Futebol americano ostenta patriotismo e causa controvérsia nos EUA

Equipes da NFL aceitaram dinheiro público para promover momentos patrióticos

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Brittainy Newman
Nova York | The New York Times

Ao meio-dia, no estacionamento do estádio em um dia de jogo do Carolina Panthers, em novembro, Dean Nass, 64, apertou um botão em seu laptop. O hino dos Estados Unidos começou a tocar. Seus amigos e família —15 pessoas no total— largaram o churrasco, a salada de batatas e as latas de cerveja e se colocaram em posição de atenção.

A família Nass não é a única a se unir em torno do futebol americano e da bandeira dos Estados Unidos, nas últimas duas décadas. A NFL fez do patriotismo parte integral do espetáculo que cerca o jogo em campo, e houve momentos em que ele se tornou foco de controvérsias, do lado de fora dos gramados.

Pessoal uniformizado das forças armadas, jatos de combate voando sobre os estádios, bandeiras que cobrem arquibancadas inteiras e o azul, vermelho e branco da bandeira enfeitando as camisas dos jogadores se tornaram parte do panorama dos jogos.

A despeito de críticas de alguns quadrantes sobre a politização do esporte, a liga continua a promover símbolos de patriotismo. Alguns times chegaram a aceitar dinheiro do Departamento de Defesa para promover momentos patrióticos durante os jogos, e a liga teve de restituir mais de US$ 700 mil depois de uma auditoria a respeito.

A maneira pela qual a liga e seus jogadores expressam patriotismo se tornou uma questão conflituosa em 2016, quando Colin Kaepernick, então quarterback do San Francisco 49ers, passou a se ajoelhar durante a execução do hino nacional americano, antes dos jogos, em protesto pela brutalidade policial contra os negros (depois de inicialmente ouvir o hino sentado no banco, ele decidiu que se ajoelharia, a conselho de um ex-soldado das forças especiais americanas).

Alguns outros jogadores seguiram seu exemplo. Em seguida, em 2017, o presidente Donald Trump causou uma tempestade política quando declarou, durante um comício político, que os donos dos times da NFL deveriam demitir os jogadores que se recusassem a ouvir o hino nacional em posição de respeito. Kaepernick, que deixou o 49ers depois da temporada de 2016, não conseguiu um lugar na NFL desde então.

O vínculo entre os esportes e o patriotismo existe pelo menos há um século. Os torcedores começaram a se levantar para saudar a bandeira durante a execução do hino nacional na World Series do beisebol em 1918.

Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, o Congresso promulgou regras, incorporadas às leis federais mas não prevendo penalidades em caso de violação, que delineiam a importância da bandeira e a maneira correta de demonstrar respeito a ela —regras que são em geral ignoradas hoje, especialmente em eventos esportivos.

De acordo com o texto, a bandeira “jamais deve ser carregada sem estar desfraldada”, jamais deve “ser usada como parte de roupas” e jamais deve “ser usada para publicidade”. Adicionalmente, parte alguma da bandeira deve ser usada como fantasia ou uniforme esportivo.

A bandeira americana próximo ao capacete dos Jaguars, em partida da NFL disputada na Flórida
A bandeira americana próximo ao capacete dos Jaguars, em partida da NFL disputada na Flórida - Julio Aguilar - 1º.dez.19/AFP

“A bandeira não deveria ser usada para publicidade”, disse David Janik, presidente da Fundação Nacional do Dia da Bandeira, uma organização consultiva em Waubeka, Wisconsin. “Mas acredito que exibir a bandeira de forma respeitosa seja sempre aceitável."

Quando a popularidade da NFL começou a crescer, na década de 1960, a organização conduziu um esforço determinado –liderado por seu então comissário, Peter Rozelle, veterano da marinha americana– para se alinhar com o patriotismo.

Em 1968, Rozelle organizou o primeiro voo de jatos militares sobre um estádio, no Super Bowl. Não demorou muito para que, além de jogadores participarem de visitas a soldados estacionados no exterior e a pacientes do hospital militar Walter Reed, guardas de honra das forças armadas e outros símbolos militares se tornassem presença constante nos maiores eventos da NFL, bem como nos de outras ligas.

O mesmo pode ser dito sobre protestos ocasionais, quer da parte de Kaepernick, quer da parte de Megan Rapinoe, a jogadora de futebol que não colocou a mão sobre o coração durante a execução do hino nacional; também houve o caso de uma cheerleader da Universidade Estadual da Geórgia que se ajoelhou durante o hino.

Os gestos patrióticos podem se estender a ações de torcedores fora dos estádios, igualmente. Em uma partida entre o Tennessee Titans e os Panthers, no começo de novembro, três adolescentes vestindo uniformes camuflados caminhavam entre os torcedores pedindo doações para a compra de coroas de flores que seriam colocadas em túmulos de veteranos de guerra.

Pelo final de novembro, cada time da NFL já havia realizado um jogo especial de “saudação aos militares”, durante o qual membros ativos e veteranos das forças armadas são convidados a assistir dos camarotes Os soldados são cumprimentados pelos jogadores, que os agradecem por seu serviço.

Durante esses eventos, estimulados pelos locutores oficiais dos estádios, os torcedores aplaudem de pé repetidas vezes o pessoal militar. Para Taira Davis, que serviu no Corpo de Fuzileiros Navais e foi policial por 20 anos, a homenagem é importante.

“De minha perspectiva, nós nunca ganhamos muito dinheiro”, disse Davis, “e por isso poder participar de algo assim é grande. É um presente especial. Ganhar ingressos de presente, assistir ao jogo e receber agradecimentos? Isso é grande."

No jogo dos Panthers, o fuzileiro naval Bart Bazquez usou seu celular para fotografar seu colega de exército, Thomas Garza, diante de uma fonte que exibia uma bandeira dos fuzileiros. “Creio que as pessoas vejam os jogadores de futebol americano como veem os militares”, disse Garza. “De longe, tratando-os como ídolos."

Havia bandeiras americanas, entre as quais uma com 23 metros de largura e 7,5 metros de altura, que soldados desenrolaram no gramado antes do pontapé inicial.

A pompa patriótica pode ter consequências inesperadas, especialmente quando o simples ato de assistir a um jogo de futebol americano se torna um ato político, como aconteceu para algumas pessoas nos últimos anos.

Davis, que serviu por oito anos no Corpo de Fuzileiros Navais como especialista em serviços de alimentação, antes de entrar para a polícia, disse que sua família por anos teve uma assinatura de TV via satélite para assistir aos jogos de futebol americano.

“Mas não temos mais a assinatura, há uns dois anos, porque os jogos se tornaram políticos demais”, ela disse. “Não dá para curtir."

Tradução de Paulo Migliacci

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