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Sharapova diz que teimosia a mantinha em ação por motivos errados

Para russa recém-aposentada do tênis, ignorar dores só lhe trouxe mais dor

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Christopher Clarey
The New York Times

Para compreender por que Maria Sharapova está se aposentando do tênis profissional aos 32 anos, ajuda saber o que ela já não consegue suportar.

“Vejo fotos que me mostram em movimento logo antes de acertar a bola, quando estou no ar ou quase fazendo contato”, ela disse na terça-feira (25), “e mal consigo olhar, sinto um calafrio. Tenho muita dor”.

Nos últimos dois anos, a dor vem sendo companheira constante de Sharapova, antiga número um do ranking mundial do tênis feminino e uma das atletas mais ricas e mais reconhecíveis internacionalmente no esporte do século 21. No entanto, ela não conseguiu voltar à sua melhor forma depois de uma suspensão por usar uma substância proscrita, em 2016.

Desde então, teve de enfrentar problemas recorrentes nos tendões de seu ombro direito e uma inflamação em seus antebraços que em determinados momentos torna dolorosamente difícil para ela até segurar a raquete, quanto mais disparar um forehand.

Mas ela não desistiu por falta de persistência. Em sua opinião, o caso é exatamente o oposto.

“Como vocês devem ter visto durante toda minha carreira, acredito, minha perseverança sempre foi minha principal arma, minha maior força”, ela disse em entrevista. “Mas comecei a sentir que estava se tornando uma fraqueza, porque a teimosia que mantinha em ação estava me mantendo em ação pelos motivos errados."

Ela foi suspensa em 2016 por usar meldonium, um medicamento para pacientes cardíacos proscrito naquele ano, que Sharapova disse que usava há muito tempo por conta de uma deficiência de magnésio, tonturas e um histórico de diabetes em sua família.

Ela afirmou não estar ciente de que o meldonium havia sido acrescentado à lista de substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidoping (Wada). Sua suspensão foi reduzida de dois anos para 15 meses, depois de um recurso, e um painel de arbitragem determinou que Sharapova não podia ser considerada como “intencionalmente dopada”.

Sharapova descartou recentemente a possibilidade de uma nova cirurgia no ombro, mas jogar ignorando a dor só causou mais dor. Seu retorno às quadras durou duas temporadas e terminou com uma derrota para Donna Vekic, 19ª no ranking do tênis feminino, na primeira rodada do Australian Open, em 20 de janeiro. No fim, Sharapova disse que a única coisa que sentia era um “peso” esmagador.

Maria Sharapova num dos últimos jogos da carreira, no torneio Kooyong Classic, em Melbourne
Maria Sharapova num dos últimos jogos da carreira, no torneio Kooyong Classic, em Melbourne - William West - 16.jan.20/AFP

“Nos últimos seis meses, passei 14 horas por dia cuidando do meu corpo”, ela disse. “Antes de entrar na quadra a cada dia, sou amarrada a tipo uma máquina de ultrassom, outra máquina, ou uma unidade de recuperação."

Atleta russa de 1,88 metro de altura, acostumada a pontuar suas cortadas rentes à rede com gritos agudos, Sharapova fez uma das jornadas mais extraordinárias do mundo do esporte. Se não fosse pelo desastre nuclear de Tchernobil, ela certamente não seria uma estrela do tênis.

Seus pais, Yuri e Yelena, viviam em Gomel, hoje parte de Belarus, em abril de 1986, quando o reator explodiu em Tchernobil, uma região vizinha. Eles terminaram fugindo para Nyagan, na distante Sibéria, onde foram morar perto de parentes. Sharapova nasceu lá em abril de 1987, mas Yuri logo transferiu a família para a ensolarada Sochi, no Mar Negro, onde ele descobriu o tênis, uma paixão que transmitiu à sua filha única.

Em 1993, quando Maria tinha seis anos e a Rússia soviética estava vivendo tumultos, ela e o pai se mudaram para a Flórida com menos de US$ 1 mil no bolso de Yuri. Martina Navratilova havia percebido o potencial de Sharapova em uma clínica de tênis em Moscou e recomendado que ela treinasse no exterior.

Foi, em retrospecto, uma aposta louca. Sharapova, que passou mais de dois anos sem ver a mãe por conta de restrições na concessão de vistos pelos Estados Unidos, demonstrou grande determinação, ímpeto e talento, enquanto galgava as fileiras do tênis na IMG Academy, em Bradenton, Flórida.

“A coisa de que mais me lembro, quando a vi pela primeira vez, foi sua concentração nos treinos, como se cada bola fosse a jogada decisiva no torneio de Wimbledon”, disse Max Eisenbud, que se tornou seu agente.

