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Com filhos de imigrantes, Finlândia disputa Euro pela 1ª vez

Forte nos esportes de gelo e no automobilismo, país disputará o torneio em 2020

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Eliano Jorge
Salvador

Queridinha do público e da mídia ao estrear na Eurocopa de 2016 e na Copa do Mundo de 2018, a seleção islandesa precisará da repescagem para tentar se classificar ao torneio continental do próximo ano, mas seu legado já está garantido na competição.

Foi inspirada por ela que a Finlândia conseguiu vaga inédita, confirmada no último dia 15, na vitória por 3 a 0 sobre Liechtenstein em casa, pela penúltima rodada do qualificatório para o torneio.

O capitão finlandês, Tim Sparv, 32, admite terem seguido o exemplo da ilha de apenas 360.000 habitantes.

“Mostra que isso pode ser feito. Ser um país pequeno não é desculpa para não ter um bom desempenho. A Islândia mostrou que o altruísmo e um grande coração derrotam equipes que têm mais talento e isso é algo que estou vendo na minha equipe. Você pode sentir o orgulho de todos quando jogam pelo seu país”, diz à Folha por e-mail.

Teemu Pukki (à dir.) comemora gol da Finlândia sobre Liechtenstein, jogo que garantiu os nórdicos na Eurocopa
Teemu Pukki (à dir.) comemora gol da Finlândia sobre Liechtenstein, jogo que garantiu os nórdicos na Eurocopa - Markku Ulander/Reuters

Suécia, Dinamarca e Noruega já frequentaram o primeiro escalão do futebol europeu de seleções. Não era segredo que incomodava os finlandeses ser a única nação nórdica independente que ainda não havia atingido esse nível.

"Isso ficou mais em evidência principalmente com a ida da Islândia para essas competições. Depois de disputarem uma Euro e uma Copa, fez a Finlândia acreditar que é possível”, afirma o ex-atacante catarinense Rafael Vieira, 41, que iniciou a carreira por lá e se tornou o segundo maior artilheiro da liga finlandesa.

A gélida Finlândia, com excelentes índices de qualidade de vida e 5,5 milhões de habitantes, havia chegado perto nas eliminatórias do Mundial de 2010 e da Eurocopa de 2008, liderada pelo meia Jari Litmanen e pelo zagueiro Sami Hyypiä, campeões europeus no Ajax (HOL) de 1995 e no Liverpool (ING) de 2005, respectivamente.

Rafael Vieira acredita que aquela safra se qualificou por ter se transferido cedo ao exterior. “Inclusive com outra mentalidade em relação ao futebol.”

“Os melhores jogadores não formam necessariamente o melhor time, mas essa foi realmente a ‘geração de ouro’ do futebol finlandês. Tive o privilégio de jogar com eles. Eram incríveis e pude aprender”, ressalta Sparv.

Técnico da primeira seleção finlandesa a se classificar para o Campeonato Europeu Sub-21, em 2009, Markku Kanerva, 55, treina a equipe principal desde 2016. Em 2018, obteve a promoção da terceira à segunda divisão da Liga nas Nações, em grupo com Grécia, Hungria e Estônia.

“Nossos resultados têm sido bons há três anos, então nosso sucesso recente não é surpresa para mim. Uma estratégia de longo prazo, um plano tático claro e simples, um ambiente seguro onde os jogadores se atrevem a correr riscos, jogadores antigos elevando seu jogo e os novos trazendo energia e confiança”, avalia Sparv.

“Nossa mentalidade mudou. Estamos mais confiantes do que nunca.”

Quase todos os convocados atuam em clubes estrangeiros. Sparv e Vieira destacam o atacante Teemu Pukki, 29, do Norwich (ING), lanterna da Premier League, autor de dez dos 16 gols finlandeses contra Itália, Grécia, Bósnia-Herzegovina, Armênia e Liechtenstein nas eliminatórias.

O sucesso da seleção é uma aposta para alavancar o futebol doméstico. “Tem um papel fundamental nesse desenvolvimento e eles realmente se prepararam para alcançar o cenário europeu. Isso traz o país junto, faz com que as crianças se interessem mais pelo esporte e comecem a idolatrar jogadores nacionais e, naturalmente, se interessar pela liga”, atesta o meia gaúcho Lucas Kaufmann, 28, do Honka, que se profissionalizou na Finlândia, aos 19.

“Tem tido uma melhora e muitas crianças com interesse no futebol. Investimento crescente tem sido feito, e muitos vêm melhorando suas estruturas”, acrescenta Vieira, que cobra melhor preparo de treinadores para as categorias de base.

A seleção finlandesa reproduz em muito maior escala a crescente diversidade étnica do país. Tem goleiro nascido na Eslováquia, filhos de africanos, russos, irlandeses e ingleses. Alguns jogadores são descendentes de suecos e alemães.

