As pessoas têm pressa de construir e destruir ídolos, diz Prass

Ao deixar o Palmeiras após sete anos, goleiro afirmou que não saiu como gostaria

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São Paulo

Um dos grandes ídolos da história do Palmeiras, o goleiro Fernando Prass, 41, despediu-se do clube nesta semana. Sem ter o seu contrato renovado, ele buscará uma nova equipe após defender o time alviverde nos últimos sete anos.

Apesar do longo tempo de casa, o atleta não a deixa da forma como gostaria. Mesmo veterano, ele acredita que ainda teria mais a entregar ao time, além das atuações decisivas nas conquistas de dois Brasileiros (2016 e 2018) e da Copa do Brasil (2015).

Por decisão do ex-diretor de futebol do Palmeiras Alexandre Mattos, a diretoria preferiu renovar o contrato de Jaílson, 38, para ser o reserva imediato de Weverton, 31.

Em entrevista à Folha, Prass fala sobre sua chegada ao Palmeiras, "quando ninguém queria" ir para o time, a dificuldade de engajamento dos jogadores de futebol do Brasil e a necessidade que torcedores demonstram de formar opiniões cada vez mais rapidamente sobre os atletas.

"As pessoas têm pressa de construir e destruir ídolos", diz.

Fernando Prass com a camisa do Palmeiras, clube que ele defendeu de 2013 a 2019
Fernando Prass com a camisa do Palmeiras, clube que ele defendeu de 2013 a 2019 - AFP

Como é se reconhecer na figura de ídolo do Palmeiras? Enquanto você está jogando, é difícil ter essa percepção. Você ganha, é elogiado, perde, é criticado. Mas, agora, quando decretou a minha saída, fiquei impressionado com a repercussão. Agora que eu estou percebendo melhor o carinho que a torcida tem por mim.

Qual o maior orgulho que você tem de sua passagem pelo Palmeiras e do que você mais se arrepende? O maior orgulho foi ter vindo para o clube quando ninguém queria [em 2013, quando o time disputou a Série B]. Hoje, é fácil para o Palmeiras convencer o cara a vir jogar aqui. Aliás, agora é o cara que tem de convencer o Palmeiras a contratá-lo. E não me arrependo de nada, tenho a consciência tranquila. Eu fiz o máximo que pude, fui no meu limite.

Quando revelou que deixaria o clube, você disse que não sai como gostaria. Por quê? Não saio da maneira que eu queria porque eu queria ficar aqui. Minha ideia era continuar ao menos mais um ano.

Acredita que pode jogar em alto nível por mais quanto tempo? Quando você chega a uma certa idade, até por respeito ao clube, não vai dizer que vai jogar por mais dois ou três anos. Mas mais um ano eu jogo tranquilamente.

Na sua opinião, o futebol brasileiro carece de ídolos que possam ser também referências fora de campoHoje se fala muito superficialmente em ídolo. O cara pode ser um craque dentro de campo e não ser ídolo. Não tem uma fórmula ou um perfil, cada pessoa tem a sua maneira, e aí vai da empatia. Têm pessoas com uma postura excelente, grandes jogadores, mas que não têm a química com a torcida. 

No futebol brasileiro atual, vê outros ídolos semelhantes a você? O D'Alessandro, no Inter. O Geromel, no Grêmio. 

Você citou dois jogadores acima dos trinta anos. Experiência faz parte dos requisitos para ser ídolo? É difícil encontrar um ídolo novinho. Para falar em ídolo mesmo o cara tem de construir uma história. Não dá para pegar um menino e dizer que ele é ídolo. Você vai estar sendo leviano. Precisa de um tempo para consolidar uma idolatria.

Existe uma ansiedade por encontrar novos ídolos, que gera pressão e cobrança sobre alguns jovens? O mundo está mudando. Hoje é tudo mais rápido. A informação se transmite mais rápido, então a necessidade de criar conceitos e dar opiniões é instantânea. As pessoas têm pressa de construir e de destruir ídolos também.

Como alguém que fez parte do Bom Senso, acredita que o movimento deixou um legado para formar atletas mais engajados? É complicado isso [ser engajado]. Tem de ser persistente. Eu mesmo sofri com isso. Teve uma situação em que um comentarista chegou a dizer que eu era um sindicalista de araque. Muitas vezes o jogador é criticado nas duas pontas. Ele é criticado se não fala, dá as mesmas respostas, não se posiciona. E, às vezes, quando o atleta opina, os caras reclamam: 'esse cara tem de jogar futebol, não tem de ficar dando opinião'. Por isso esse receio que alguns atletas têm.

Além desse receio, falta iniciativa? Falta. O jogador que tem essa visibilidade é o jogador que está na Série A. Às vezes, ele está muito acomodado. Coisas como a mudança no calendário, briga por um piso salarial, por melhores condições de trabalho, por um caderno de encargos que um clube tem que ter para ser profissional, não vai afetar ele [jogador de Série A]. Vai afetar um amigo dele, um parente, mas as pessoas entram em uma zona de conforto que é difícil de sair. O jogador hoje também é muito blindado. Isso dificulta que ele tenha uma noção da realidade que o resto da categoria vive.

 

Você almeja se tornar um dirigente e tentar mudar as coisas que citou? Eu não tenho nada definido. Muito provavelmente, eu vou ficar no meio do futebol. Não me vejo hoje trabalhando dentro do campo. Não tenho ambição de ser técnico. Eu iria mais para fora do campo.

Clubes grandes aceitam profissionais em cargos diretivos com as suas ideias? Pelas ideias, sim. As ideias que eu tenho e que eu defendo não são nada contra ninguém. Pelo contrário, as ideias que eu defendo são para ajudar os clubes. Ajudando o clube, a gente ajuda diretamente quem está trabalhando nele.

Em entrevista à Folha em 2018, você comentou que, na situação financeira dos clubes, se eles fossem empresas, estariam à beira da falência. Como vê essa possibilidade hojeAlguns têm uma dívida grande, mas também têm receitas grandes. Então, conseguiriam se equilibrar. E tem de ver, ainda, o tipo de dívida. Podem existir dois times com uma dívida de R$ 500 milhões, mas um ter uma dívida boa e o outro, uma ruim. Uma dívida ruim pode ser de curto prazo, de besteira, em dinheiro jogado fora. Outro pode ter uma dívida longa, mas que é boa, investida em ativos do clube, como jogadores, estrutura, estádio, geração de receita. Tem que ter regras básicas para os clubes seguirem. Hoje, os clubes ficam muito reféns da boa índole dos presidentes.

Você tem estudado administraçãoDurante toda a minha carreira, eu sempre estudei. Fiz dois anos de Educação Física, curso de gestão, tudo online, durante as concentrações. Hoje eu faço [curso de] Administração. Faltam dois anos para acabar. Tem jogador que reclama que a gente fica muito tempo concentrado, sem fazer nada, mas só fica sem fazer nada quem quer.

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