Descrição de chapéu Pan-2019 Copa América

Primeiro ídolo negro do Uruguai foi campeão no futebol e no atletismo

Artilheiro da Copa América de 1916, ele conquistou ouro em evento embrião do Pan

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São Paulo

O elenco de 23 jogadores da seleção de futebol uruguaia que veio ao Brasil para a disputa da Copa América de 2019 não tinha nenhum atleta negro. Isso contrasta com o fato de que o primeiro artilheiro da história da competição, na longínqua edição de 1916, foi justamente um negro uruguaio.

Bisneto de escravos africanos do Lesoto, um pequeno pais ao sul do continente africano, Isabelino Gradín nasceu em 1897 no bairro de Palermo, em Montevidéu, local que costumava abrigar imigrantes que chegavam para tentar se assentar na capital do país.

Foi revelado pelo Peñarol (URU) e, com apenas 19 anos, estreou com a camisa celeste –​primeiro negro a representar uma seleção nacional na América do Sul.

O uruguaio Isabelino Gradín
O uruguaio Isabelino Gradín foi o primeiro ídolo negro da história do futebol uruguaio - Club Atlético Peñarol/Divulgação

Na Copa América de 1916, disputada na Argentina, fez dois gols nos 4 a 0 da estreia contra o Chile e a delegação rival protestou contra a presença de Gradín. Segundo eles, o Uruguai teria "escalado dois africanos". Além dele, seu colega Juan Delgado também era negro. A reclamação foi rechaçada pela organização da competição, mas não seria a última vez que Gradín receberia resistência por parte dos chilenos.

No jogo seguinte, contra o Brasil, o jogador empatou a partida depois de Arthur Friedenreich ter aberto o marcador. O uruguaio Tognola anotou o segundo gol e deu a vitória aos celestes. Na decisão (pois eram apenas três jogos), o empate em 0 a 0 com a Argentina deu ao Uruguai o título da primeira Copa América, que ainda não tinha nem troféu para ser entregue ao campeão. Isabelino Gradín acabou o torneio como artilheiro, autor de três gols.

Rápido, forte fisicamente e habilidoso, ganhou o carinho de torcedores uruguaios, intelectuais e artistas. O poeta peruano Juan Parra del Riego dedicou-lhe um poema chamado "Polirritmo dinâmico".

O escritor uruguaio Eduardo Galeano foi outro que emprestou suas palavras para eternizar na literatura a figura de Gradín, campeão uruguaio de 1918 e 1921 com Peñarol e de uma segunda Copa América com o Uruguai, em 1917.

"As pessoas se levantavam quando ele se lançava numa velocidade espantosa, dominando a pelota como quem caminha, e sem se deter evitava os adversários e arrematava na corrida. Tinha cara de santo e quando fazia cara de mau, ninguém acreditava", escreveu Galeano, em texto no livro "Futebol ao Sol e à Sombra".​

A velocidade do ponta direita, para deleite do esporte uruguaio, não foi emprestada somente ao futebol. Isabelino Gradín era também um prodígio no atletismo. Conquistou medalhas de ouro em Campeonatos Sul-Americanos nos 200 m, 400 m e no revezamento 4 x 400 m.

Mas foi em 1922 que o atleta alcançaria sua principal glória na modalidade. Celebrado no Rio de Janeiro em função do centenário da Independência do Brasil, os Jogos Latino-Americanos surgiram naquele ano como embrião do que hoje são os Jogos Pan-Americanos, que chegaram à sua 18ª edição com o torneio de Lima, em 2019. 

Aquela foi a primeira vez que o Brasil recebeu um evento esportivo internacional e multidisciplinar. Na cidade do Rio de Janeiro, o Fluminense emprestou suas instalações para a maioria das modalidades. O atletismo, por exemplo, foi disputado na pista atlética do estádio das Laranjeiras, onde Gradín esteve três anos antes, como futebolista, para a disputa da primeira Copa América no país. Campeão nos 400 m, mostrou no revezamento 4 x 400 m que era um multiatleta.

"Ao sair em notória desvantagem, sendo o último em tomar o bastão, correu de maneira extraordinária com o apoio do público para ganhar de forma incrível a prova no estádio do Fluminense. Tão incrível foi a vitória, que os protestos não se fizeram esperar, alegando que o público havia influenciado no resultado", escreve o jornalista uruguaio Pablo Aguirre Varrailhon no livro "Un fútbol de leyenda", que conta a história da seleção celeste.

A reclamação foi feita, como já acontecera previamente na carreira de Gradín, pelas autoridades da delegação chilena. O público invadiu a pista durante a prova do revezamento, conforme registro do livro "Jogos Olímpicos Latino-Americanos - Rio de Janeiro 1922", uma realização da Confederação Brasileira de Atletismo e escrito pelo historiador argentino César Torres.

"A pista foi invadida pelo público, o que perturbou a corrida, acabando os juízes por não registrar os tempos. Novamente a delegação do Chile (quem mais?) aproveitou para protestar e a prova foi cancelada", diz o relato.

A reclamação, diferentemente da Copa América de 1916, foi tomada em consideração, e os resultados do atletismo em geral foram cancelados. Só em 2012, em reunião do Consudatle (Congresso da Confederação Sul-Americana de Atletismo), 12 dos 13 países pertencentes ao órgão, incluindo o Chile, votaram pela revalidação dos resultados da modalidade.

Isabelino Gradín jogou futebol até 1929. Não participou do ouro olímpico uruguaio em 1924, em Paris, porque o Peñarol fazia parte de uma federação dissidente da Associação Uruguaia de Futebol. Em 1928, no bicampeonato olímpico da seleção, não viajou a Amsterdã porque considerava que, aos 30 anos, deveria dar chance a atletas mais jovens.

Aposentado, viveu na pobreza até sua morte, em 21 de dezembro de 1944. Já no hospital, tinha um último desejo: que os jogadores do Peñarol ganhassem o Campeonato Uruguaio. No dia 17, a equipe venceu o rival Nacional por 3 a 2, no segundo jogo da final, para garantir o título.

Como presente, os atletas levaram a taça a Gradín, campeão uma última vez.​

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