Paulista alternativo reúne times que já foram profissionais

Mogi Mirim e Barueri disputam competição fora da Federação Paulista de Futebol

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Real Cubatense e Indepednente entram em campo para partida da São Paulo em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo

Real Cubatense e Indepednente entram em campo para partida da São Paulo em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Atrás no placar, o técnico do Independente, Felipe Esteves, reuniu os jogadores na parada técnica para dar bronca.

“Vocês são profissionais ou não são?”, grita.

A resposta que ele esperava era “sim”, mas quem olhasse em volta, poderia duvidar. A grama sintética já gasta, a quase ausência de público, a não ser alguns familiares de jogadores, e a improvisação aparecem na São Paulo Cup. O torneio reúne times que estão afastados da Federação Paulista de Futebol por falta de dinheiro.

“Essa competição é para clubes que não têm como pagar as taxas da Federação. Aqui eu que custeio. Tudo sou eu. A gente faz isso para manter os jogadores em atividade e o clube vivo. É para ter calendário”, afirma Solito Alves, presidente do Real Cubatense, equipe que goleou o Independente por 5 a 0 na última sexta (2).

O jogo foi em espaço cedido pela subprefeitura de Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo. Deveria ter sido em outro local, mas o cessionário do campo localizado no Parque Buturussu, que também pertence ao Poder Municipal, usado pelo Real Cubatense, foi viajar e o deixou trancado com cadeado. A atitude enfureceu Alves.

A água para os elencos fica em galões de dez litros. O gramado parece pequeno para dois times com 11 jogadores cada, mas ninguém reclama. Na cabeça dos atletas de até 23 anos, idade limite para o torneio, eles são profissionais.

Quem olhar a tabela da São Paulo Cup, torneio organizado pela Global Scouting Football, empresa de agenciamento e marketing esportivo, vai encontrar clubes conhecidos por quem acompanha o futebol paulista.

Entre os 12 participantes, estão Mogi Mirim, Grêmio Barueri, ECUS de Suzano, Lençoense e Jaboticabal. Agremiações que até alguns anos atrás disputavam torneios oficiais da federação estadual e da CBF.

O Mogi Mirim disputou a semifinal do Campeonato Paulista da Série A1 em 2013. Foi eliminado apenas nos pênaltis pelo Santos que tinha Neymar no ataque. O Grêmio Barueri jogou a elite do Campeonato Brasileiro em 2009.

“O objetivo maior da competição é dar calendário para essas equipes. Fazer com que elas disputem um torneio e possam se manter em atividade”, afirma Samuel Este, responsável pela organização da Copa e dono da Global Scouting.

Os clubes tentam fazer os jogadores acreditarem que é para valer. É provável que para eles, seja mesmo. A entrada em campo de Real Cubatense e Independente é como na Champions League. Arbitragem à frente e os dois times em seguida, lado a lado, apesar do corredor apertado. Perfilados, escutam a execução do hino nacional. Todos começam a procurar de onde vem a música. No campo não há sistema de som. Vinha do carro de Solito Alves, que abriu o porta-malas e colocou CD para tocar. Como em partidas profissionais, integrantes dos dois elencos colocam a mão direita sobre o lado esquerdo do peito.

“Não pago nada aos atletas. Não tenho como pagar. Às vezes, quando a coisa aperta e eu estou muito no vermelho, a gente faz uma vaquinha para pagar gasolina e vai todo mundo para o jogo de carro. É quase um trabalho social. O que eu não faço é cobrar dos meninos para jogar. Ouço que outras equipes fazem isso. Eu seria incapaz”, completa Solito.

Todos os dirigentes ouvidos pela Folha têm na cabeça que a São Paulo Cup é apenas uma fase de transição. Eles juram que o objetivo é voltar a disputar torneio da Federação Paulista em 2020.

“Os clubes que estão afastados têm como objetivo retornar no próximo ano. No nosso caso, queremos a filiação. Desejamos que a base usada na São Paulo Cup nos sirva para 2020 em uma competição oficial”, assegura Roberto Marciano, presidente do Andreense, clube criado em 2013 em Santo André, mas que atua na região de Atibaia (interior de São Paulo) com apoio da Prefeitura de Pedra Bela, cidade de 6 mil habitantes e a 118 km da capital.

Um torneio alternativo como a São Paulo Cup é possível pela questão financeira. A filiação de novos clubes na Federação Paulista custa cerca de R$ 800 mil. Os gastos para manter a equipe funcionando na quarta divisão, o patamar mais baixo do futebol estadual (que todos chamam de “Bezinha”), é de cerca de R$ 30 mil por mês. Há também as taxas para registros e transferências que, a depender da federação em que o atleta for registrado, podem variar de R$ 1 mil a R$ 1.700 cada.