Sharapova se tornou estrela mundial em 2004, ao conquistar o título de Wimbledon aos 17 anos, batendo Serena Williams, então a líder do ranking, em uma final acirrada.

Sharapova conquistou um total de cinco títulos de Grand Slam, entre os quais o US Open em 2006, o Australian Open em 2008 e Roland Garros em 2012 e 2014, a despeito de o saibro ser o piso de que menos gosta.

“Sinto-me com o uma vaca patinando no gelo”, ela disse sobre jogar no saibro, em 2007, demonstrando um senso de humor que muitas vezes ficava escondido nas quadras, quando ela batia adversárias com jogadas simples e eficientes, e evitava formar elos com as colegas para se manter competitiva.

Sharapova conquistou um total de 36 títulos de simples, uma medalha de prata olímpica na categoria simples, em 2012, e o título da Fed Cup, com a equipe da Rússia, em 2008. Sua primeira passagem pelo posto número um do ranking aconteceu em agosto de 2005, e ela passou um total de 21 semanas ocupando a posição em sua carreira.

Mas seria possível argumentar que suas marcas mais indeléveis foram deixadas fora das quadras. Por 11 anos consecutivos, ela foi a atleta mais bem paga do esporte feminino mundial, de acordo com a revista Forbes.

A maioria de sua renda vinha de contratos de patrocínio com empresas como a Nike e a Evian. Ela criou uma empresa que fabrica doces, e a estimativa é de que tenha faturado US$ 30 milhões em 2015.

“Ela realmente ajudou o esporte, porque trouxe muita atenção a ele”, disse Bilie Jean King, uma das fundadoras da WTA (Associação do Tênis Feminino). “Ela não só foi uma grande jogadora como se saiu muito bem fora das quadras."

Depois de sua suspensão, Sharapova retornou em abril de 2017 com algo a provar. Mas encontrou resistência, porque os organizadores de alguns torneios optaram por não convidá-la a jogar, e algumas jogadoras expressavam descontentamento quando ela era chamada para jogar por convite.

Mas Sharapova não conseguiu voltar ao topo, apesar de vislumbres de sua antiga competência, incluindo uma vitória inspiradora na primeira rodada do US Open de 2017, contra Simona Halep, a cabeça de chave número dois do torneio, e um título na China em um torneio menor em outubro do mesmo ano.

A tenista russa Maria Sharapova com o troféu do Australian Open de 2008
A tenista russa Maria Sharapova com o troféu do Australian Open de 2008 - Brandon Malone - 26.jan.08/Reuters

O fato de que ela tenha conquistado menos sucesso depois da suspensão pode levar à conclusão de que, sem o meldonium, ela não se sai tão bem. Sharapova rejeita a afirmação, dizendo que já estava lutando contra lesões antes da suspensão.

Deixar de usar o meldonium afetou seus resultados?

“Zero”, ela disse, com uma carranca. “Meu ombro era um problema desde que eu tinha 21 anos."

“Essa menina não tem medo”, disse Robert Lansdorp, que a treinou na infância, quando Sharapova estreou na WTA, aos 14 anos, no torneio de Indian Wells, Califórnia, em 2002.

Muita gente ecoaria a afirmação de Lansdorp ao longo dos anos, mas ainda assim havia obstáculos que ela não conseguia superar, entre os quais Serena Williams, que, depois da derrota em Wimbledon e de mais uma derrota em 2004, jamais voltou a perder para a russa, encerrando a rivalidade entre elas com um retrospecto de 20 vitórias e duas derrotas, e ainda jogando aos 38 anos.

A era pertenceu a Williams, sem dúvida, mas Sharapova fez com que sua voz fosse ouvida, ainda assim. Agora é hora de novos desafios e novos prazeres –de passar mais tempo com o namorado, o empresário britânico Alexander Gilkes, e de colocar em prática seus planos de estudar arquitetura, a partir deste ano, e cuidar de seus negócios no ramo de confeitos.

Sharapova esquiou pela primeira vez, na semana passada, nas encostas de Montana, e enviou um vídeo a Jannik Sinner, tenista italiano em ascensão com quem ela costumava treinar e no passado era um promissor esquiador olímpico.

“Ele me escreveu dizendo que achava que eu devia continuar jogando tênis”, disse Sharapova, rindo alto.
Por enquanto, e provavelmente por bons motivos, Sharapova continua convencida de que tomou a decisão correta.

“Olha, você quer saber se eu amaria ter um sexto, sétimo e oitavo títulos de Grand Slam?”, ela perguntou. “O número parece melhor, mas a verdade é que comecei com zero, e me fiz chegar a um lugar incrível."

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