Descrição de chapéu The New York Times

Ginastas querem respostas para escândalo de abuso, não só dinheiro

Atletas americanas, como Simone Biles, buscam mais que indenizações milionárias

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Juliet Macur
The New York Times

A menos de cinco meses da olimpíada de Tóquio, a federação de ginástica dos Estados Unidos propôs um acordo legal que envolveria indenizações multimilionárias para encerrar um capítulo sombrio e doloroso no qual centenas de atletas foram agredidas sexualmente por um médico que atendia a equipe nacional americana.

Simone Biles, a ginasta mais vencedora do esporte, não aceita. O mesmo vale para Aly Raisman, também ganhadora de uma medalha de ouro olímpica, e outras vítimas que nos últimos dias exigiram respostas publicamente, uma vez mais, sobre como o médico em questão, Lawrence Nassar, pôde molestar centenas de meninas e mulheres enquanto trabalhava para a USA Gymnastics.

Isso sob observação do Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos e de muitos treinadores que, como a federação, tinham a responsabilidade de proteger as atletas.

“Eles querem varrer a questão para baixo do tapete e esperar que as pessoas esqueçam a respeito enquanto assistem à Olimpíada deste ano”, disse Raisman na segunda-feira no programa “Today”, da rede de TV NBC, a responsável pela transmissão dos Jogos nos Estados Unidos.

Raisman também acusou as organizações olímpicas de acobertamento, ainda que não tenha dito exatamente o que está sendo acobertado, porque afirmou não dispor de informação suficiente. Essa falta de informação é o coração do problema.

Detalhes sobre a oferta de acordo em valor de US$ 217 milhões apresentada pela USA Gymnastics se tornaram públicos no mês passado e incluem uma cláusula que isentaria de responsabilidade diversas entidades e pessoas envolvidas no caso, entre as quais o Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos e o antigo presidente-executivo da USA Gymnastics, Steve Penny, assim, como os antigos coordenadores da equipe americana de ginástica, Marta e Bela Karolyi.

Os pagamentos propostos às mais de 500 vítimas de Nassar variam de US$ 82,55 mil a US$ 1,25 milhão, com os valores mais altos destinados a ginastas molestadas durante Olimpíadas ou campeonatos mundiais.

Mas a proposta não parece requerer que os dirigentes federativos ou olímpicos revelem outras informações que poderiam esclarecer de que forma Nassar conseguiu atacar tantas pessoas sem qualquer espécie de fiscalização que poderia tê-lo detido. John Manly, um advogado que representa Biles, Raisman e outras vítimas, diz que isso é inaceitável.

Larry Nassar, médico condenado por abusar sexualmente de ginastas nos EUA
Larry Nassar, médico condenado por abusar sexualmente de ginastas nos EUA - Scott Olson - 5.fev.18/AFP

Houve numerosas investigações para determinar quem estava ciente das ações de Nassar, desde quando, e o que foi feito a respeito.

Um subcomitê do Congresso americano promoveu uma investigação, e o escritório de advocacia Ropes & Gray, contratado pelo Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos, realizou uma segunda.

Mas as sobreviventes afirmam que ainda não foram informadas sobre como Nassar pôde agir com tamanha impunidade ao atacá-las sexualmente sob o pretexto de lhes ministrar tratamentos médicos.

O Departamento da Justiça americano também está conduzindo uma investigação sobre abusos sexuais nos esportes olímpicos, mas não foram divulgadas informações sobre os resultados da investigação.
A falta de informação é tão preocupante para as vítimas que Biles, que está treinando para a Olimpíada de Tóquio, tem dificuldades para manter o assunto longe de seus pensamentos.

A caminho da temporada de preparação da equipe americana, ela tuitou que continuava à espera de respostas da USA Gymnastics e do comitê.

“Gostaria que AMBOS desejassem uma investigação independente tanto quanto eu e as sobreviventes desejamos. Muita ansiedade. Difícil não pensar em TUDO QUE NÃO QUERO PENSAR!!!”, a mensagem afirmava.

Em outra mensagem, ela dizia: “e ELES também não querem saber COMO tudo isso pôde acontecer, e QUEM permitiu que acontecesse, para que JAMAIS POSSA ACONTECER DE NOVO? Pessoas não deveriam ser responsabilizadas? Pergunto a quem??? Estou dividida quanto a isso”.

As reações fortes servem como indicação da distância que existe entre as atletas e os dirigentes para a solução do caso e de seus objetivos muito distintos.

As ginastas estão lutando pela divulgação do máximo possível de informação, a fim de manter a pressão pública sobre as autoridades olímpicas e a federação de ginástica e levá-las a realizar as mudanças abrangentes que poderiam restringir quaisquer abusos futuros.

Mas as autoridades esportivas preferem acelerar o fim do caso para que atenção a ele se disperse antes da Olimpíada, e a fim de evitar um julgamento que poderia resultar em penalidades financeiras mais severas caso as vítimas prevaleçam.

A USA Gymnastics pediu concordata em dezembro de 2018, afirmando que isso poderia acelerar os pagamentos às vítimas de Nassar. O pedido paralisou centenas de processos contra a organização e deteve qualquer troca de informação sobre esses casos.

Mas a rota percorrida entre o pedido de concordata e a oferta de indenização às vítimas foi tortuosa, como era provável que fosse.

Jonathan Lipson, especialista em lei de falências e professor na Escola Beasley de Direito, da Universidade Temple, disse que o caso da USA Gymnastics era complicado, porque vai mais fundo que um processo típico de concordata, que envolve “só dinheiro” e “só negócios”.

O próximo passo no caso de concordata envolve negociações. Haverá audiências e ofertas reformuladas, e muito jogo de cena, na definição de Lipson.

Outra opção é que o juiz encerre o caso e rejeite o pedido de concordata, e é isso que desejam as vítimas de Nassar.

Em janeiro, elas apresentaram uma petição ao tribunal pela rejeição do pedido, porque o veem como esforço da USA Gymnastics de se ocultar ao escrutínio público e postergar o litígio das centenas de processos que a organização enfrenta no país.

Rachael Denhollander, advogada e ex-ginasta que foi a primeira pessoa a acusar Nassar publicamente de molestá-la, disse que ela e as demais vítimas não suportavam mais lidar com a USA Gymnastics.

Longos e frustrantes quatro anos se passaram desde que ela procurou o jornal The Indianapolis Star para revelar suas acusações contra Nassar.

“Estamos falando sobre o maior caso de agressão sexual na história do esporte”, disse Denhollander. “E o resumo da história é que as sobreviventes não desistirão."

Tradução de Paulo Migliacci

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