Apego tático e defesa ferrenha de Cruyff seguem Jesus desde jogador

Como atleta, técnico rodou por Portugal e era considerado criativo, mas discreto

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São Paulo

Candidato ao acesso para a primeira divisão portuguesa, o Amora FC vencia o Almancilense por 3 a 0, pelo Campeonato Português de 1988/1989, quando as equipes foram para o intervalo. Para a etapa final, o técnico do time de Almancil lançou um experiente meio-campista de 35 anos para tentar a reação. Chamava-se Jorge Jesus, prestes a encerrar a carreira.

Com uma exibição de alto nível, Jesus liderou o Almancilense ao empate. Por muito pouco, a equipe não conseguiu uma virada histórica. Foi o último suspiro futebolístico do meia antes de pendurar as chuteiras.

"No final do jogo, o presidente do Amora convidou Jorge Jesus para ser o próximo treinador do clube, ao que este respondeu: 'sou jogador, não sou treinador'. Mas o presidente do Amora estava decidido e disse: 'sim, eu sei, mas eu vi que em campo eras tu que dirigia a equipa'. E nascia a lenda", diz Luís Garcia, autor do livro "Jorge, amado e desamado", uma biografia de Jorge Jesus, à Folha.

Jorge Jesus defendeu o Sporting somente por uma temporada (1975/1976)
Jorge Jesus defendeu o Sporting somente por uma temporada (1975/1976) - Revista Sporting/Reprodução

Dono de uma celebrada trajetória nos bancos de reservas de dois dois mais populares clubes de Portugal, Benfica e Sporting, Jorge Jesus é a bola da vez no futebol brasileiro.

Líder do Nacional e finalista da Copa Libertadores com o Flamengo, seu sucesso instantâneo com a equipe carioca tem chamado a atenção não só de torcedores no Brasil, mas desperta quase que diariamente a curiosidade da imprensa portuguesa.

Acompanhar e pesquisar sobre a carreira de Jesus como técnico, porém, é tarefa muito mais fácil do que descobrir histórias do português dentro das quatro linhas.

"Confesso que foi muito mais simples investigar o Jorge Jesus treinador do que propriamente o jogador", revela Luís Garcia.

Filho de Virgolino de Jesus, ex-atacante do Sporting na década de 1940, Jorge foi revelado pelo clube de Lisboa. A concorrência interna, no entanto, era muito forte e o então meio-campista, ainda muito jovem, se viu forçado a buscar oportunidades em outras equipes.

A partir da saída do Sporting começa o périplo de Jorge Jesus pelo futebol português, defendendo times não só de primeira divisão, mas também da segunda e até da terceira. Entre as tantas camisas que vestiu estão a do Olhanense, Belenenses, União Leiria, Vitória de Setúbal, Farense, Estrela da Amadora e Almancilense.

"A ideia que eu tenho dele como jogador é a de que era muito habilidoso, tinha muita técnica e era rápido nos processos. Mas não era um jogador muito potente, entende? Como é o Bruno Henrique, da equipe dele, mal comparando. É muito rápido, mas também muito potente. Ao Jesus lhe faltava isso um bocadinho", conta José Eduardo, que atuou no Sporting e enfrentou Jesus nas décadas de 1970 e 1980, tornando-se depois amigo do treinador.

O brasileiro Elzo, volante ex-Atlético-MG e Palmeiras, e que disputou a Copa do Mundo de 1986 com a seleção brasileira, também jogou contra Jesus durante sua passagem pelo Benfica, nos anos 1980.

"Nos enfrentamos algumas vezes pelo Campeonato Português. Ele era um jogador de criatividade e muito importante taticamente. Atuava no meio-campo e falava muito com os companheiros", lembra Elzo.

Se lhe faltava potência para maximizar sua qualidade técnica e tática, o que Jesus não ficava devendo era no aspecto capilar. "Sempre com aquele cabelo comprido que é a imagem dele", diz José Eduardo.

Para seu livro, que em Portugal está na terceira edição e será lançado no Brasil pela editora Chiado Books, Luís García conta que sua pesquisa sobre a trajetória de Jesus como atleta coincide com os relatos de ex-jogadores que o enfrentaram. 

"Quem o viu jogar recorda um jogador regular, sem ser espetacular. Saltava à vista, já nesse tempo, o avançado discernimento tático. Não se limitou a jogar e fez muito mais do que isso, interessou-se sempre pela metodologia de treino. Jorge Jesus estava a fazer o seu próprio percurso acadêmico in loco, no mundo do futebol", analisa o biógrafo.

Interessado pelo aspecto tático do jogo, Jorge Jesus estudou muito no início de sua caminhada como técnico o Milan (ITA) de Arrigo Sacchi e o Barcelona (ESP) do Johan Cruyff, duas das principais escolas europeias da passagem da década de 1980 para a de 1990.

A forma de defender da equipe italiana aliada à ideia de protagonismo ofensivo do time espanhol formavam, na visão do jovem treinador, o conceito ideal do que ele pretendia colocar em prática.

A admiração a Cruyff, porém, ultrapassou certos limites uma vez, no fim da década de 1980, quando Jesus já estava se despedindo dos gramados para seguir no futebol no papel de treinador.

"Lembro que fomos a uma discoteca na [região da] Altura em um dia de folga e nos encontramos com ele. Do lado de fora, começamos a conversar e tivemos uma discussão tremenda. Ele era um defensor irredutível do Cruyff. 'Ele é o grande treinador, está muito à frente', dizia. Foi uma discussão boa, com argumentos fortes, ele a defender Cruyff e nós o atacávamos. Mas ele teve razão, porque de fato o Cruyff foi se afirmar como um gênio", completa José Eduardo, que discutiu futebol com Jesus na boate.

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