EUA têm desafio de popularizar liga após título na Copa feminina

Algumas equipes têm públicos superiores a pouco mais de 1.000 torcedores

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Kevin Draper
Nova Jersey | The New York Times

Os 5.003 torcedores do Sky Blue FC torceram desesperadamente por um gol de empate nos minutos finais da partida contra o Washington Spirit, na semana passada, na esperança de que Carli Lloyd ou alguma de suas colegas de equipe marcasse. Mas o gol não saiu e a derrota por 1 a 0 selou a posição do Sky Blue como último colocado na tabela de classificação da National Women’s Soccer League (NWSL), a liga de futebol feminino profissional dos Estados Unidos.

Por mais decepcionante que o resultado tenha sido para o time da casa, o mais importante para o futuro do Blue Sky e da liga foi que a torcida lotou o Yurcke Field, o estádio que o time ocupa no campus da Universidade Rutgers, e em uma partida de meio de semana.

"Era perceptível", disse a zagueira Estelle Johnson, que estava jogando seu primeiro jogo pelo Sky Blue desde que representou Camarões na Copa do Mundo da França. "Creio que as pessoas vieram para mostrar seu apoio, e esperamos que continuem a fazê-lo".

Com camisas da seleção, jovens assistem a um jogo da liga feminina de futebol dos Estados Unidos
Com camisas da seleção, jovens assistem a um jogo da liga feminina de futebol dos Estados Unidos - Kena Betancur/AFP

Johnson, Lloyd e outras jogadoras dos dois times que participaram da Copa do Mundo foram homenageadas em campo depois do jogo. Centenas de fãs gritavam por autógrafos, em sua maioria crianças vestindo camisas de times locais de futebol. Entre os adultos, muita gente vestia roupas associadas à seleção nacional.

Mas camisas do Sky Blue eram raras, o que ilustra tanto a esperança de que milhões de torcedores que assistiram à vitória da seleção feminina americana na Copa do Mundo possam ser persuadidos a se tornar torcedores de seus times locais da NWSL quanto a realidade de que realizar esse sonho continua muito distante.

É claro que o futebol profissional feminino já passou por isso antes. "Já vencemos múltiplas Copas do Mundo, a essa altura, e tivemos diversas gerações de ligas profissionais", disse Amanda Duffy, presidente da NWSL. "Creio que todo mundo compreende o ciclo e o fluxo de interesse que surge".

O ciclo de interesse viu o público do Sky Blue triplicar depois do retorno das estrelas da Copa este mês; o público médio do time era de menos de 1.5000 torcedores, antes do torneio. O ganho de visibilidade das jogadoras significou benefícios semelhantes para outros dos nove clubes que formam a NWSL, metade dos quais bateram novos recordes de público nas duas últimas semanas. E isso resultou em um novo e lucrativo acordo de patrocínio com a Budweiser e em um contrato nacional de transmissão televisiva com a ESPN.

Mas também foi um lembrete de que essas coisas não existiam quando a temporada começou, em abril, e que podem facilmente desaparecer caso a liga não se estabilize e cresça. A principal barreira ao maior comparecimento de torcedores e a que eles acompanhem os jogos pela TV talvez não seja a falta de interesse, e sim o fato de que muita gente nem sabe que a liga existe.

"Creio que a NWSL deveria ter antecipado melhor o nosso sucesso", disse Alex Morgan, estrela da seleção americana que defende o Orlando Pride. "Mas ao mesmo tempo acho que diversas coisas estão sendo preparadas agora, para a contratação de pessoas capazes de comercializar melhor a liga".

A NWSL teve tempo para aprender algumas lições. Mas embora esteja em seu sétimo ano –as duas ligas anteriores de futebol feminino profissional dos Estados Unidos encerraram as atividades depois de apenas três temporadas–, jamais estabeleceu uma posição firme. Três clubes fecharam as portas ou deixaram a liga (dois foram substituídos), e Duffy é a terceira pessoa a assumir o comando da organização. As condições de vida e trabalho das jogadoras são bem menos que profissionais em alguns casos, especialmente no do Blue Sky, e muitas das jogadoras da liga ainda precisam manter segundos empregos para cobrir suas despesas.

"Eu às vezes acho que submetemos as ligas femininas a padrões rigorosos demais, no sentido de que o sucesso não pode acontecer do dia para a noite", disse Jennifer O'Sullivan, que foi presidente-executiva da Women's Professional Soccer, uma liga que fracassou em 2002.

"É uma jogada em longo prazo. Não se trata de algo que vá acontecer em três anos, quatro anos, cinco anos", acrescentou O'Sullivan, hoje sócia do escritório de advocacia e lobby Arent Fox, em Washington.

