Phelps reage bem a perda de recordes e ainda se vê como número 1

Ex-nadador americano teve duas de suas marcas quebradas no último Mundial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Karen Crouse
Nova York | The New York Times

No passado parecia impossível que alguém viesse a ser mais rápido no nado borboleta. Quando aconteceu, o atleta olímpico mais vencedor da história tinha se tornado pai de família e ter seus recordes superados havia deixado de ser um problema.

Uma voz queixosa do lado de lá da linha estava claramente insatisfeita com a perda de uma posse muito querida. Era plena madrugada, durante o Campeonato Mundial de natação disputado em Gwangju, Coreia do Sul, mas do outro lado do mundo era hora do café da manhã, e Michael Phelps, sua mulher grávida, Nicole, e os dois filhos do casal, Boomer, 3, e Beckett, 1, estavam de férias.

Liguei para Phelps da Coreia do Sul para ouvir sua reação à superação de seu recorde nos 100 metros borboleta pelo americano Caeleb Dressel, no mês passado. Kristof Milak, 19, da Hungria, havia superado o recorde mundial de Phelps nos 200 metros borboleta no mesmo torneio. Agora, pela primeira vez desde 2001, ele não detém um recorde mundial em sua modalidade preferida.

Não era Phelps, 34, que estava lamentando a perda. Ele falou com admiração sobre a velocidade fácil de Dressel, embora precisasse erguer a voz para se fazer ouvir por sobre o barulho feito por Boomer, que estava muito chateado com a perda de Baby Monkey, um bicho de pelúcia.

Michael Phelps com a mulher, Nicole, e os filhos Beckett, 1, e Boomer, 3
Michael Phelps com a mulher, Nicole, e os filhos Beckett, 1, e Boomer, 3 - The New York Times

Não muito tempo atrás, o senso de valor de Phelps estava vinculado a recordes como esses, e por isso sua tranquilidade ao perdê-los parecia digna de observação mais atenta. Uma semana mais tarde, Phelps conversou com o The New York Times no Paradise Valley Country Club, Arizona, e falou sobre sua presença diminuída nos livros de recordes e sobre sua vida pós-natação.

Na piscina do clube, ele estava ajudando sua grande amiga, Allison Schmitt, oito vezes medalhista olímpica e campeã americana dos 200 metros estilo livre, a melhorar a técnica de suas braçadas.

Depois que ela saiu da água, um homem entrou na piscina usando uma roupa da linha de Phelps. O nadador deu ao desconhecido algumas dicas sobre o estilo livre. Havia boas notícias: Boomer encontrou Baby Monkey, e Phelps não se incomoda que seus recordes no nado borboleta tenham ficado de vez no passado.

A conversa abaixo foi editada e condensada, e alguns trechos vieram de uma conversa complementar no telefone.
 
Você chegou à sua primeira equipe olímpica nos 200 metros borboleta, estabeleceu seu primeiro recorde mundial nos 200 metros borboleta. Deteve o recorde da modalidade por 18 anos. A sensação de perder os dois recordes do nado borboleta foi como a de perder uma herança muito querida? É uma loucura, porque o nado borboleta era a modalidade que mais significava para mim, certo? Perder os dois recordes na mesma semana não era algo que eu estava esperando, com certeza. Os 200 metros foram especialmente difíceis, porque detive esse recorde por mais de metade de minha vida. E antes de eu começar, essa era a modalidade preferida de minha irmã Whitney. Assim, a coisa vai além de simplesmente dizer "esse é meu recorde". O nado borboleta está na família Phelps há muito tempo.

Enviei uma mensagem de texto a Bob [Bowman, por muito tempo seu treinador], depois da quebra do recorde dos 100 metros, dizendo que "se meu recorde individual nos 400 metros medley for quebrado, vou te encontrar em Colorado Springs para treinar". Mas esse eu acho que está seguro, por enquanto. É frustrante que os recordes não tenham durado mais, mas é ótimo ver a garotada subindo. Isso é excelente. É preciso ter desempenhos como esses no esporte, a fim de que ele continue a crescer e evoluir. Se você tem recordes completamente inatingíveis, as pessoas não vão nem querer tentar.

Você tem muitas outras realizações, a começar por seu recorde de oito ouros na Olimpíada de Pequim em 2008, que ninguém deve conseguir superar. Suas realizações, entre as quais o recorde de 28 medalhas olímpicas, não vão ser apagadas em um campeonato. É assim que você encara a situação? Depois que Caeleb ganhou oito medalhas na Coreia do Sul, vi uma manchete que dizia "Caeleb Dressel supera Phelps". Não, não superou. Quando conquistei sete ouros no campeonato mundial de 2007, bati cinco recordes mundiais. Kristof Milak bateu um recorde mundial. Eu bati 39. Por isso eles precisam ir adiante. Bater um recorde mais dez vezes. Mantê-lo por 18 anos. É uma questão de longevidade. Recebi diversas mensagens de texto esta semana de pessoas comentando aniversários olímpicos: o terceiro aniversário de quando me tornei o primeiro nadador a vencer quatro ouros olímpicos na mesma modalidade, os 200 metros medley; o 11º aniversário do ouro no revezamento dos 400 metros livres em Pequim.
 
