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Estrela do basquete americano interrompe carreira para ajudar preso

Maya Moore deixou de jogar para defender reforma do sistema de justiça do país

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Kurt Streeter
The New York Times

Maya Moore, estrela da WNBA encarada como uma das maiores atletas do basquete feminino, ficará fora das quadras pela segunda temporada consecutiva e não disputará vaga na seleção que defenderá os Estados Unidos na Olimpíada de Tóquio, para concentrar suas atenções na campanha pela reforma do sistema de justiça criminal e pela libertação de Jonathan Irons, um homem que ela acredita ser inocente do crime pelo qual foi sentenciado a prisão.

“No momento minha vida está indo muito bem e não existe nada que eu queira mudar”, disse Moore, que é ala do Minnesota Lynx há oito temporadas, em entrevista telefônica ao The New York Times no fim de janeiro, de sua casa em Atlanta.

“O basquete não é meu interesse principal, hoje. Pude repousar e me conectar com as pessoas ao meu redor, estar de fato na companhia delas depois de tantos anos na estrada. E pude trabalhar por Jonathan."

Maya Moore em jogo pela seleção dos EUA na Olimpíada de Londres
Maya Moore em jogo pela seleção dos EUA na Olimpíada de Londres - Mike Segar - 7.ago.12/Reuters

Moore conheceu Irons, 39, em uma visita à penitenciária de Jefferson City, no Missouri, onde ele está servindo uma sentença de 50 anos de prisão por roubo e agressão armada ao proprietário de uma casa. Nascido em uma família extremamente pobre, Irons tinha 16 anos quando o incidente aconteceu, em um subúrbio de St. Louis.

O proprietário da casa, que foi atingido por um tiro na cabeça durante o assalto, depôs identificando Irons como o agressor, mas não havia testemunhos que corroborassem essa identificação, impressões digitais, pegadas, indícios de DNA ou sangue que conectassem o acusado ao crime.

A procuradoria de Justiça afirmou que Irons tinha admitido a um policial que tinha invadido a casa da vítima, uma admissão que ele e seus advogados negam veementemente. O policial interrogou Irons sem a presença de qualquer outra testemunha, e não registrou oficialmente a conversação.

Irons, que é negro, foi julgado como adulto e considerado culpado por um júri formado integralmente por brancos.

Moore chocou o mundo do basquete feminino no ano passado ao anunciar que se licenciaria por uma temporada a fim de apoiar Irons em sua tentativa de recorrer da condenação. Ela tinha apenas 29 anos, então, estava no auge de sua carreira, e deixou abertas as portas para um retorno e a busca de uma vaga na seleção olímpica que vai a Tóquio na metade do ano, e para a WNBA, onde ela comandou o Lynx na conquista de quatro títulos, desde sua estreia em 2011.

Moore disse que estava fatigada da rotina sacrificada que as principais jogadoras do basquete feminino mantêm o ano inteiro a fim de suplementar salários de cerca de US$ 120 mil por temporada –cerca de um quarto do valor que LeBron James fatura em cada jogo de temporada regular. Um novo contrato coletivo de trabalho vai aumentar os salários e elevar os benefícios das jogadoras da WNBA nos próximos anos.

Moore tentou maximizar seu faturamento jogando em ligas de outros países durante os meses do ano em que a WNBA está parada, o que não lhe permitia muito descanso. Se incluídas suas passagens pela seleção olímpica, ela vinha jogando basquete praticamente sem parar dede a adolescência.

Agora, sua decisão de ficar de fora das quadras por mais uma temporada representa um revés para o basquete feminino. As medalhas de ouro que ela conquistou nas olimpíadas de 2012 e 2016, seus títulos da WNBA e sua liderança de dois times que conquistaram títulos universitários invictos, jogando pela Universidade do Connecticut, fazem dela uma das maiores vencedoras que o basquete já conheceu.

Moore também tem um carisma que a tornou querida dos torcedores e das empresas que patrocinam o esporte. Sua ausência afetará mais que o marketing do basquete feminino.

O Minnesota Lynx, que foi derrotado na primeira rodada dos playoffs nos dois últimos anos, certamente sentirá falta de sua liderança. O mesmo vale para a seleção olímpica, que terminou derrotada pela Universidade do Oregon em um amistoso disputado em novembro.

“Sentiremos uma falta imensa de Maya, mas também respeitamos sua decisão”, disse Carol Callan, diretor da seleção feminina de basquete dos Estados Unidos. “Uma jogadora da capacidade de Maya não abandona as quadras levianamente. Todo mundo sente a mesma coisa. Aquilo que a torna tão especial é sua abordagem, sua dedicação, que sempre foi contagiante em nosso time. Sabemos o quanto ela é devotada àquilo em que acredita, e o que ela está fazendo é notável."

Maya Moore no caminho para visitar Irons na prisão em Jefferson City
Maya Moore no caminho para visitar Irons na prisão em Jefferson City - Nina Robinson - 1º.mar.19/The New York Times

Perguntada durante sua conversa com o The New York Times se ela pretendia voltar a jogar um dia, Moore parou para pensar, antes de responder. “Não acho que essa seja a hora certa de me aposentar”, ela disse. “Aposentadoria é uma coisa muito importante e existe uma maneira certa de fazê-lo bem, e o momento atual não é o ideal para mim."

Mesmo assim, ela acrescentou que “tive experiências únicas no esporte, experimentei o melhor de minha profissão, e o fiz múltiplas vezes. Não há qualquer coisa que eu desejaria experimentar nas quadras e ainda não tenha experimentado”.

A família de Moore foi apresentada a Irons por um grupo religioso que trabalha com presidiários. Ele e Moore se tornaram grandes amigos, embora ela não tenha mencionado o relacionamento de quase irmandade que os une até 2016, quando começou a fazer campanha pela reforma do sistema de justiça criminal depois de uma série de incidentes em que policiais mataram a tiros homens negros desarmados, e da morte de cinco policiais por um atirador em Dallas.

Moore, que é cristã evangélica, passou boa parte de seu primeiro ano afastada do basquete trabalhando com sua igreja em Atlanta e convivendo com sua família. Ela participou de mesas redondas e foi entrevistada diversas vezes por redes nacionais de televisão sobre Irons e sobre as mudanças que gostaria de ver no sistema de justiça, particularmente no tratamento conferido às minorias e aos pobres.

Ela viajou muitas vezes à sua cidade de origem, Jefferson City, no estado do Missouri, para reuniões com Irons e sua equipe de defesa, cujos honorários Moore ajudou a pagar. Moore e sua família também compareceram a diversas audiências judiciais nas quais o juiz Daniel Green considerou o recurso de Irons.

Jonathan Irons, que cumpre pena de 50 anos de prisão em Jefferson City
Jonathan Irons, que cumpre pena de 50 anos de prisão em Jefferson City - Nina Robinson - 1º.mar.19/The New York Times

Em outubro, apesar de protestos da procuradoria de justiça estadual, que afirmou que o caso de Irons não justificava revisão, Green ouviu quase seis horas de depoimentos sobe o caso. Moore estava lá quando Irons chegou agrilhoado ao banco de testemunhas para afirmar sua inocência e ser interrogado, algo que o defensor da procuradoria de assistência judiciária que o representou em seu julgamento original não permitiu que ele fizesse, mencionando sua juventude e seu nível baixo de educação.

Perguntado sobre o caso, um porta-voz da procuradoria geral da justiça do Missouri se recusou a comentar.

Tradução de Paulo Migliacci

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