“Outras nacionalidades têm interesse maior pelo futebol”, argumenta Vieira.

O êxito dessa multietnicidade é importante para combater um dos grandes problemas da nação. Na Europa, são da Finlândia os piores índices de assédio e violência ligados a questões raciais.

“Acho que isso pode ajudar, sim. A gente sempre escuta alguns casos que amigos contam. Principalmente com estrangeiros quando andam sozinhos na rua à noite, agressões verbais, corporais. Algumas partidas aqui foram investigadas por causa de racismo”, afirma Vieira.

Há pelo menos 10 anos a Associação de Futebol da Finlândia mantém iniciativas institucionais contra a discriminação.

Além da população dispersa em grande parte do território, o clima dificulta a prática do futebol. “Nem todas as cidades têm estrutura adequada, portanto muitos acabam por escolher o hóquei no gelo”, diz Rafael Vieira.

Existe um veto a adiamento de jogos do campeonato nacional por causa de condições climáticas, o que exige providências como grama artificial, teto, aquecimento no estádio e no campo, para evitar congelamento.

“Por lei, é proibido jogar em condições mais frias do que -5°C. Por isso a liga não pode passar do início de novembro. Até março, durante o inverno, todas as atividades são feitas em campos cobertos, como partidas da Copa da Finlândia”, explica Kaufmann.

Não só o frio como o estilo tático foram um entrave para ele. “Todos os times defendem com os 11 jogadores, ninguém tem tempo para descansar, com muito foco em reestruturação defensiva após perder a bola, isso faz o jogo ficar mais lento, mais pensado, mais difícil de achar espaço para criar chances de gol. A parte individual e o drible ficam mais em segundo plano, o foco é penetrar as linhas de defesa com passes e movimentos corretos. A gente, no Brasil, não gosta muito, quer um jogo mais fluente, mais ofensivo”, analisa o meia.

Finlandeses comemoram a classificação para a Euro no gramado
Finlandeses comemoram a classificação para a Euro no gramado - Martti Kainulainem/Reuters

Rafael Vieira enxerga uma grande evolução desde que chegou, em 1997. Reclamava de “muito contato físico e ligação direta defesa-ataque.”

Apenas na temporada 1998/1999, um clube finlandês alcançou a fase de grupos da Liga dos Campeões da Europa. Foi o HJK Helsinki, lanterna em chave que tinha Kaiserslautern (ALE), Benfica (POR) e PSV (HOL).

Mesmo na primeira divisão, existem jogadores que possuem um segundo emprego. “Praticamente todas as equipes da segunda e terceira são semi profissionais”, informa o recém-aposentado Vieira, citando seu exemplo como atleta da Série C e funcionário do setor de reciclagem de um supermercado.

Na liga deste ano, havia 11 jogadores brasileiros em sete dos 12 times. A média de público foi de 2.650 torcedores. A capacidade dos 11 estádios usados, espalhados por 10 regiões, varia de 3 mil a 15 mil espectadores.

A Finlândia, que já pertenceu a suecos e russos, experimentou um desenvolvimento tardio, com maior industrialização após a Segunda Guerra Mundial, transformando-se em potência na produção de telefones celulares.

Seu vitorioso passado esportivo é bastante anterior a seu crescimento socioeconômico. Modalidades populares vão de esqui e patinação a lançamento de dardo ou motociclismo e automobilismo.

Sede em 1952, o país ostenta a melhor média de medalhas das Olimpíadas de Verão por habitante. A rival Suécia aparece em seguida.

Em Paris-1924, os finlandeses só colecionaram menos ouros do que os EUA. Foram 14 em atletismo e lutas. Um dos grandes atletas da história, Paavo Nurmi somou nove ouros e três pratas em corridas de longa distância nos Jogos de 1920, 1924 e 1928.

No hóquei no gelo, preferência nacional, a Finlândia sagrou-se campeã mundial em 1995, 2011 e 2019, além de oito vice-campeonatos, três terceiros lugares, duas medalhas de prata nas Olimpíadas de Inverno e quatro de bronze.

Quatro títulos de Fórmula 1 foram conquistados por finlandeses: Keke Rosberg (1982 com a Williams) –– seu filho Nico, campeão de 2016 pela Mercedes, representava sua Alemanha natal –, Mika Häkkinen (1998 e 1999 com a McLaren) e Kimi Räikkönen (2007 com a Ferrari).

O esporte nacional é o pesäpallo, chamado de beisebol finlandês. Nas nove edições da Copa do Mundo da modalidade desde 1992, a Finlândia ganhou simplesmente todas as 24 medalhas de ouro nas categorias masculina, feminina e mista. Suécia, Austrália e Alemanha são os principais adversários.

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