Para que a jogada em longo prazo tenha sucesso, de acordo com pessoas que trabalham na liga e a acompanham, a NWSL precisa encontrar grupos de proprietários dispostos a encarar prejuízos, mas existem debates em curso sobre como esses grupos deveriam ser estruturados. Cinco clubes da NWSL têm afiliações com times profissionais masculinos, no momento –quatro com times da Major League Soccer (MLS), a principal liga de futebol masculino)– e os demais quatro são independentes.

A afiliação a clubes masculinos dá aos times da NWSL acesso a mais recursos, mas há temores de que um grupo de propriedade que controle um clube masculino e um feminino priorize sempre os homens. Por outro lado, o Portland Thorns, um modelo de sucesso no esporte feminino, tem público médio de 20.000 torcedores por partida, e o Utah Royals tem público médio de 11.000 torcedores, e os dois são controlados por grupos de proprietários que também controlam times masculinos. Ao mesmo tempo, o Sky Blue e o Spirit, ambos independentes, são dois dos times mais problemáticos da NWSL.

"As jogadoras da NWSL querem grupos de propriedade que se importem muito com elas e que as ouçam", disse Yael Averbuch, diretora executiva da união de jogadoras que acaba de ser criada na liga. "Isso pode ocorrer em ambientes ligados a outros clubes da MSL ou em ambientes sem eles".

As realidades do posto de Averbuch demonstram os desafios que a NWSL enfrenta. As jogadoras da seleção nacional americana que jogam na liga não são pagas pelos clubes, mas pela Federação de Futebol dos Estados Unidos, sob um contrato coletivo separado. (As federações de futebol do México e Canadá também ajudam a sustentar a liga financeiramente.) As demais jogadoras da NWSL, que ganham entre US$ 16.538 e US$ 46.200 por temporada (aproximadamente entre R$ 63.000 e R$ 177.000), são representadas por uma união, mas não conduziram negociações coletivas com a liga. Por escolha.

"Sentimos que isso seria prejudicial para a liga, inicialmente, e por isso chegamos a acordo com ela para postergar a negociação", disse Averbuch. O medo dela era que a organização –que tem falta de pessoal e terceirizou algumas funções para a federação– não estivesse equipada para comandar o dia a dia da liga e para conduzir negociações de longo prazo com as jogadoras ao mesmo tempo, especialmente enquanto prossegue uma disputa já longa com a seleção nacional quanto a pagamento. Averbuch considera que negociações entre sua união e a liga, provavelmente centradas em salários e benefícios, devem acontecer no "futuro próximo".

`Capitã do Sky Blue, Carli Lloyd (à dir.) acabou de ser campeã do mundo com a seleção americana
`Capitã do Sky Blue, Carli Lloyd (à dir.) acabou de ser campeã do mundo com a seleção americana - Kena Betancur/AFP

Enquanto isso, Duffy está trabalhando para transformar o interesse despertado pela Copa do Mundo em ganhos mais duradouros. Ela se disse "otimista" quanto a obter novos patrocínios nacionais, e que já estava em busca de um contato televisivo de longo prazo. Embora o acordo com a ESPN seja melhor que nada, dura apenas até o final do campeonato deste ano, em outubro, não paga direitos à liga e oferece transmissão da maioria das partidas apenas por um canal de segunda linha, o ESPNews.

"Não consideramos que esse acordo represente um precedente; as circunstâncias o ditaram", disse Duffy, acrescentando que estava feliz com os termos, em geral. Ela disse que a liga estava trabalhando para adicionar um décimo time, e que antecipava que este comece na próxima temporada.

Os Estados Unidos estão há décadas na vanguarda do futebol feminino, e a NWSL continua a ser a melhor liga de futebol feminino do planeta, em termos gerais. Mas agora ela tem concorrência real.

A Copa do Mundo gerou audiência recorde para o futebol feminino em alguns países, entre os quais Inglaterra, França, Itália, Alemanha e Holanda. Sete equipes europeias chegaram às quartas de final por conta da força crescente de suas ligas nacionais. A Itália estava na Copa pela primeira vez desde 1999. A Holanda estava jogando sua segunda Copa, e já chegou à final.

Com o anúncio pelo Real Madrid (ESP) de que adquiriu um time feminino e de que este começará a jogar com seu nome já nesta temporada, quase todos os mais populares clubes masculinos europeus agora operam times femininos. São clubes que já têm torcida no mundo todo e podem oferecer algo que a NWSL não tem –a mesma coisa que vêm atraindo jogadores homens há duas décadas: uma oportunidade de jogar a Champions League.

Jogadoras como Morgan, que defendeu o Olympique Lyonnais da França por empréstimo em 2017, aplaudem o crescimento na Europa mas também dizem que esperam que esse avanço não prejudique a NWSL.

"Queremos que todas as ligas continuem a prosperar, e minha esperança é de que a NWSL continue a aproveitar a tendência e a elevar salários e manter a competitividade com outras ligas", ela disse.

Tradução de Paulo Migliacci

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