Dez anos depois, líderes da campanha pela Rio-16 amargam acusações

Entre os vitoriosos de 2 de outubro de 2009 há presos e derrotados nas urnas

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Rio de Janeiro

Dois estão presos. Um responde a ação penal em liberdade após ser detido. Outro perdeu, após sua morte, homenagem que recebera. Quem está solto tenta se reencontrar na política.

Esse é o resumo sobre a condição dos líderes da campanha do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016 dez anos após a vitória na sessão do COI (Comitê Olímpico Internacional), em Copenhague.

Com a promessa de ser um gatilho para o desenvolvimento da cidade, a Olimpíada foi realizada já sob grave crise econômica do país e falência administrativa-financeira do estado.

Nuzman, ex-presidente do COB, o ex-presidente Lula, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e o ex-prefeito Eduardo Paes, entre outros, celebram a escolha da sede dos Jogos de 2016
Nuzman, ex-presidente do COB, o ex-presidente Lula, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e o ex-prefeito Eduardo Paes, entre outros, celebram a escolha da sede dos Jogos de 2016 - Olivier Morin - 2.out.09/AFP

O poder público enfrenta dificuldades para manter o legado que ficou. O comitê organizador ainda acumula uma dívida considerada impagável que supera os R$ 400 milhões com fornecedores, o que o deixa à beira da falência.

O ocaso dos líderes daquela campanha simboliza a frustração com o evento uma década depois da conquista inédita. Foi a primeira vez que um país sul-americano recebeu o direito de organizar os Jogos.

Entre os políticos, estão na cadeia o ex-presidente Lula e o ex-governador Sérgio Cabral, condenados por corrupção. O primeiro ainda tenta provar sua inocência, enquanto o segundo decidiu confessar seus crimes.

O ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) não conseguiu eleger seu sucessor logo após os Jogos e perdeu a disputa pelo governo do estado no ano passado. Ele se articula agora para voltar a comandar a cidade olímpica.

A vitória no dia 2 de outubro de 2009 em Copenhague ainda segue sob crivo das Justiças brasileira e francesa. Autoridades dos dois países analisam acusações de compra de votos pelos dirigentes da candidatura carioca.

Esse foi o motivo da prisão, em outubro de 2017, do ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) Carlos Arthur Nuzman, principal articulador da campanha olímpica. Ele é acusado de intermediar o pagamento de US$ 2 milhões (R$ 8,3 milhões) do esquema de corrupção de Cabral ao senegalês Lamine Diack, membro do COI, e responde ao processo em liberdade.

A ação penal contra Nuzman, Cabral e outros está na fase de alegações finais dos réus, última antes da sentença.

A conquista do direito de sediar os Jogos coroou um Brasil que mantinha uma sequência de bons resultados econômicos, mesmo com a crise internacional de 2008.

“Por sermos um país colonizado, a gente tem a mania de pensar pequeno. Hoje, o Brasil conquistou a cidadania internacional. Quebramos o último preconceito. Provamos que temos competência para fazer a Olimpíada. Saímos do patamar de segunda classe para primeira”, disse Lula na ocasião.

Para vencer a disputa, o Brasil foi o único a levar para Copenhague um membro de sua equipe econômica para a apresentação. O então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou em discurso que o país permaneceria em ascensão.

Após deixar o governo e atuar na iniciativa privada, ele assumiria o Ministério da Fazenda às vésperas dos Jogos para tentar debelar a crise econômica pela qual passava o país. Tentou, em vão, ser presidente do país nas eleições do ano passado —obteve 1,2% dos votos válidos.

Outro que se engajou e discursou aos membros do COI em 2009 foi o ex-presidente da Fifa João Havelange. Usou sua rede de contatos adquiridos nos 24 anos à frente do futebol mundial para angariar apoio ao Rio de Janeiro.

Dois anos depois, em 2011, ele renunciou de sua cadeira no COI para evitar ser expulso em razão das acusações de corrupção que sofrera na condução da Fifa. Em 2015, perdeu a homenagem que recebera ao dar nome ao estádio olímpico do Rio de Janeiro, que passou a se chamar Nilton Santos. Morreu durante a realização dos Jogos cariocas.

Vista aérea do Parque Olímpico do Rio em 2017
Vista aérea do Parque Olímpico do Rio em 2017 - Nacho Doce - 15.jan.17/Reuters

De 2009 a 2016, as manifestações de rua de 2013 e as revelações da Operação Lava Jato, iniciada em 2014, mudaram a percepção sobre a Olimpíada. Antes visto como uma oportunidade, o evento passou a ser considerada por uma parcela da população como um desperdício de dinheiro público vulnerável à corrupção.

O ex-secretário municipal de Obras Alexandre Pinto confessou, após os Jogos, que algumas das obras olímpicas lhe renderam propina.

A preparação para os Jogos sofreu percalços que se agravaram em 2015, com a crise econômica. O governo federal teve que socorrer financeiramente o Rio de Janeiro para que os serviços públicos não entrassem em colapso durante o evento.

A Olimpíada foi organizada sem grandes intercorrências, mas boa parte do legado não se concretizou. 

Os governos federal e municipal ainda buscam uma solução para manter o Parque Olímpico, que consome cerca de R$ 40 milhões por ano. A iniciativa privada não se interessou em explorar o espaço, como havia sido previsto.

A despoluição da baía de Guanabara, que em 2009 prometia-se chegar a 80%, deixou de ser compromisso após a vitória em Copenhague e ainda não atinge 50% atualmente.

O principal legado foi na área de transportes. Mas os corredores de ônibus sofrem com uma manutenção ainda precária. A linha 4 do metrô, investimento mais caro para os Jogos, funciona abaixo da capacidade prevista —atraiu menos passageiros do que se previa.

A revitalização da zona portuária, concluída antes dos Jogos, também sofre com falhas de manutenção e financiamento.

Paes afirma que considera positivo o saldo da Olimpíada para a cidade. "Tenho muito orgulho como prefeito do Rio de ter realizado isso. O insucesso político nas eleições tem mais a ver com outros fatores do que a Olimpíada propriamente dita", disse o ex-prefeito.

Só na semana passada um legado aparentemente simples começou a sair do papel. Com três anos de atraso, as sementes plantadas pelos atletas na cerimônia de abertura dos Jogos finalmente vão se transformar na chamada Floresta dos Atletas. As 13.725 mudas serão replantadas no Parque Radical de Deodoro.

Como estão os vitoriosos na escolha da Rio-2016

Lula O ex-presidente está preso em Curitiba, condenado sob acusação de aceitar a propriedade de um tríplex como propina paga pela empreiteira OAS em troca de contratos com a Petrobras; o petista nega as acusações.

Nuzman Então presidente do COB, responde em liberdade as acusações de ter intermediado o esquema de corrupção para o pagamento de propina envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral e o membro do comitê, Lamine Diack, para escolha do Rio como sede dos Jogos. O cartola nega as acusações.

Sérgio Cabral Ex-governador do Rio de Janeiro soma 198,5 anos de penas em nove condenações, além de ainda ser réu em outras ações. Em junho de 2019, ele pediu novo depoimento, para confessar o pagamento de propina para a escolha da cidade para os Jogos de 2016.

Eduardo Paes Hoje no DEM, ele viu frustrada sua tentativa de eleger um sucessor para a prefeitura do Rio após os Jogos.

Henrique Meirelles Tentou se eleger presidente do Brasil em 2018 pelo MDB, mas terminou com 1,2% dos votos válidos.

João Havelange Foi presidente da Fifa e deixou o COI sob ameaça de expulsão. Morreu em 2016, durante a Olimpíada.

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