Seleção feminina dos EUA quer US$ 67 milhões em ação por discriminação

Jogadoras entraram na Justiça contra federação por igualdade de pagamentos

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Andrew Das
The New York Times

A Federação de Futebol dos Estados Unidos (U.S. Soccer) e as integrantes de sua seleção feminina, campeã da Copa do Mundo, propuseram soluções diferentes para pôr fim à amarga disputa salarial que resultou em um processo por discriminação, de acordo com documentos encaminhados ao tribunal na noite de quinta-feira (20).

A federação está buscando evitar o julgamento por discriminação de gênero que deve ser iniciado em breve e solicitou que o juiz encarregado do caso descarte a queixa das jogadoras. As jogadoras também solicitaram uma decisão pré-julgamento, mas em termos muito diferentes. Buscam quase US$ 67 milhões em pagamentos e indenizações.

As petições diametralmente opostas, apresentadas na noite de quinta-feira a um tribunal federal na Califórnia, demonstram a grande distância que continua a separar as jogadoras e a federação, não só quanto ao que cada lado considera justo como solução, mas também em seus conceitos básicos sobre o que constitui remuneração justa, a despeito de anos de litígios, depoimentos, campanhas de relações públicas e, em meio a tudo isso, dois títulos consecutivos do Mundial.

O juiz encarregado, R. Gary Klausner, pode optar por qualquer das duas soluções e invalidar o julgamento que ele marcou para maio. Mas embora Klausner pareça ter apoiado algumas das reivindicações das jogadoras sobre desigualdade de remuneração e condições de trabalho, ao autorizar que o caso seja julgado como ação coletiva, em novembro, tanto a federação quanto as atletas antecipam que ele permitirá que o caso prossiga para o julgamento, em lugar de decretar um vencedor.

A indenização multimilionária buscada pelas jogadoras –um grupo de dezenas de atletas que inclui estrelas como Alex Morgan e Carli Lloyd mas também jogadoras que defenderam a seleção em apenas algumas poucas partidas– seria um abalo significativo para as finanças da federação e potencialmente afetaria os gastos não só com as seleções masculina e feminina mas com o desenvolvimento de atletas jovens, treinadores e árbitros.

Megan Rapinoe em ação pela seleção americana de futebol
Megan Rapinoe em ação pela seleção americana de futebol - Jayne Kamin-Oncea - 9.fev.20/AFP

Em sua petição, e ao estimar pela primeira vez um valor financeiro para sua pedida, as jogadoras solicitaram o julgamento sumário descrevendo-o como uma solução simples, “um dos raros casos” nos quais elas têm direito a prevalecer porque suas queixas de desigualdade de remuneração e discriminação de gênero estão explicitadas em seus contratos com a federação.

“Não existem questões factuais genuínas que impeçam que as questões centrais sobre a discriminação salarial pela federação sejam decididas em favor das queixosas imediatamente”, escreveu o advogado que comanda a equipe que representa as jogadoras, Jeffrey Kessler.

Afirmando que as ações da federação representavam violação clara das leis federais, especificamente da lei de igualdade salarial, um especialista contratado pelas jogadoras calculou o valor de US$ 66.722.148 para os pagamentos atrasados e indenização, “com quantias adicionais a serem solicitadas como indenização punitiva no julgamento de maio”.

O especialista afirmou que chegou ao valor levando em conta o desempenho, o calendário e os resultados das partidas da seleção feminina e calculando quanto as jogadoras teriam ganhado sob os valores distintos estipulados para a seleção masculina dos Estados Unidos.

Cálculos como esse, argumenta a federação americana de futebol há muito tempo, são imprecisos e injustos porque incluem bonificações por participação em Copas do Mundo pagas pela Fifa, a organização que comanda o futebol mundial, cujos valores são muito mais altos no caso da masculina.

Para sustentar seu caso, o advogado das jogadoras citou comentários der Carlos Cordeiro, o atual presidente da federação, e de seu predecessor, Sunil Gulati, afirmando que eles eram prova de que a federação era culpada de decidir questões com base em diferenças de gênero.

A petição da federação rebate com uma citação de Megan Rapinoe, meio-campista que é uma das estrelas da seleção feminina e uma das mais ardorosas defensoras da causa das atletas.

Na citação, ela elogia o apoio que a federação oferece há muito tempo para o futebol feminino em geral e para a seleção feminina especificamente e disse que comparar os trabalhos de homens e mulheres era como “comparar maçãs a laranjas”.

Em sua petição, a federação argumenta —como já o fez em outros fóruns, ainda que quase sempre de um modo desajeitado— que os homens e as mulheres que defendem as seleções americanas são grupos separados, que fazem trabalhos diferentes, e que quaisquer disparidades na remuneração resultam diretamente de acordos coletivos separados, negociados por cada um dos times.

“Como resultado do processo de negociação coletiva, as jogadoras da seleção feminina obtiveram diversas vantagens contratuais de que os membros da seleção masculina não desfrutam em seu contrato”, afirmou a federação, mencionando, entre outras coisas, salários garantidos às jogadoras em seus clubes, benefícios maternos e creche e uma indenização quando elas deixam o time.

A federação também apontou que as jogadoras há muito priorizam –como fizeram em seu mais recente contrato coletivo, negociado em 2017– um sistema de remuneração que enfatiza a segurança, em forma de salários garantidos, de preferência a recompensas potencialmente mais altas em forma de bonificações, o sistema usado pela seleção masculina.

Os advogados da federação argumentam que permitir que um júri reescreva o contrato coletivo de trabalho das queixosas de forma “retroativa e seletiva” contrariaria a lei ao lhes oferecer uma recompensa maior “quando elas jamais quiseram assumir um risco maior”.

De fato, argumenta a federação, as jogadoras da seleção feminina receberam milhões de dólares a mais da federação do que os jogadores da seleção masculina, nos últimos anos: as mulheres receberam US$ 37 milhões, se incluídos seus salários nos clubes, e os homens US$ 21 milhões.

Mas esse cálculo também é enganoso: as jogadoras ganham seu salário nos clubes ao jogar dezenas de partidas a mais do que os homens jogam pela seleção, e o cálculo abarca um período que –convenientemente para a federação– viu a seleção feminina receber dois prêmios multimilionários da Fifa por vencer a Copa do Mundo, enquanto a seleção masculina ficou de fora da Copa do Mundo de 2018 e não recebeu bonificação alguma.

Como em 2016, as jogadoras da seleção feminina, ao levar seu caso adiante, correm o risco de ver sua batalha pela igualdade de remuneração afetar seus preparativos para a Olimpíada de Tóquio.

Os Estados Unidos se qualificaram para os Jogos ao vencer um torneio regional, no começo do mês. Em março e abril, a seleção jogará diversos amistosos contra rivais que também estão a caminho do Japão –entre os quais Inglaterra, Japão, Brasil e Austrália–, e tudo isso enquanto as jogadoras, unidas em sua batalha pela igualdade na remuneração, entram em disputa umas contra as outras para garantir uma das 18 vagas na equipe.

Se o juiz Klausner não aceitar qualquer das duas petições por julgamento sumário, as duas partes se defrontarão em seu tribunal a partir de 5 de maio.

Tradução de Paulo Migliacci

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