Com erro de arbitragem e Evair chateado, Palmeiras perdeu Mundial

Impedimento inexistente marcou derrota para o Manchester United há 20 anos

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São Paulo

O vestiário do Estádio Olímpico de Tóquio estava em silêncio quando a voz de Luiz Felipe Scolari o quebrou. De pé em frente aos jogadores, ele pediu que todos levantassem a cabeça porque o Palmeiras tinha jogado bem e teria uma nova chance no Mundial de Clubes.

A equipe brasileira havia sido derrotada minutos antes pelo Manchester United (ING) por 1 a 0. A partida, que completa 20 anos neste sábado (30), ficou marcada na memória palmeirense por motivos que vão além do placar.

Alex anotou o gol de empate, mas o lance foi anulado por impedimento inexistente, em uma época sem VAR. Poucos clubes brasileiros, em confrontos com europeus, desperdiçaram tantas oportunidades para marcar.

Paulo Nunes passa pelo francês Mikael Silvestre durante o Mundial de Clubes de 1999, entre Palmeiras e Manchester United
Paulo Nunes passa pelo francês Mikael Silvestre durante o Mundial de Clubes de 1999, entre Palmeiras e Manchester United - Kimimasa Mayama-30.nov.99/Reuters

“A bola estava na área deles o tempo todo. Não era a nossa noite. A gente atacou o jogo inteiro”, diz o centroavante Oséas, que entrou durante o segundo tempo e perdeu a melhor chance palmeirense. Após cobrança de escanteio, a bola sobrou para ele na pequena área. O centroavante chutou em cima do goleiro australiano Mark Bosnich.

O Palmeiras passou quase seis meses pensando no Manchester United. A equipe inglesa venceu a Champions League na mesma data em que o futuro adversário derrotou o River Plate (ARG) na partida de volta da semifinal da Libertadores: 26 de maio de 1999. O placar de 3 a 0 foi uma das maiores atuações do time de Felipão, que depois conquistaria o título nos pênaltis diante do Deportivo Cali (COL).

O clube britânico viajou para o Japão envolvido em polêmica. Pressionado pela Federação Inglesa para aceitar participar da primeira edição do novo Mundial de Clubes, que seria realizado no Brasil em janeiro de 2000, o United queria o direito de entrar de forma direta na 5ª fase da Copa da Inglaterra, o torneio  mais antigo do planeta. Como o pedido foi negado, abdicou da competição.

Havia também a discussão, comum na América do Sul até hoje, sobre o representante europeu levar a sério ou não a partida. Os jogadores de Felipão deixaram o Brasil falando em “jogo da vida”. Quando terminou, os vencedores comemoraram de forma discreta, com batidas de mãos e tapinhas nas costas.

“Levamos a sério porque Sir Alex [Ferguson, o técnico] jamais permitiria que encarássemos de outra maneira. Ele nos mataria no vestiário. Mas é claro que para nós não era uma final de Champions League. São coisas bem diferentes”, afirma Denis Irwin, lateral esquerdo titular no confronto em Tóquio e jogador do United de 1990 a 2002.

A derrota no Japão ainda marca o Palmeiras 20 anos depois. Algo que vai além da ironia dos rivais de que o clube “não tem mundial”. A piada não existia na época e só se tornou popular a partir de 2012, quando o Corinthians foi campeão da Libertadores e pôs fim à zombaria de que não conquistava a copa continental.

“Eu nunca [mais] pensei nesse jogo. O que me lembro é ter deixado o Alex na cara do gol no lance em que só o bandeirinha viu impedimento. Recordo também que criamos muitas chances”, diz Evair, artilheiro de 127 gols pelo time, bicampeão brasileiro, paulista (1993 e 1994), da Copa do Brasil (1998) e da Libertadores, à Folha.

Ele ainda se aborrece com esta final duas décadas depois. A persistente melancolia não se deve apenas ao resultado. É por ter ficado no banco de reservas e entrado aos 9 minutos do segundo tempo.

“Eu já imaginava que não seria titular por tudo o que aconteceu na Libertadores. Na decisão [diante do Deportivo Cali] já não havia sido titular. Também teve a contratação do [colombiano] Asprilla, que ninguém entendeu. Fiquei bem chateado mesmo. Era a partida em que eu poderia encerrar a carreira no dia seguinte”, completa.