Que lembrança é mais forte, a de sua primeira medalha de ouro olímpica, a dos 400 metros medley em 2004, ou a de sua 23ª, no revezamento dos 400 metros medley em 2016 no Rio de Janeiro? Sem dúvida a última medalha de ouro vai se destacar mais que qualquer das outras, por causa da jornada, e por Boomer estar lá. Essa é a mais memorável para mim, embora seja difícil deixar Pequim de fora.
 
Já ouvi pessoas dizendo que você poderia ter se saído muito melhor na olimpíada de 2016 se não tivesse sido preso por dirigir embriagado e não tivesse outros problemas que o conduziram a uma reabilitação em 2014. O que você tem a comentar quanto a isso? Sem o ponto baixo de 2014, não haveria 2016. Eu teria perdido a concentração. Eu teria dito "tchau, pessoal, até mais tarde". A detenção por embriaguez não foi uma boa experiência, mas, quando a recordo, sinto que ela tornou possível que eu estivesse aqui hoje, vendo Boomer crescer literalmente minuto a minuto, e Beckett também, que é um verdadeiro papagaio agora, repetindo tudo que ouve. Pensando em minha vida dez anos atrás, ou oito anos, não havia chance alguma de eu estar nem presente, de estar feliz, de desfrutar do processo de acompanhar o crescimento dessas pessoinhas no planeta.
 
Assistindo ao Campeonato Mundial, o quanto você se sentiu conectado ao esporte? Senti-me bem distanciado do esporte, o mais distante que estive em minha vida, por conta de tudo que está acontecendo conosco, tudo para o que estamos nos preparando. A cada dia caminhamos pelo corredor, para colocar os meninos para dormir, e a cada dia vemos aquela grande foto que me mostra nadando borboleta, e os meninos dizem "papa" ou "papai". Isso é legal. Mas não converso com muitos nadadores ativos. Não assisto a muitas provas de natação ao vivo.

Você disse em 2016 que não estava certo de que tivesse disputado uma final olímpica que não incluísse um nadador que não usasse doping. Você se preocupa com a percepção do público sobre o esporte, depois das controvérsias que surgiram em torno de atletas como o chinês Sun Yang, que foi deixado sozinho no pódio por alguns de seus concorrentes no mundial? Deixei realmente claro o quanto me sinto frustrado por algumas pessoas optarem por tomar um atalho e usar drogas que melhoram o desempenho, em lugar de fazerem o treinamento e o trabalho necessários a conquistar um campeonato. Compreendo as frustrações das pessoas que tomaram posições muito públicas de protesto. Mas ao concentrar sua atenção no que os outros estão fazendo, essas pessoas gastam muito tempo e energia com algo que não está sob seu controle. Só existe um grupo de pessoas realmente capaz de limpar o esporte, e é a Federação Internacional de Natação.
 
Como é saber que você e Nicole, que está esperando seu terceiro filho para outubro, em breve estarão em inferioridade numérica? Não estou estressado. No final da olimpíada de 2016, eu não sabia nem como cuidaria de mim, quanto mais de uma família. Eu nunca tinha tomado conta de mim mesmo antes. Fui de ter outras pessoas me dizendo o que fazer na sala de exercícios, na piscina e fora da piscina a tentar descobrir como criar dois filhos, administrar uma casa, viajar pelo mundo, e garantir que Nicole tenha tudo de que precisa e que esteja se sentindo OK e calma. No primeiro filho, não sabíamos o que estávamos fazendo, e no segundo filho não tínhamos ideia do que estávamos fazendo. Com certeza não sabemos o que fazer com o terceiro.
 
Como funciona um dia normal na sua vida? Boomer acorda, e das seis às nove da manhã basicamente fico com os meninos. Faço café quase toda manhã. Em geral panquecas e ovos, e sempre temos frutas. Boom adora panquecas, e Beckett é uma máquina, come de tudo —mingau, cereais, iogurte. Das nove ao meio-dia, fico ao telefone ou cuido do que é preciso fazer na casa, ou faço compras. Nas últimas semanas, tenho ido de cômodo a cômodo da casa, ajeitando cada cantinho e me livrando de coisas, reorganizando, preparando tudo para o terceiro bebê, quando ele chegar. Depois vou nadar. Mais tarde, passo de 90 minutos a duas horas na garagem.

Pedalo de 50 a 90 minutos na bicicleta estacionária, depois faço exercícios para o abdome e alongamento. De vez em quando jogo golfe, e se o faço, em geral é de manhã. Muitas noites, faço o jantar. Gosto de cozinhar, porque é pacífico. Os meninos ficam brincando no quintal, o que quer dizer silêncio. Eu costumava cozinhar conversando, fazendo diversas coisas ao mesmo tempo, mas depois de queimar algumas coisas e deixar outras coisas cruas, aprendi que preciso me concentrar, quando estou na cozinha, para não incendiar a casa ou envenenar minha família.

Tradução: Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.