Um jornalista argentino anotava as escalações da equipe que enfrentaria o River Plate no Monumental de Nuñez, em Buenos Aires. Parou por um momento e foi tirar dúvida com um repórter brasileiro:
“Este Glaydson é inglês?”, questionou.
A imprensa do país não sabia nada a respeito não apenas do volante que dois anos depois defenderia o Internacional no Mundial de Clubes. O próprio técnico do River, Daniel Passarella, confessou ter muito pouco conhecimento sobre o Paulista de Jundiaí, a surpresa da Libertadores de 2006.
Era época em que a equipe do interior paulista parecia ser capaz de se tornar pelo menos uma força média do futebol brasileiro. Vice-campeão estadual de 2004, conquistou o título da Copa do Brasil do ano seguinte. Em 2007, assinou acordo para o projeto Campus Pelé, lançado pelo ex-jogador em Genebra, na Suíça. Era a promessa de criar um fundo de investimento que levantaria R$ 50 milhões para investir na formação de jogadores em Jundiaí.
Deu tudo errado. O Campus Pelé acabou em 2010, não se conhece o quanto arrecadou e o tamanho do rombo. Os dados não são públicos. O que se soube foi a decadência do Paulista. De 2007 a 2017, a equipe sofreu cinco rebaixamentos. O estádio Jayme Cintra foi colocado a leilão. O clube não pode receber dinheiro em suas contas bancárias porque estão todas bloqueadas.
“Tentamos o desbloqueio e pagar as dívidas possíveis, mas a situação não é nada fácil”, diz o atual presidente da agremiação, Rogério Levada.
Apesar das dívidas avaliadas em cerca de R$ 30 milhões e os mais de cem processos trabalhistas, o time tenta renascer de alguma forma. Conseguiu neste ano o acesso para a A3 estadual e, neste sábado (2), decide em casa o título da Segunda Divisão. Trata-se do quarto e último patamar do futebol paulista.
No primeiro jogo contra o Marília houve empate em 0 a 0. Quem vencer, será campeão. Nova igualdade fará o título ser decidido nos pênaltis.
A maior possibilidade de receita do Paulista neste ano seria se o Red Bull Brasil tivesse se fundido ao Oeste de Itápolis e mandasse seus jogos em Jundiaí. Pagaria aluguel pelo estádio. Mas a equipe da multinacional austríaca, em vez disso, se uniu ao Bragantino.
A solução foi montar elenco contando com empresas que paguem os jogadores. “A situação só vai mudar com o campo. Não tem jeito. Se os resultados acontecem, as coisas ficam mais fáceis também no financeiro. A curto prazo, não tem solução. A médio prazo, talvez”, afirma o presidente.
O Paulista é um time acostumado a apelar para empresas, com resultados distintos. Em 1995, a crise financeira fez com que fechasse acordo com a Lousano, empresa de condutores de materiais elétricos que pagou todos os custos do departamento de futebol.
Três anos depois, chegou a Parmalat, multinacional italiana de laticínios que mudou o nome do clube para Etti Jundiaí e o levou ao acesso para a elite do Campeonato Paulista em 2001. O Paulista virou clube-empresa.
Com a falência da Parmalat, passou a se chamar Jundiaí FL, mas, após votação com os torcedores, retornou ao nome original.
O vice estadual e a Copa do Brasil de 2005 chegaram baseados na revelação de jogadores que continuam dando receita para o clube em transferências, além de contratações pontuais. O Paulista revelou o goleiro Victor, o zagueiro Réver (ambos no Atlético-MG), o meia Nenê (Fluminense), o zagueiro Danilo (Bologna-ITA) e o goleiro Artur (ex-Benfica-POR), entre outros. Já há alguns anos precisa encontrar uma forma para que esse dinheiro não seja bloqueado pela Justiça.
A decadência aconteceu, em parte, porque os dirigentes acreditaram que as glórias de 2004 e 2005 e a Libertadores de 2006 seriam rotineiras. Para tentar chegar à elite do Brasileiro em 2007, o Paulista tinha uma das folhas mais caras da segunda divisão. O dinheiro acabou no meio do caminho, os salários atrasaram e o time caiu para a Série C.
O fracasso do projeto Campus Pelé, que tinha fundo registrado em Luxemburgo, um paraíso fiscal, agravou o problema.
Ainda se segurando na A2 do Paulista, em 2016, a diretoria anunciou parceria com investidores europeus. Eles não foram identificados, mas a condição para o acordo era a contratação do técnico português Paulo Fernandes. Os recursos do investimento não chegaram, e ele caiu após apenas uma rodada do estadual.
O acesso e a possibilidade de título atuais aconteceram sob o comando de Edson Fio, treinador que dirige o time de shorts, camiseta e boné à beira do campo. Ele é um dos cinco negros a ocuparem o cargo em uma equipe profissional do futebol paulista.
“Ninguém me conhecia quando cheguei, e ainda tinha a questão de ser negro. Ainda não é normal no futebol um treinador negro. Com o trabalho, o dia a dia e as vitórias, mostramos o que poderíamos conquistar. Futebol é uma ferramenta poderosa para mudar mudar a percepção das pessoas”, afirma Fio.
Ele e seus jogadores recuperaram um pouco da autoestima do torcedor de Jundiaí. “Nós nem estreamos na Série A3 e já estão dizendo que estamos rumo à A2”, brinca o presidente.
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