Descrição de chapéu Tóquio 2020

São Paulo, que já proibiu o skate, reúne elite do esporte em mundiais

Cidade recebe neste mês as duas maiores competições das modalidades olímpicas

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São Paulo

Tivessem vivido em São Paulo em 1988, Pedro Barros, Leticia Bufoni, Pâmela Rosa e Kelvin Hoefler precisariam confrontar uma proibição municipal para andar de skate. Como o ano é 2019, eles estão entre as estrelas dos dois campeonatos mundiais do esporte, agora olímpico, que a cidade receberá a partir desta semana.

O primeiro evento, da modalidade park, será realizado na pista do parque Cândido Portinari, de quinta-feira (12) a domingo (15). Na semana seguinte, dos dias 18 a 22, o pavilhão de exposições do Anhembi será o palco do torneio da modalidade street. Essas competições estão entre as que mais contam pontos na classificação para os Jogos de Tóquio-2020.

Muita coisa aconteceu nesses 31 anos para que o skate saísse da condição de atividade rejeitada pelo poder público para um dos esportes em que o Brasil deverá ter mais chances de medalhas na próxima Olimpíada.

A participação do governador do estado de São Paulo, João Doria, no evento de lançamento do Mundial de Park, contrasta com a atuação do prefeito da capital no fim dos anos 1980 e ilustra o espírito de cada tempo.

No dia 24 de junho de 1988, Jânio Quadros decidiu proibir a circulação de skatistas em todas as ruas da cidade. Em memorando, determinou que os desobedientes fossem detidos e levados ao juizado de menores.

Essa foi a resposta política dada pelo mandatário a um protesto no dia anterior, quando um grupo de jovens contestou a proibição do uso do skate aos fins de semana no parque do Ibirapuera. O mesmo local onde funcionava a prefeitura na época era o principal ponto de encontro dos skatistas da cidade, que se divertiam no piso liso construído sob a marquise.

Um dos líderes do ato foi o então jovem empresário Marcio Tanabe, que colocou dinheiro para comprar faixas e megafone. No dia 23 de junho, cerca de 200 manifestantes, segundo relatos da época, saíram da estação Paraíso do metrô em direção ao parque, mas acabaram barrados na entrada.

“Meninos brincando com skates, ricos em sua maioria, fizeram ontem, segundo os jornais, uma passeata pelas ruas da cidade. Ao Ibirapuera não chegaram, porque tomaram a lição que o pai não lhes deu”, dizia o texto assinado pelo prefeito.

O ato de rebeldia não chegou a ser concretizado como os participantes queriam, mas recebeu registro de destaque na imprensa, com foto na capa da edição da Folha do dia 24.

“Um monte de gente me deus os parabéns pelo movimento, já que o skate não tinha tanto espaço. Mas no dia seguinte o Jânio proibiu em todas as ruas da cidade, e os mesmos caras que me deram os parabéns passaram a dizer que eu era burro pra caramba por brigar com alguém que quando presidente já tinha proibido o biquíni [risos]”, conta Tanabe.

A proibição, no entanto, era frequentemente desrespeitada pelos praticantes, que pouco tempo depois obtiveram decisão judicial para organizar uma competição na chamada “ladeira da morte”. O evento teve transmissão televisiva, e quando o prefeito soube da sua realização, durante uma viagem a Londres, mandou reforçar o veto.

“Aí a Guarda Civil pegou pesado, saiu tomando o skate da molecada e dando porrada. A gente estava vindo da fase da gestão militar, onde rolava porrada mesmo com os skatistas”, afirma Tanabe, hoje com 55 anos.

A prática foi liberada poucos meses depois em São Paulo, já na gestão da prefeita Luiza Erundina, e a década seguinte ficaria marcada pela sua popularização no Brasil. Indústrias ligadas ao estilo de vida dos skatistas ganharam espaço no país que produziu os multicampeões mundiais Bob Burnquist e Sandro Dias.

