Para time de desempregados, amistoso se transforma em jogo da vida

Jogadores sem clube tentam recolocação no futebol em equipe do sindicato

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Luís Esídio, o Ferrugem, ora antes de amistoso pelo time do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo

Luís Esídio, o Ferrugem, ora antes de amistoso pelo time do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo Danilo Verpa/Folhapress

São Paulo

Luís Esídio, 26, o Ferrugem, ouviu sugestão de que a alternativa para ficar em um clube de uma liga regional da Espanha era casar para obter o visto de trabalho. O presidente do Real Noroeste, no Espírito Santo, descartou suas reclamações de incômodo muscular com o argumento que dor mesmo era “levar uma patada de boi no joelho”.

Basta pedir que ele resuma sua trajetória no futebol para o lateral-esquerdo empilhar histórias de tentativas e quedas quando parecia que tudo ia bem.

“Eu fiquei pensando se não era melhor parar, porque sempre que estava para engrenar, acontecia alguma coisa. Talvez não era para ser”, afirma.

Ele sai mancando do gramado alto do estádio Anacleto Campanella, em São Caetano do Sul, no ABC paulista. A falta de corte faz com que a bola corra devagar e exija mais de atletas que estão ali colocando o futuro em campo.

“Para eles, é só um amistoso. Nós jogamos a vida”, compara o goleiro Fabrício, 24.

“Eles” são o Água Santa, clube que em 2020 vai disputar a Série A1 do Campeonato Paulista, primeira divisão estadual. “Nós” são o Expressão, time composto por jogadores desempregados, em busca de recolocação e que recebem chance de treinar três vezes por semana e se manterem em forma. A equipe é uma iniciativa do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo.

Estádio Anacleto Campanela, em São Caetano, recebeu o jogo do Expressão contra o Água Santa
Estádio Anacleto Campanela, em São Caetano, recebeu o jogo do Expressão contra o Água Santa - Danilo Verpa/Folhapress

A ideia do amistoso em São Caetano é colocá-los na vitrine. O Água Santa aceitou o convite da entidade, que também chamou Atibaia, Juventus, E.C São Bernardo, Audax, Nacional e Hercílio Luz-SC para participar de jogos e serem observados por agentes, olheiros e treinadores de outras agremiações.

Rinaldo Martorelli, presidente do sindicato, afirma que as partidas foram ou ainda serão vistas por pessoas ligadas a equipes da Espanha, México, Estados Unidos e China. Ele caminha no gramado com pessoas que falam espanhol.

O técnico Estevam Soares chega para observar jogadores, e um dos que recebem elogios é Fabrício, o melhor em campo.

“Cansa [o processo de procurar clube]. Estava desanimado neste ano porque tive alguns problemas. Mas minha família me incentivou a continuar. Acredito até o último ponto que der”, afirma o meia-atacante Luca, 25, revelado pelo Corinthians e com passagem pelas categorias de base do Palmeiras. Ficou 15 dias no Atlético de Madrid (ESP) e diz que não permaneceu na Espanha porque o empresário que o levou não chegou a acerto financeiro com o clube.

Todos os que estão em campo pelo Expressão têm histórias parecidas de tentativas, dispensas e buscas por novas oportunidades. Serve uma ligação de amigo que está em clube da terceira divisão do Paraná ou da “Bezinha”, como chamam a quarta e última divisão do Campeonato Paulista.

“A gente recebe pedidos de indicação de jogadores porque confiam na nossa avaliação. Não mentimos. De acordo com a necessidade, com a característica do atleta, indicamos. Nós sabemos quem é comprometido nos treinos, quem quer de verdade ter uma carreira no futebol. Se não temos ninguém para indicar, não indicamos”, diz o preparador de goleiros Júlio César.

Ele cita como exemplo o goleiro Jairo, revelado pela base do São Paulo, com convocações para a seleção brasileira sub-15 e que saiu do Expressão para assinar contrato com o Imperatriz do Maranhão.

Dentro dos padrões dos jogadores que estão no elenco do sindicato, que pela idade já deveriam ter atingido o auge da carreira, Jairo é um caso de sucesso.

Há apenas um critério para ter chance de treinar no CT do sindicato e fazer parte do Expressão: comprovar ter pelo menos seis meses de experiência como jogador de futebol profissional. Antes era menos, mas começaram a aparecer casos de jovens que pagavam para ter um contrato de três meses registrado na federação estadual.

“O critério é a necessidade. Temos uma conversa com o jogador para ver se está focado, vemos quem está há muito tempo no Expressão e se não chegou a hora de dar a vez para outro”, tenta explicar Martorelli, deixando subentendido se tratar de algo subjetivo.

A experiência de montar jogos para que eles possam ser observados é um embrião para o sindicato. O projeto é criar agência própria de recolocação dos atletas no mercado.

“Quem apela para o sindicato é porque não tem empresário, o que complica mais ainda. Só estou nessa tentativa porque meus pais me dão apoio. Senão já teria desistido”, constata o goleiro Fabricio.

Goleiro Fabricio, do Expressão, é um dos tantos jogadores que buscam recolocação
Goleiro Fabricio, do Expressão, é um dos tantos jogadores que buscam recolocação - Danilo Verpa/Folhapress

Com o passar do tempo, a diferença física fica cada vez mais nítida em campo. Os jogadores do Água Santa têm mais ritmo e força muscular e criam mais chances. Funcionários do sindicato apontam, para pessoas ligadas a clubes e que estão na arquibancada, os históricos dos atletas em campo. Tentam vender o peixe:

“Aquele é o Marcão. Passou pela Polônia. Gostaram dele lá e talvez volte.”

“Esse é o Paulão. Ele tem bom toque de bola, não é?”.

Pela chance de ser descoberto, Luís Esídio até deixou em espera convite do Batatais. O novo técnico do clube é Edson Abobrão, ex-lateral direito do Corinthians e integrante da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1986. Ele é amigo do pai de Ferrugem, Nílson, ex-atacante que passou por 27 clubes, entre eles Corinthians, Palmeiras, Grêmio, Internacional e Portuguesa. 

“Eu sinto que aqui pode aparecer uma coisa muito boa para mim”, disse Esídio ao sair de campo no Anacleto Campanella, caminhando devagar. Ele não mancava por lesão. Era cãibra de tanto correr.

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