Floresta em estádio de futebol incomoda extrema direita da Áustria

Instalação de arte, que busca reflexão sobre o meio ambiente, vira alvo político

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Alex Marshall
The New York Times

O curador Klaus Littmann esperava queixas ao instalar 299 árvores –algumas das quais com até 15 metros de altura– em um estádio de futebol na Áustria.

Em uma entrevista por telefone, Littmann disse que queria que as pessoas que vissem a floresta pensassem sobre o impacto da humanidade no meio ambiente em lugares como a Amazônia. Um dia, ele acrescentou, ver árvores poderia se tornar um espetáculo raro, como ir a uma partida de futebol ou ir a um zoológico para ver os animais.

Ele disse que havia imaginado que alguns ambientalistas poderiam se irritar por as árvores terem sido transportadas de caminhão da Bélgica, Itália e norte da Alemanha. Havia a possibilidade de que eles reclamassem de que isso solapava a mensagem ecológica.

As 299 árvores instaladas no estádio Wörthersee, em Klagenfurt, na Áustria
As 299 árvores instaladas no estádio Wörthersee, em Klagenfurt, na Áustria - David Payr/The New York Times

"Mas eu não imaginava o que aconteceu", disse Littmann sobre o que veio a seguir. "As pessoas estão usando o projeto para fins de guerra política".

O projeto de Littmann, "For Forest", foi inaugurado em Klagenfurt, uma pequena cidade no estado austríaco da Caríntia, em 8 de setembro, durante a campanha para a eleição nacional que acontece neste domingo na Áustria. Agora, a floresta no estádio se tornou o surpreendente foco de um confronto político em uma região que no passado era um baluarte do Partido da Liberdade, de extrema direita.

Os oponentes do projeto dizem que a exposição "For Forest" é um desperdício de dinheiro dos contribuintes. (Littmann disse que as verbas da exposição são privadas, mas o governo regional afirma que instituições públicas gastaram parte de seus orçamentos em eventos paralelos.) O projeto também foi atacado por usar árvores estrangeiras, em lugar de árvores locais da Caríntia, e por impedir o clube local de futebol, o SK Austria Klagenfurt, da segunda divisão austríaca, de usar o estádio para partidas importantes.

Littmann disse que foi xingado em reuniões públicas, e que foi empurrado na rua um dia, por alguém que lhe disse para voltar à Suíça, onde vive.

Um pequeno grupo de manifestantes do partido de extrema direita Aliança Pelo Futuro da Áustria também protestou diante do estádio, acenando com serras elétricas e afirmando que isso representava um "protesto satírico" contra o projeto.

Mas a principal oposição política ao projeto veio do Partido da Liberdade, de maior porte, que tem uma base forte na Caríntia e cujo ex-líder, Jörg Haider, foi governador do estado. Haider, que morreu em um acidente de automóvel em 2008, era um líder vistoso e hábil no uso da mídia, que conduziu suas posições de oposição à imigração e à União Europeia ao debate político cotidiano na Áustria.

Há muita coisa em jogo para o Partido da Liberdade na eleição de domingo. Seu apoio na Caríntia, antigo baluarte do partido, caiu na eleição regional de 2018, quando a organização conquistou menos de um quarto dos votos. O mais recente governo de coalizão da Áustria caiu em maio quando um vídeo que mostrava Heinz-Christian Strache, atual líder do partido e primeiro-ministro assistente da Áustria naquele momento, prometendo contratos do governo em troca de apoio financeiro de uma mulher que ele achava ser uma russa rica.

Peter Kaiser, o atual governador da Caríntia, do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, declarou em entrevista por telefone que não considerava que os ataques ao projeto tiveram sucesso. "Dia a dia, vimos de três mil a sete mil visitantes no estádio", ele disse.

Klaus Littmann em sua instalação, que busca a reflexão sobre o impacto humano no meio ambiente
Klaus Littmann em sua instalação, que busca a reflexão sobre o impacto humano no meio ambiente - David Payr/The New York Times

Os manifestantes, ele acrescentou, estavam "atacando só na esperança de que pessoas que se opõem a ação sobre o clima, que se opõem à política verde e que se opõem à arte votem neles".

Gernot Darmann, presidente do Partido da Liberdade na Caríntia, negou que o partido se opusesse à instalação por conta de sua mensagem ambiental. Ele afirmou em um email, de fato, que "o projeto deixa um impacto ecológico devastador", porque as árvores foram importadas.

"Um projeto como esse faria mais sentido em cidades industriais grandes, com problemas de poluição do ar, e em países nos quais a floresta está sendo explorada em excesso ou destruída", ele disse. Mais de 60% da terra da Caríntia é ocupada por bosques, de acordo com o Serviço Federal de Florestas da Áustria.

Littmann disse que transportar as árvores causou emissões da ordem de 55 toneladas de dióxido de carbono. Isso equivale a 25 viagens áreas de ida e volta entre Nova York e Viena, em termos de emissões.

A ideia do projeto surgiu 30 anos atrás, disse Littmann, quando ele viu um desenho do artista austríaco Max Peintner chamado "A Atração Infindável da Natureza", que mostrava uma floresta densa dentro de um estádio de esportes, com espectadores contemplando as árvores boquiabertos, das arquibancadas. "Fiquei completamente fascinado pela imagem", disse Littmann.

Equipe que utiliza o estádio, o SK Austria Klagenfurt precisou jogar em outro local
Equipe que utiliza o estádio, o SK Austria Klagenfurt precisou jogar em outro local - David Payr/The New York Times

O curador tentou transformar o desenho em realidade primeiro na Suíça, França e Alemanha, disse, mas nenhum dos times de futebol que ele procurou permitiu o uso de seu estádio. Ele teve sucesso em Klagenfurt porque o time local era "tão ruim", naquele momento, que não conseguia encher os 30 mil lugares do estádio, ele acrescentou, e por isso as autoridades locais não se opuseram a que ele o usasse.

Littmann disse que a controvérsia em torno do "For Forest" deve desaparecer assim que a eleição for realizada. Mas as opiniões sobre o sucesso da ideia como arte provavelmente continuarão a gerar controvérsia por mais tempo. Almuth Spiegler, crítica de arte do diário austríaco Die Presse, declarou em entrevista por telefone que ela amava o desenho original de Peintner: as árvores nele tinham um ar ameaçador, ela disse, e a faziam recordar um animal selvagem enjaulado.

Mas a instalação não tem o mesmo impacto, acrescentou Spiegler.

"É uma metáfora bem banal sobre a mudança do clima", ela disse, ainda que tivesse acrescentado que continuou a pensar no projeto horas depois de sua visita, e isso a faz contemplar outras árvores de modo novo.

Darmann, do Partido da Liberdade, disse não acreditar que o debate tenha grande impacto sobre a eleição. Ele na verdade não visitou a instalação, disse, e não permitiria que seu filho a visitasse. Em lugar disso, ofereceu uma ideia alternativa de passeio: "No futuro próximo, vou levar meu filho para passear em uma das belas florestas, com árvores de folhas largas, da Caríntia".

Tradução de Paulo Migliacci

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