Inglês quer organizar torneio no maior campo de refugiados do mundo

Escritor arrecadou fundos e embarcará em março para local que recebeu rohingyas

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São Paulo

Foi para o distrito de Cox's Bazar, em Bangladesh, que centenas de milhares de pessoas da minoria muçulmana rohingya fugiram em massa a partir de 2017. Estavam a 40 quilômetros da fronteira com Mianmar, país em que eram perseguidas de forma violenta pela maioria budista.

Sem capacidade de oferecer infraestrutura, o governo bengalês construiu acampamentos improvisados que, mesmo assim, não conseguiam atender à demanda.

Hoje são cerca de 950 mil pessoas que formam o Kutupalong, o maior campo de refugiados do mundo. O problema se arrasta há cerca de quatro décadas, mas explodiu com os casos de mortes e agressões a rohingyas nos últimos anos.

De acordo com a ONG Médicos Sem Fronteiras, apenas de agosto de 2017 a junho de 2018, 693 mil refugiados desta etnia deixaram Mianmar e foram para o campo de Cox's Bazar.

“Eu sei que a vida lá é muito difícil, e um dos maiores problemas é que não existem formas de entretenimento ou esportes para os jovens. Eles se sentem abandonados pelo mundo. Futebol é uma das maiores paixões que compartilham no campo e queremos oferecer alguma oportunidade”, afirma à Folha o jornalista e escritor inglês Paul Watson.

É dele a ideia de criar uma federação de futebol de rohingyas e que representantes da etnia organizem um torneio para 16 equipes dentro do campo de refugiados. Um dos "estádios" do local está no topo de uma montanha de onde se pode ver todo o Kutupalong.

Para ajudar a financiar o projeto com a compra de camisas, bolas, chuteiras e outros materiais esportivos, Watson criou um financiamento coletivo. Colocou como objetivo arrecadar 2 mil libras (cerca de R$ 11 mil) e ultrapassou a marca em menos de um mês. Ele vai embarcar para Bangladesh em março.

“Bolas de futebol são raras na região. Teremos de comprar também comida e água para os jogadores e criar situação em que os campos sejam seguros para eles jogarem. As condições atuais são muito ruins, e há risco constante de lesões”, relata, citando buracos e objetos cortantes ou até mesmo minas que estão por baixo do terreno arenoso.

Homens de origem rohingya jogam futebol em campo de refugiados em Bangladesh
Homens de origem rohingya jogam futebol em campo de refugiados em Bangladesh - Shaffur Rahman/Rohingya FA

Sem nação própria, os rohingyas se fixaram em Mianmar, um dos países de maior diversidade do mundo, onde vivem 135 etnias. Os poucos cristãos da etnia foram perseguidos duas vezes. Tiveram de fugir para o campo de refugiados e lá podem ser agredidos por não seguirem o Islã. No ano passado, seis famílias católicas tiveram de ser retiradas de Cox's Bazar por causa de intolerância religiosa.

Quando chegar ao campo, Watson pretende encontrar os jogadores que poderão fazer parte do torneio, ver a realidade da vida na região com seus próprios olhos e analisar os projetos a serem montados e mantidos a longo prazo.

Lá ele vai se encontrar pela primeira vez com Shafiur Rahman, documentarista que já esteve várias vezes entre os refugiados e montou uma equipe de dez pessoas dispostas a ajudar na organização do torneio.

“Eu tenho esperança de que se torne um torneio anual, algo que sirva para jogadores, familiares e amigos criarem uma expectativa. Quero construir algo em que o desenvolvimento do futebol signifique também sustentabilidade e esperança para todos”, diz Watson.

A vida do escritor e jornalista tem sido feita de projetos similares a esse desde 2007, quando da conversa com um amigo surgiu a ideia de se tornar técnico em um local onde não houvesse futebol.

Ele foi parar em Pohnpei, uma das ilhas da Micronésia, no oeste do oceano Pacífico. Em uma das terras com maior índice pluviométrico do mundo (chove durante mais da metade do ano) e com 70% da população acima do peso, ele conseguiu treinar uma equipe e levá-la para fazer uma excursão a Guam.

A aventura rendeu o livro “Up Pohnpei: leading the ultimate underdogs to glory” ("Para cima, Pohnpei: liderando a maior zebra para a glória") e o projeto de documentário “The Soccermen”, ainda em produção.

Um empresário que leu o livro o convidou para ser técnico de um clube recém-fundado na Mongólia. Depois disso, ele foi diretor da CONIFA (sigla para a Confederação das Associações Independentes de Futebol), que organiza a Copa do Mundo CONIFA, maior competição entre países e regiões não reconhecidas pela Fifa.

“Eu espero me envolver nesse projeto da federação de rohingya pelos próximos anos, mas também vou tentar achar outros projetos que envolvam o uso do futebol para melhorar a vida das pessoas”, finaliza Watson.

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