sido entregue para adoção no hospital, mas sua mãe biológica anos depois casou, teve outro filho e o criou. Então sempre ficou na cabeça aquele pensamento: por que ele foi abandonado?”, questiona Sandra.

Uma tia que até então ele não conhecia o ajudou. Puxou de memória, pela convivência nos anos 1970 com a mãe, alguns nomes que poderiam ser o pai. Um deles o fez gelar: José Mansur. O vice-presidente de futebol do Corinthians nos anos 90 era um dos alvos preferidos das reclamações da Gaviões. A organizada já havia feito até um enterro simbólico do dirigente. Protestos em que a face mais visível e articuladora de tudo era a de Jamelão.

“Ele ficava repetindo: só falta o Mansur ser o meu pai!”, relembra a viúva.

O único jeito foi pedir uma reunião com o cartola, que ficou preocupado. Imaginava que viria pela frente alguma demanda da torcida. Ao ouvir a história de Jamelão, Mansur ficou em silêncio por algum tempo, mas logo percebeu a semelhança física.

“Pode ir atrás. Seu pai é o César”, disse.

“César? Que César?”, ficou em dúvida Jamelão.

“Seu pai é o César Maluco.”

Autor de 182 gols pelo Palmeiras, o atacante foi um dos jogadores mais importantes da história do maior rival do Corinthians. É até hoje o sétimo maior artilheiro do clássico entre as duas equipes (13 gols).

Irreverente, desbocado e, como o próprio nome sugere, um pouco maluco, foi o camisa 9 da equipe do Palestra Itália entre 1968 e 1974. Fez parte do que ficou conhecido como a “segunda Academia”, um dos melhores times da história alviverde.

Como jogador, foi campeão pelo Palmeiras do Brasileiro em 1967, 1969, 1972 e 1973 e do Paulista em 1972 e 1974. Esta última, derrota traumática para o Corinthians, que vivia fila de títulos de 20 anos. Esteve com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha.

Jamelão ficou receoso da reação que o pai teria, mas estava determinado a conhecê-lo. Quem lhe passou o contato do ídolo palmeirense foi Basílio, autor do gol do título paulista do Corinthians em 1977. Sandra e seus pais, Antonio e Olimpia Deungaro, bateram à porta de César. Ele não estava em casa. Avisado, chegou logo depois para ouvir toda a história.

“É corintiano?”, perguntou.

“É o presidente da Gaviões”, respondeu Sandra.

Foram poucos segundos de silêncio.

“Tudo bem. Quero conhecê-lo.”

Jamelão e César Maluco se encontraram pela primeira vez em um dia de jogo do Corinthians.

“Eu não queria saber de nada. Era meu filho. Pronto. Era o bastante. Era o filho que eu sempre quis ter”, diz César, que até a visita de Sandra sabia ser pai de três mulheres: Marluce, Mariana e Maíra.

César Maluco com sua família no Jardim Alzira, zona leste de São Paulo
César Maluco com sua família no Jardim Alzira, zona leste de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Por problemas políticos da organizada e de saúde, Jamelão se afastou aos poucos da cúpula da Gaviões. Encontrou no pai, artilheiro palmeirense, uma companhia. César logo percebeu que o filho tinha carisma, era capaz de fazer as pessoas gostarem dele. O problema é que desaparecia de tempos em tempos, mesmo que o pai o tenha contratado. Trabalharam juntos em uma concessionária da Mercedes em São Paulo.

“Ele vendia bem, mas dava uns perdidos. Sumia. Tenho muitos amigos e às vezes alguém me ligava para dizer no que ele andava se metendo. Se havia alguma fita errada em que estava envolvido. Eu ligava para ele e dizia para confiar em mim. Falava para me contar qualquer problema que tivesse porque eu era pai, irmão e amigo dele”, afirma César Maluco.

Jamelão ganhou poder na Gaviões no grupo que ficou conhecido como “três gordões”, ao lado de Metaleiro e Pantcho. Foi presidente de 1995 a 1997. No primeiro ano no cargo, gastou R$ 40 mil em fogos de artifício para levar a Ribeirão Preto, onde Corinthians e Palmeiras decidiriam o Paulista. Ganhou status quase mitológico na organizada em 1996, no incidente que por pouco não resultou em tragédia no aeroporto Mariscal Sucre, em Quito, capital do Equador.

Jamelão, à direita com camiseta da Gaviões da Fiel, em confraternização das torcidas organizadas de São Paulo
Jamelão, à direita com camiseta da Gaviões da Fiel, em confraternização das torcidas organizadas de São Paulo - Marcos Issa/Folhapress

O Corinthians voltava para o Brasil após vencer o Espoli, por 3 a 1, pela Libertadores. O piloto tentou abortar a decolagem, mas o avião derrapou na pista molhada, se chocou com o muro do aeroporto e quase caiu numa avenida próxima. Vazou combustível e havia risco de explosão. Jamelão foi o último a deixar a aeronave e ajudou todos a saírem. Inclusive o presidente do clube, Alberto Dualib.

Pai e filho conviveram até 2012. Jamelão voltou da Argentina, onde viu o primeiro jogo da final da Libertadores, entre Corinthians e Boca Juniors, se queixando de dores no corpo e forte gripe. Internado dias mais tarde, teve diagnosticada gripe suína. Uma infecção que se espalhou pelo organismo o matou.

“Não tinha importância nenhuma para mim ele torcer para o Corinthians. Eu sei que no início era difícil porque de repente apareceu um pai na vida dele. Eu fiquei feliz da vida por ele ser meu filho”, diz César.

O velório foi realizado no cemitério do Araçá, zona central de São Paulo. Com centenas de integrantes da Gaviões no local, o pai chegou para ver o filho pela última vez. Os componentes da torcida trocaram olhares, sem entenderem nada. Tinham a mesma expressão do porteiro da quadra da organizada na primeira visita de César Maluco. O que ele estava fazendo ali?

Poucos sabiam e começaram a espalhar a notícia.

“Fica quieto. É o pai do Jamelão.”

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