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Ciclista desenvolve método para pedalar em trilhas sem enxergar

Afetado pela retinose pigmentar, gaúcho Samuel da Luz tem apenas 3% da visão

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Lucas Weber Patricia Weber
Florianópolis

​Apenas quando chegou à praia de Tramandaí, no Rio Grande do Sul, em 2016, Samuel da Luz descobriu que era o primeiro atleta com deficiência visual a competir em uma prova de triatlo no estado.

Entrou no mar para começar a disputa animado. Para superar a dificuldade de nadar sem poder enxergar, ele desenvolveu um método adaptado, em que um companheiro de prova vai na frente com um sino preso no pé, e assim Samuel o segue pelo barulho.

"A prova foi boa, mas percebi que natação não era para mim. É difícil ficar escutando o sino com a cabeça dentro d'água, mas com a bike rola bem", diz o atleta de 26 anos.

A perda da visão foi um processo gradativo, que começou quando ele tinha dois anos. No início, os médicos diagnosticaram uma hipermetropia grave. Samuel passou a usar óculos, e acreditava-se que no futuro poderia fazer uma cirurgia para ter visão completa.

Com 11 anos, no entanto, a situação se agravou. Os resultados dos exames foram enviados à Espanha, e de lá veio a resposta: tratava-se de retinose pigmentar, doença grave que destrói as células sensíveis à luz na retina e normalmente leva à cegueira. Hoje Samuel tem 3% de visão, o que permite a ele apenas ter percepção de claridade.

Samuel da Luz, mais conhecido como Samuka, nasceu em Caxias do Sul (RS), onde viveu até os 25 anos, quando se mudou para Florianópolis. "A mudança para Floripa foi uma necessidade minha. Em 2017, eu passei de 7% de visão a 3% num período de 15 dias, e isso me abalou profundamente. Percebi que precisava me mudar para um local novo, com novas pessoas", afirma.

Durante a infância, ele passou por momentos difíceis na escola, tanto pela falta de estrutura adaptada a pessoas com deficiência visual como também pela falta de habilidade dos professores e da direção.

Além disso, sofreu muito com o bullying dos colegas, que sempre o deixavam como último a ser escolhido no time de futebol. "Em esporte com bola nunca me dei bem."

Quando fez 11 anos, ele resolveu que queria praticar motocross. Até os 17, sentia que conseguia desempenhar bem a atividade, mas foi nesse período que a doença começou a progredir. "Eu passei a ter um medo constante de perder a visão. Era um processo de perder e readaptar, perder e readaptar", relembra.

Samuka não quis desistir dos esportes de aventura, então começou a praticar mountain bike, mas também não conseguiu levar o objetivo adiante naquele momento.

Ao completar 18 anos, ele percebeu que precisava usar bengala. Foi uma transição dolorosa, que ele só aceitou devido à dor física. "Quando eu ainda não acreditava que precisava andar com ela, eu estava caminhando pela rua e me machuquei muito sério, quebrei o dedo do pé e tive que ser operado. Aí me convenci que precisava da bengala", conta.

O jovem se adaptou rapidamente ao objeto e poucos meses depois já estava praticando caminhadas em trilhas com um mochilão nas costas.

Foi nesse período que resolveu sair de casa e morar sozinho. Num primeiro momento, seus pais não queriam deixá-lo ir, pois temiam que ele poderia pôr fogo na casa a qualquer momento. Mesmo assim, mudou-se. "À medida que as coisas estavam dando certo e eu conseguia me virar bem sozinho, eles começaram a acreditar em mim", afirma.

No fim de 2015, um amigo o convidou para fazer uma viagem de bicicleta de três dias, saindo de Caxias do Sul em direção ao litoral gaúcho, só por trilhas. A partir daí, Samuka voltou a pedalar, e junto com seus colegas desenvolveu um método adaptado de mountain bike para uma pessoa com deficiência visual.

"Meus amigos tinha um cincerro, esses sinos que vão nos pescoços das vacas para que se localizem no meio do pasto. Então, ele colocou na bike dele e quase sem teste nós fomos fazer nossa primeira trip de bike com esse método. Eu ainda tinha 7% de visão, e isso ajudou, porque conseguia ver as roupas coloridas que eles usavam", conta.

Enquanto alguém vai à sua frente com o sino, um ou dois colegas vão ao lado dele indicando o caminho, avisando de alguns obstáculos ou desvios, e, quando necessário, colocam a mão nas suas costas para orientá-lo.

A última grande mudança de vida do rapaz aconteceu em Florianópolis, quando Samuka conheceu Capone, seu cão-guia. Foi um longo processo até o encontro dos dois. Eles tiveram que esperar uma fila de seis anos e passar por treinamento em retiro de 15 dias, com conteúdo teórico e prático e muitas provas.

A dupla está junta há cinco meses. Tão logo a aliança foi formada, ideias de como pedalar em companhia do novo companheiro surgiram na cabeça do atleta.

No feriado da Proclamação da República, em 2019, o grupo de pedal que desenvolveu o método adaptado se reencontrou com um novo desafio: proporcionar um passeio em que o dono levasse Capone na bicicleta.

"Nós adaptamos um carrinho feito para levar crianças na bicicleta, e deu muito certo", conta um orgulhoso Samuka. "Com o Capone, sinto que estou aprendendo a caminhar pela terceira vez."

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