Sem indenização, vítimas de voo da Chape vão a Londres protestar

Familiares contestam valor oferecido por seguradoras pelo acidente de 2016

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São Paulo

"O Brasil inteiro pensa que está resolvido. Não está."

Hélio Hermito Zampier Neto, o zagueiro Neto, 34, promete embarcar no final deste mês para Londres. Ele deverá ter ao seu lado nove viúvas de ex-jogadores da Chapecoense que morreram em acidente aéreo nos arredores de Medellín em 29 de novembro de 2016. A equipe viajava para disputar a final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional. O desastre matou 71 pessoas.

Neto, familiares e advogados querem fazer um protesto em frente à sede da Aon, multinacional baseada Inglaterra, que eles alegam ser a corretora do seguro do voo 2933 da empresa boliviana LaMia. Até hoje, as famílias reclamam não terem recebido nada da empresa britânica ou das seguradoras Tokio Marine e Bisa, também responsáveis pelas apólices.

A Aon afirma não ser a corretora do seguro, mas sim, do resseguro, operação na qual o segurador transfere a outro, mesmo que parcialmente, um risco assumido em uma apólice. 

“A gente é pacífico até onde pode. Depois de quase três anos esperando uma resposta, o seguro se recusa a pagar o que nos é de direito. A gente não está falando de uma empresa de fundo de quintal. Eles patrocinam o Manchester United”, completa o zagueiro.

Apenas três jogadores da Chapecoense que estavam no voo sobreviveram. Por causa das lesões causadas pelo acidente, Neto até hoje não conseguiu voltar a atuar. O goleiro reserva Jackson Follmann, 27, teve a perna direita amputada. O meia Alan Ruschel, 30, retornou aos gramados em agosto de 2017 e hoje está no Goiás. Entre eles, apenas Neto vai participar do protesto.

O seguro da aeronave, quando aconteceu o acidente, era de US$ 25 milhões (cerca de R$ 104 milhões). O valor é contestado pelos advogados das famílias.

“A apólice até 2015 era de US$ 300 milhões [R$ 1,24 bilhão) e a partir de 2016, apesar do risco ampliado por se transportar atletas de times de futebol, essa apólice passou a ser de US$ 25 milhões. Não conseguimos entender como isso é possível”, afirma Marcel Camilo, advogado de Neto e das viúvas.

Eles questionam o fato de a Aon ter reduzido o valor de exigência da apólice de seguro em US$ 275 milhões (R$ 1,14 bilhão) quando a LaMia deixou de fazer voos esporádicos e passou a ser comercial, fazendo viagens regulares e transportando jogadores de futebol avaliados em milhões de dólares.

Três semanas antes do acidente com os jogadores da Chapecoense, a mesma aeronave transportou a seleção argentina, com Lionel Messi a bordo, para jogo contra o Brasil, em Belo Horizonte, pelas eliminatórias para a Copa de 2018.

Desde agosto de 2016, o avião fez pelo menos três trajetos com distâncias próximas a sua autonomia máxima de voo (2.965 km, estendida em 10% caso usado um tanque extra de combustíveis) —uma das prováveis causas da tragédia. Nas ocasiões, dez minutos ou menos separam o tempo total de viagem daquele decorrido pela Chapecoense até o momento do impacto.

Camilo e as vítimas também questionam se existe outra apólice que foi paga, mas não é de conhecimento público e que não se sabe quem teria acertado o valor. O advogado afirma que a informação apareceu durante uma audiência pública realizada no Senado, em Brasília.

“Há alguma coisa nessa apólice que a gente não sabe?”, questiona Camilo.

Tokio Marine e Bisa fazem parte do que foi chamado de fundo humanitário, criado para repassar dinheiro às famílias das vítimas. A oferta é que cada família aceitasse US$ 225 mil (cerca de R$ 935 mil em valores atuais). Em troca elas teriam que desistir das ações na Justiça. Até agora, 23 delas toparam o acordo.

Segundo as pessoas que planejam o protesto em Londres, as 48 restantes, não toparam. Elas calculam que o valor devido por Aon, Tokio Marine e Bisa varia entre US$ 4 milhões e US$ 5 milhões para cada família (entre R$ 16,6 milhões e R$ 20,8 milhões).

“As agências aéreas e os países envolvidos, como Bolívia e Colômbia, não assumem nada, mesmo sabendo dos equívocos ocorridos. Os ressegurados disseram que pagariam e não pagaram nada. O aparecimento deste Fundo Humanitário, que dizem ser uma ajuda humanística, mas temos que assinar recibo de quitação a todos os responsáveis”, reclama Valdecia Borges de Morais Paiva, viuvá do ex-volante Gil.

Ela também planeja estar no protesto na sede da Aon.

Mãe de duas filhas, na época do acidente com 2 e 4 anos de idade, Valdecia teve que enxugar o orçamento doméstico e reorganizar a vida para manter o costume de Gil de mandar uma mesada para os pais dele, que moram na pequena cidade de Nova Cruz, a quase 100 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte.

Ela, assim como as demais mulheres dos atletas, recebeu o seguro de vida pago pela Chapecoense e a CBF referente a 40 meses de salários. O valor, no entanto, considera apenas a cifra informada na carteira de trabalho, sem levar em consideração os direitos de imagem —geralmente maior até que o próprio salário registrado.

“O meu esposo, o pai das minhas filhas, saiu para trabalhar e não voltou, é uma dor que vamos ter que lidar a vida inteira”, disse Valdecia.

Há duas semanas, familiares das vítimas, advogados e Neto tiveram audiência com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Nada de concreto resultou do encontro.

A Folha questionou a Aon, por escrito, a respeito do não pagamento do seguro, a alegada redução do valor e sobre a possível existência de uma outra apólice.

A assessoria da imprensa da empresa respondeu que a Aon atuou somente como corretora de resseguros, “ou seja, intermediando e apoiando na colocação da proteção de resseguros para a companhia seguradora”.

“Qualquer tratativa sobre indenizações e reclamações, e sobre as condições do programa de seguros deve ser conduzida com o segurador de risco. A Aon não comenta assuntos de clientes”, diz a nota enviada.

Um porta-voz da Tokio Marine na Inglaterra alega que a apólice de seguros não era mais válida.

“Isso acontece por várias razões, entre elas que a companhia aérea falhou no cumprimento de importantes condições da apólice de seguros, no gerenciamento da empresa e da aeronave", diz a empresa.

A Tokio Marine afirma que na data do acidente, a aeronave "estava voando uma rota que era expressamente excluída da cobertura do seguro. LaMia também estava em atraso no pagamento. Isso significa que que nem a apólice da Bisa, nem o resseguro o qual a TMK [Tokio Marine] e outras resseguradoras assinaram, eram capazes de cobrir a LaMia pelo acidente”.

A seguradora diz que “várias famílias” aceitaram a ajuda do fundo humanitário e espera que as outras façam o mesmo.

O escritório da Bisa no Brasil foi fechado. A Folha enviou mensagens para o endereço de e-mail da matriz em La Paz desde a semana passada e fez cinco telefonemas para a sede, mas não conseguiu falar com ninguém responsável pela seguradora.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que foi publicado, o goleiro Jackson ​​Follman teve a perna direita amputada por causa do acidente aéreo. O texto foi corrigido.

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