Os 36 minutos em Tóquio foram os últimos de Evair com a camisa do Palmeiras. Depois ele passou por São Paulo, Goiás, Coritiba e Figueirense antes de se aposentar.

Oséas, Cléber e outros jogadores daquele elenco afirmam que estavam todos preparados para o Manchester United. Eles haviam assistido a vídeos e mais vídeos das jogadas do rival e como saíam os seus gols.

“A gente estava pronto para anular as jogada deles. Uma delas era o cruzamento do Giggs no primeiro pau”, disse Marcos na época.

Quando o meia-atacante saiu desse script, não houve resposta. Ele levantou a bola na segunda trave e Marcos a esperava no local alertado por Felipão. O volante Roy Keane completou para o gol vazio.

“O Palmeiras não tem mundial por minha causa”, o goleiro constatou 20 anos depois, para o canal Desimpedidos, do Youtube.

Um dia antes do jogo, a mãe do jogador, Antônia Reis, havia dito até aceitar a derrota. Seu único medo era o filho cometer uma falha que comprometesse o resultado.

O lance decisivo saiu pelo lado esquerdo mas, na noite anterior à partida, o lateral Júnior estava aterrorizado com a possibilidade de o Manchester United vencer em lançamentos de David Beckham pela direita. Chegou a pensar em não entrar em campo, contou César Sampaio para a ESPN Brasil.

Ryan Giggs ganhou o carro Toyota (patrocinadora) da competição para o melhor em campo. Era o veículo que, nos dias anteriores, os jogadores do Palmeiras especulavam qual deles receberia, talvez pelo gol do título.

Apesar das palavras motivadoras de Scolari, a equipe não voltou ao Mundial desde então. Chegou perto no ano seguinte, quando perdeu na final para o Boca Juniors (ARG). Caiu também nas semis para o mesmo adversário em 2001 e 2018.

Nunca o Palmeiras esteve tão perto da conquista do que há 20 anos, na noite fria de Tóquio, manhã no Brasil. A constatação de que a importância da vitória não era a mesma para o Manchester United aconteceu no mês seguinte, quando o elenco do clube britânico estava no Rio de Janeiro para a disputa de um Mundial em que o elenco passou mais tempo na praia e em boates do que em campo.

Um torcedor (provavelmente de um rival palmeirense) encontrou Roy Keane e o agradeceu pela vitória no Japão. Diante da pergunta de como se sentiu ao fazer o gol do título, o eternamente mal-humorado irlandês não respondeu nada. Apenas bateu a mão no bolso.

Referia-se ao prêmio em dinheiro pela conquista.

FICHA TÉCNICA
Manchester United 1x 0 Palmeiras
Estádio Nacional de Tóquio, 30.nov.1999
Gol: Roy Keane aos 36' do 1º tempo
Manchester United: Bosnich; G.Neville, Stam, Sylvestre, Irwin; Butt, Keane, Scholes (Sheringham aos 30' do 2º tempo), Beckham, Giggs; Solskjaer (Yorke no intervalo)
T: Alex Ferguson
Palmeiras: Marcos; Arce, Júnior Baiano, Roque Júnior, Júnior; Cesar Sampaio, Galeano (Evair aos 9 do 2º tempo), Zinho, Alex; Asprilla (Oséas aos 11 do 2º tempo), Paulo Nunes (Euller aos 32 do 2º tempo)
T: Luiz Felipe Scolari

O Palmeiras tem título Mundial?

O clube considera a conquista da Copa Rio de 1951 como um título mundial. Em 2014, ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo, o Palmeiras contou com lobby do então ministro do esporte, o palmeirense Aldo Rebelo, e recebeu um fax enviado pelo secretário-geral da Fifa à época, Jérôme Valcke, reconhecendo a competição como o primeiro título mundial de clubes da história. Em 2017, porém, o conselho da Fifa homologou somente a Copa Intercontinental, disputada entre 1960 e 2004, como um título mundial, a exemplo do Mundial de Clubes organizado pela Fifa a partir de 2000. O conselho não considerou a Copa Rio, torneio realizado no Brasil em 1951 e 1952, como mundiais.

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