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Tóquio 2020

Sem casca de novas arenas, Estádio Olímpico de Tóquio lembra Maracanã

Principal palco dos Jogos é sóbrio, com predomínio de vegetação e madeira

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O estádio da abertura de uma Olimpíada é invariavelmente um manifesto de como um país quer se apresentar ao mundo. Bilhões de telas de computador e TV transmitem as imagens da edificação.

Diferentemente dos equipamentos esportivos construídos para a edição carioca em 2016, o governo japonês também tentou fazer da construção do Estádio Olímpico uma discussão para a própria população: o que o país quer ser?

Não foi um processo fácil. Implicou até na desistência do desenho feito por Zaha Hadid pouco antes do início das obras. Apelidado de tartaruga e elefante branco, as megalômanas formas biomórficas do projeto da arquiteta nascida no Iraque e falecida em 2016 impressionavam tanto pela estética quanto pelo extravagante custo de 2 bilhões de dólares.

O governo do primeiro ministro Shinzo Abe decidiu não demonstrar poder pela capacidade de erigir uma forma pirotécnica feita por uma diva internacional, mas sim com uma imagem de respeito ambiental e (relativa) responsabilidade no uso de meios –tanto materiais quanto econômicos– concebida pelo arquiteto local Kengo Kuma.

Sua escolha se deu em um segundo concurso disputado contra Toyo Ito, vencedor do Prêmio Pritzker (equivalente ao Nobel da arquitetura) em 2013.

Kuma apresentou um projeto muito mais sóbrio. O estádio tem uma convencional forma oval. Externamente, observam-se cinco níveis sobrepostos: caracterizam-se principalmente por uma profusão de sarrafos de madeira paralelos e inclinados (o autor diz remeter aos beirais dos antigos templos japoneses), os quais cobrem os corredores de acesso do público aos assentos.

Cabe aqui uma digressão sobre a tipologia arquitetônica em questão.

Novos estádios passaram a ter um aspecto muito distinto do que nos acostumamos com o Maracanã ou o Morumbi, nos quais de fora vemos os fundos de arquibancada de concreto, as parrudas estruturas, além de corredores e rampas para a circulação dos torcedores.

Vista aérea no novo Estádio Olímpico de Tóquio
Vista aérea no novo Estádio Olímpico de Tóquio - Kyodo - 5.jan.2020/Reuters

Feita para a Copa do Mundo da Alemanha de 2006, a Allianz Arena de Munique foi o caso de inflexão da “cara” dos estádios: deixa-se de enxergar a ossatura estrutural e passa a se admirar uma pele plástica, translúcida, hipertecnológica e iluminada de acordo com as cores do time que está jogando.

Esse projeto é do escritório suíço Herzog e de Meuron, também responsável pelo Ninho de Pássaro, o estádio olímpico de Pequim em 2008.

O exemplo mais explícito dessa tendência ainda vigente é o Santiago Bernabeu, casa do Real Madrid. Seu aspecto original de esqueleto de concreto com várias rampas cilíndricas de circulação será escondido por placas prateadas para reluzir pela capital espanhola como uma joia.

Parte considerável dos estádios em construção no Qatar para o Mundial de 2022 segue a mesma linha: a sede de Al Khor fantasia-se de tenda árabe.

Os elementos primordiais deixaram de ser expostos, tal como rezava a cartilha do funcionalismo da arquitetura moderna no século 20, para serem cobertos por peles e revestimentos pós-modernos (ou contemporâneos, tanto faz) lançados nos catálogos de produtos mais recentes.

Inaugurado no último 16 de dezembro, o Estádio Olímpico de Tóquio segue um modelo mais à antiga. Na fachada de Kengo Kuma não há casca escondendo seus triviais pilares metálicos pintados de branco que estruturam os “beirais”, os corredores e as escadas.

O que há de singular são arbustos e demais plantas que ocupam o perímetro de cada um dos quatro níveis de circulação. A moda que se está seguindo é do prédio milanês Bosco Verticale. Assim, na imagem da arena japonesa predominam a vegetação verde e a madeira.

Notável também é a cobertura do estádio composta por treliças de madeira e metal. Com partes opacas e trechos translúcidos para não gerar sombra no campo, o teto cobre os 60 mil espectadores que assistirão provas de atletismo, jogos de futebol e as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos.

A ausência da pele externa também se justifica pela ênfase na ventilação natural, a fim de reduzir o uso de energia. Muitas características do projeto de Kuma servem para justificar o rótulo da sustentabilidade.

Apresentar o respeito ao meio ambiente é uma fundamental declaração ao mundo: o problema do discurso é que 12 ONGs denunciaram o uso da madeira na construção do estádio como causa da devastação de grandes áreas de floresta tropical na Indonésia e na Malásia.

Francesco Perrotta-Bosch é crítico de arquitetura

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