Descrição de chapéu The New York Times

Depois de dois atletas morrerem, boxe examina seus riscos

Maxim Dadashev e Hugo Santillán faleceram em um intervalo de dois dias

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Scott Cacciola
Scottsdale (EUA) | The New York Times

Pat English, um advogado com elos duradouros e influentes com o boxe, estava ensinando uma lição de história sobre diversas diretrizes federais sobre o esporte quando mostrou uma foto em branco e preto de um jovem lutador.

O nome do boxeador era Stephan Johnson, um médio-ligeiro que havia lutado três vezes (e sustentado pelo menos uma lesão cerebral) nos sete meses que antecederam sua disputa do título da United States Boxing Association contra Paul Vaden, em 1999. Johnson havia sofrido uma suspensão médica que algumas comissões locais de boxe não reconheciam e, a despeito das objeções de seu treinador, estava ansioso por voltar ao ringue, para ganhar dinheiro e poder pagar pela mudança de sua mãe, que morava em um conjunto residencial público.

 

Johnson perdeu a luta e a vida. Nocauteado no décimo assalto, ele foi levado urgentemente ao hospital, onde os cirurgiões perfuraram dois buracos em seu crânio. Ele morreu duas semanas mais tarde, aos 31 anos.

Maxim Dadashev golpeia Antonio de Marco durante luta em outubro de 2008
Maxim Dadashev golpeia Antonio de Marco durante luta em outubro de 2008. Dadashev morreu em 23 de julho depois de uma luta - Steve Marcus - 20.out.2018 / AFP

English, que assistiu àquela luta, recordou alguns dos detalhes na semana passada, ao falar em uma reunião de pessoas que regulam o esporte e estão tentando lidar com novas tragédias, que parecem muito familiares.

Dois boxeadores morreram em intervalo de poucos dias no mês passado, depois de sofrerem lesões cerebrais no ringue: o russo Maxim Dadashev, 28, morreu em 23 de julho depois de uma luta de meios-médios ligeiros em Maryland. O argentino Hugo Alfredo Santillán, 23, morreu em 25 de julho depois de desabar no final de uma luta de pesos leves em Buenos Aires. A luta havia terminado em empate.

 

As mortes deles definiram as conversas durante a reunião anual da Associação de Comissões de Boxe (ABC), na qual os diretores de comissões estaduais e tribais examinam as normas centrais do boxe e outros esportes de combate que eles fiscalizam em nível local. Eles falaram sobre exames antidoping, protocolos para concussões e até mesmo decoro na mídia social para os árbitros (a mensagem básica nesse sentido era: não tuíte nada idiota). Mas a discussão retornou diversas vezes a uma ideia básica: o boxe é inerentemente perigoso, e os lutadores dependem das regras para prevenir as piores lesões possíveis.

“Às vezes questiono por que ganho a vida com isso”, disse Mike Mazzulli, que está encerrando seu mandato como presidente da ABC, em entrevista por telefone depois da reunião em Scottsdale. “Mas se eu não fizer, ninguém fará.”

Os dirigentes e outras pessoas do esporte continuam em busca de respostas.

O boxeador argentino Hugo Santillán, morto em 25 de julho de 2019 após sofrer uma parada cardiorrespiratória ao final de uma luta
O boxeador argentino Hugo Santillán, morto em 25 de julho de 2019 após sofrer uma parada cardiorrespiratória ao final de uma luta - Conselho Mundial de Boxe

“Vivemos um momento em que todos precisamos voltar à prancheta de desenho e compreender o que está acontecendo”, disse Mauricio Sulaiman, presidente do Conselho Mundial de Boxe (CMB), em discurso na reunião. “Porque há algo acontecendo.”

 

Sulaiman, cuja organização autorizou a luta fatal de Santillán, prosseguiu: “Qualquer boxeador que suba ao ringue está disposto a fazer todo o necessário a vencer –o que quer que ele precise fazer para ter sucesso e ganhar dinheiro para sua família. Se você pedir que lute 20 assaltos, ele o fará. São guerreiros. Nosso dever é protegê-los deles mesmos.”

 

Essa é uma demanda considerável, para as pessoas a quem Sulaiman estava falando. Boxe não é sinônimo de saúde e segurança.

“Algumas pessoas vão se machucar, algumas pessoas vão morrer”, disse o médico Michael Schwartz, copresidente do comitê consultivo médico da ABC, ao falar sobre a responsabilidade profissional de praticar a medicina nos ringues. “Mas estamos aqui para fazer tudo que pudermos a fim de minimizar esses riscos.”