Consultada pela Folha, a entidade confirmou que há times licenciados da entidade e que disputam a São Paulo Cup, mas afirmou desconhecer a existência da competição alternativa. 

Questionada sobre quantos clubes estão filiados no momento e o número dos que não disputaram torneios da entidade neste ano, a Federação não respondeu. As quatro divisões profissionais do estado têm 89 equipes no total.  .

A organização da São Paulo Cup não oferece nada que não seja a montagem da tabela e coordenação dos jogos à distância. Os gastos são dos clubes. Para cada jogo como mandante, são cerca de R$ 2 mil. Fora, pode chegar a R$ 5 mil.

Para reduzir os custos, dirigentes fazem acordos de reciprocidade. O time que recebe a partida oferece almoço para o elenco adversário e recebe a mesma cortesia quando acontece o confronto de volta.

“A gente precisava ter um calendário para manter o estádio [Vail Chaves] aberto. O estatuto do clube diz que se o Mogi Mirim não estiver em atividade, o terreno tem de ser devolvido para o governo do Estado”, afirma Jaime Marcelo, dono da J Winners, uma das empresas que assumiu o futebol do Mogi, clube que ainda tenta afastar em definitivo o presidente Luiz Henrique de Oliveira, representante oficial da agremiação na Federação Paulista.

Nome mais conhecido da São Paulo Cup, o Mogi Mirim vive briga na Justiça. Oliveira e AD Sports, grupo que havia terceirizado o futebol profissional, disputam o controle da equipe. As duas partes entraram em conflito logo após a assinatura do acordo. Há também grupo de sócios que tenta afastar o presidente e acusa o ex-jogador Rivaldo, campeão mundial com a seleção brasileira em 2002, de ter passado dois centros de treinamento do clube para o seu nome. Ele nega qualquer irregularidade.

“O estádio estava em condições deploráveis. Tivemos de recuperar tudo. A minha empresa suporta todo o gasto que o Mogi Mirim tem hoje. É uma aposta de longo prazo. Eu trouxe os atletas e vi que a proposta da São Paulo Cup, de dar chance a equipes afastadas, se encaixava no que queríamos”, completa Marcelo.

É torneio que serve também para jogadores se manterem ativos. À beira do campo, a família do zagueiro Gabriel Cardoso, 22, assiste à partida do Independente com o Real Cubatense. Apoiados na mureta, o pai Marcio Peccini Barbosa, a mãe Marise e a noiva Ana Laura acompanham a estreia dele pelo time de Mogi Guaçu.

“A gente fica com o coração na mão. Incentivamos, mas sabemos que ele já tem outra profissão. É o sonho dele. Temos de incentivar”, diz Peccini, enquanto Gabriel tenta, sem sucesso, conter os ataques do Cubatense.

Jogador do Independente reza ao entrar em campo para partida da São Paulo Cup
Jogador do Independente reza ao entrar em campo para partida da São Paulo Cup - Adriano Vizoni/Folhapress

O zagueiro é formado em medicina veterinária, mas prefere continuar a buscar a vida no futebol. Antes do Independente, estava no Suzano, onde conseguiu liberação por causa da falta de pagamento de salários ou alojamento e a acusação do elenco de receber comida estragada. Aquilo quase o fez desistir da bola. Resolveu tentar de novo, mesmo sem receber nada.

“Depois do Suzano, dei uma desanimada. Estou aqui pela vitrine mesmo, para tentar aparecer. Estou nisso pelo sonho. Às vezes a gente pensa em parar, mas o sonho puxa de volta. Não tem como fugir dele. Vou tentar até a última gota”, confessa.

É pensamento parecido ao de todos os aletas inscritos em um torneio quase invisível para o grande público: aparecer. A esperança é que algum olheiro esteja no estádio e o descubra. Ou um empresário.

“Para falar a verdade, eu preferia estar em um time grande. É difícil ficar longe da família, mas ainda tenho o sonho de ser jogador, de ir para a Europa. Ainda dá para conseguir”, almeja o meia Serginho, 20, uma das apostas do Real Cubatense.

E qualquer visibilidade serve. Ao ver o fotógrafo da Folha no estádio, vários jogadores se assustaram.

“Olha! Vai ter foto hoje?”, questionou o atacante Victor Hugo.

“Vai. Faz um gol, então”, respondeu Solito.

Logo depois, ele sacou R$ 500 da carteira para pagar a taxa de arbitragem. Ficou de dar mais R$ 200 depois da partida, antes de sair apressado para providenciar a execução do hino nacional brasileiro.

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