Hoje o momento é de Pedro, Leticia, Pâmela, Kelvin e vários outros, que terão a chance de levar o prestígio já obtido no meio para um novo mundo, o dos Jogos Olímpicos.

A entrada do esporte no programa de Tóquio-2020 estimulou investimentos na área. A Confederação Brasileira de Skate (CBSk), por exemplo, passou a receber verbas públicas por força da Lei Piva, que determina a destinação de parte da arrecadação das loterias federais ao Comitê Olímpico do Brasil.

Com esses recursos foi criada, por exemplo, uma seleção brasileira de skatistas, que recebem apoio para participar de eventos nacionais e internacionais. Em parceria com a empresa Rio de Negócios, a CBSk passou a organizar um circuito nacional, o STU, e promoverá o Mundial de park.

“Unimos todo mundo. Trouxemos quem faz a música, a moda, a gastronomia, a cerveja, o audiovisual. Entendemos que o skate não pode ser só competição, por isso conseguimos trazer marcas que querem conversar com esse público, não só patrocinar o alto rendimento ou falar de caminho olímpico”, diz Diogo Castelão, sócio da Rio de Negócios.

Avaliação feita pela Fundação Getúlio Vargas e reconhecida pelo governo federal calculou em R$ 118 milhões o impacto econômico gerado pelo principal evento do STU no ano passado, realizado no Rio de Janeiro.

Supervisor de campeonatos e da seleção na CBSk, Edson Scander, 52, que começou a andar de skate em 1985, conta que nunca imaginou viver a mudança de cenário pelo qual o esporte passou e ainda passa.

“Quando comecei, ou você comprava um skate muito ruim feito no Brasil, que iria causar um acidente, ou teria que gastar uma fortuna para comprar um importado. Por isso construímos um novo cenário, abrindo empresas e associações, organizando campeonatos, montando programas de rádio e revistas. Tudo o que foi construído essa nova geração está colhendo”, afirma.

Tanabe, hoje dono de dois skateparks em São Paulo, alerta para o risco que vê no atual modelo de negócios do esporte. Para ele, mesmo com a participação olímpica e a grande exposição de mídia, o desaparecimento de uma indústria local do skate pode colocar em risco o que o Brasil sempre fez de melhor: revelar novos talentos.

“Não existem mais eventos importantes com as marcas das empresas brasileiras de produtos do skate. O Pedro Barros sai do aéreo no logotipo da telefonia e volta no logotipo do energético. O mercado internacional vem bombando e, quando surge uma estrela brasileira, leva embora. É muito conveniente para eles”, diz.

Preparativos na pista do parque Cândido Portinari, onde será realizado o Mundial da modalidade park
Preparativos na pista do parque Cândido Portinari, onde será realizado o Mundial da modalidade park - Adriano Vizoni/Folhapress

COMO FUNCIONA A CLASSIFICAÇÃO PARA OS JOGOS DE TÓQUIO-2020

Número de competidores:
20 na categoria street feminina
20 na categoria street masculino
20 na categoria park feminina
20 na categoria park masculino

Em cada evento há o limite de 3 representantes por país e o mínimo de 1 skatista por continente. O Japão tem vaga garantida em cada um deles.

Park
A modalidade reúne vários elementos construídos para a prática do skate, como rampas de diversos tamanhos e raios, além de extensões e bowls (pista com formato de piscina).

Street
A categoria simula a paisagem urbana, com bancos, escadas, corrimões e calçamento como espaços de manobras.

Mundiais
Os três primeiros colocados dos campeonatos mundiais da temporada 2020 já estarão classificados.

Ranking
Levará em consideração eventos nacionais, continentais e mundiais disputados de 1º de janeiro de 2019 a 31 de maio de 2020. Serão considerados os dois melhores resultados da temporada 2019 (até 15 de setembro) e os cinco da temporada 2020 (de 16 de setembro até 31 de maio).

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