Uma área em que o esporte pode melhorar, dizem as autoridades regulatórias, é fiscalizar quanto peso os boxeadores perdem antes de suas lutas.

Andre Ward, ex-campeão mundial da categoria meio-pesado, que combateu pela última vez em 2017, disse no dia em que Santillán morreu que era essencial fiscalizar melhor a perda rápida de peso logo anterior aos combates –e a desidratação resultante.

“A falta de fluido em torno do cérebro aumenta o risco de um sangramento cerebral”, tuitou Ward.
Porque a pesagem tipicamente acontece no dia anterior à luta, os boxeadores passam cerca de 24 horas recuperando o máximo possível de peso. Mas seus corpos não são capazes de absorver fluidos novamente em um período tão curto, o que em muitos casos os deixa desidratados –condição que pode danificar órgãos vitais e deixar o cérebro menos protegido do que usualmente.

O CMB introduziu um programa piloto este ano que pedia mais pesagens nos dias e semanas anteriores a uma luta, e uma pesagem final no dia do combate, para avaliar quantos quilos cada boxeador estava ganhando literalmente no último minuto.

Andy Foster, diretor executivo da Comissão Atlética Estadual da Califórnia, vem mapeando as flutuações de peso dos boxeadores de seu estado. Suas constatações: dos 1.594 boxeadores estudados em um período de três anos até 2018, 306 haviam ganhado mais de 10% de seu peso total nas cerca de 24 horas anteriores a uma luta.

Foster meneou a cabeça ao revelar essa informação, e disse supor que ignorar as conclusões seria mais fácil do que agir.

“Mas não quero facilitar”, ele disse. “Agora tenho essa informação, e temos de fazer alguma coisa com ela.”

Foster disse que começaria a cancelar mais lutas. Ganho de peso de 15% ou mais? Luta cancelada. Ele disse que a comissão californiana havia pedido que ele redigisse uma cláusula para esse fim, a ser votada em outubro. Foster admitiu que cancelar uma luta seria extremamente difícil.

“O organizador vai pressionar, e há 18 mil espectadores olhando para sua cara”, ele disse. “Mas não é que eu ache que essa situação é perigosa: tenho certeza de que é."

Schwartz enfatizou a severidade do problema no boxe. Em geral, ele disse, perdas de peso até inferiores a 10% podem ser fatais.

“No mundo real, estamos falando de probabilidade de morte com perdas de 5% a 7%”, por causa da desidratação, disse Schwartz, contrastando esse número com a perda de peso de até 15% que alguns boxeadores buscam.

Ele recorda ter visto documentos sobre uma recente luta em Connecticut. Um boxeador que lutaria dali a um mês passou por um exame físico que apontou seu peso como 97 quilos. Ele deveria lutar com 84 quilos.

“Se sabemos disso com antecedência, por que permitir que ele lute nessa categoria de peso?”, questionou Schwartz.

Uma das grandes críticas dos torcedores depois da luta de Santillán foi que demorou muito para que ele recebesse atendimento médico. Ele desabou no ringue depois de enfrentar minutos de dificuldade para se manter em pé, enquanto a decisão por pontos era calculada.

O boxe luta há muito com o fato de que diversos de seus eventos são administrados localmente, o que resulta em lapsos de comunicação e diferenças nas regras. A ABC tentou resolver alguns desses problemas, em parte por meio de uma parceria com o banco de dados de estatísticas de boxe BoxRec. Mazzulli disse que o número de boxeadores que combatem quando suspensos, como aconteceu com Johnson em 1999, caiu drasticamente nos últimos anos, para menos de 1%.

Perto do final da convenção, Mazzulli queria falar da morte de Dadashev em Maryland. De seu ponto de vista, ele disse, era difícil ver o que alguém pode ter feito de errado durante a luta em si. O assistente de Dadashev, Buddy McGirt, chegou a entrar no ringue para parar a luta quando ficou claro para ele que seu lutador estava sendo punido demais.

Assim, perguntou Mazzulli, o esporte será capaz de aprender com essa dupla tragédia? E para onde ir, agora?

Schwartz disse que poder recolher mais informações antes das lutas seria útil.

“Não sabemos o que acontece nos treinos”, ele disse, falando sobre boxeadores em geral. "Não sabemos quanto peso o boxeador perdeu. Não sabemos se sofreu uma concussão no treino. Essa provavelmente é a parte mais difícil do trabalho de vocês: como obter essa informação? Como levar boxeadores, treinadores e assistentes a dizer a verdade?”.


The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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