Netflix dramatiza a gênese do futebol profissional na Inglaterra

'The English Game' estreia nesta sexta e discute profissionalização no século 19

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São Paulo

A Netflix estreia nesta sexta-feira (20) a série "The English Game" (O Jogo Inglês), opção para os fãs de futebol que já estão buscando soluções de entretenimento com a paralisação das principais ligas pelo mundo, interrompidas em razão da pandemia de coronavírus.

Dirigida por Julian Fellowes, conhecido por "Downtown Abbey", a produção, dividida em seis capítulos, reencena os tempos de profissionalização do futebol na Inglaterra no fim do século 19.

A trama é amarrada ao redor das histórias reais de dois jogadores, que atuam por equipes rivais e pertencem a classes sociais distintas.

Arthur Kinnaird integra uma família abastada e joga pelo Old Etonians, equipe do Eton College, instituição educacional historicamente ligada à aristocracia inglesa –os príncipes William e Harry, por exemplo, estudaram lá.

Kinnaird, além de funcionário do banco comandado por seu pai, é também um dos conselheiros da FA, a Associação de Futebol, responsável por determinar as 17 regras do jogo.

Quem divide protagonismo com o aristocrata é o escocês Fergus Suter, que deixa seu país rumo à Inglaterra contratado pelo dono de uma fábrica em Darwen para se juntar não só ao quadro de funcionários, mas para ser a estrela principal do time formado pelos operários da empresa.

​É justamente a figura de Suter que insere as duas principais discussões da série.

A primeira, de importância mais local, sobre como a chegada dos escoceses ao futebol inglês, principalmente a de Suter, considerado um dos pais do jogo moderno, mudou a forma de se jogar futebol nas décadas de 1870 e 1880.

No início, as equipes basicamente jogavam em uma formação que, colocada sobre uma prancheta, seria algo como 1-2-7, com um único defensor atrás de dois jogadores no centro e sete atacantes, que partiam em bloco na direção do gol adversário, tática que lembra os movimentos ofensivos do rúgbi.

O jogo de passes mais curtos e triangulações praticado na Escócia e introduzido no país vizinho por nomes como Suter forçou o desenho tático a passar por uma mudança, do 1-2-7 para o 2-3-5, o que ficou conhecido como "pirâmide invertida".

Essa questão, inclusive, levou pessoas a questionarem o nome da série. Se os ingleses beberam da fonte dos escoceses, o que foi determinante para a evolução do futebol na época, a produção não deveria se chamar "O Jogo Escocês"?

A segunda discussão que a série promove, essa o ponto central de toda a trama, é a da profissionalização do esporte.

Fergus Suter e seu amigo Jimmy Love são contratados pelo dono da fábrica fundamentalmente para jogarem futebol, mais do que para serem funcionários. Pagos por cada jogo em que participam, os dois criam uma cisão dentro do próprio time, pois o restante dos operários recebe apenas pelo trabalho diário. Uma vez que a empresa é temporariamente fechada durante uma crise, eles ficam sem salário.

Para os atletas do Old Etonians, entre eles o próprio presidente da Associação de Futebol, o caso da equipe de Darwen fere o princípio do amadorismo. Segundo esses mais românticos (ou mais conservadores), o jogo deveria ser praticado por paixão, não por dinheiro. Mas a prática já estava difundida, mais do que a associação poderia controlar.

O dono do Blackburn, por exemplo, contrata Suter por uma quantia substancialmente maior do que ele recebia em Darwen, assim como outros atletas que chegam para reforçar a equipe e levá-la à final da FA Cup, contra o Old Etonians, cujos membros discutem se devem ou não permitir ao Blackburn que dispute a final.

O responsável por sensibilizar a associação é justamente Arthur Kinnaird, convencido de que o futebol profissional já é uma realidade, ainda que só fosse reconhecido oficialmente dois anos depois, em 1885.

Na decisão da FA Cup, o Blackburn vence os Etonians e fica com o título da competição (não é spoiler se já aconteceu há mais de cem anos, certo?).

Como em toda produção cinematográfica sobre futebol, as imagens denunciam a dificuldade de reproduzir com fidelidade os movimentos naturais de um jogo. Tudo parece meio robótico. Afinal, nem todo ator é um bom praticante do ludopédio.

Rodrigo Santoro precisou da ajuda do ex-atacante Claudio Adão para interpretar "Heleno" nos cinemas. Sylvester Stallone, em "Fuga Para a Vitória", teve de se contentar em ser o herói da história como goleiro, pois com os pés seria impossível. No filme, ele contracenou, entre outros, com Pelé.

Para diminuir essa dificuldade, o diretor Julian Fellowes contratou um "coreógrafo de futebol". Mike Delaney, com passagens pela terceira divisão alemã e pela seleção inglesa de futsal, trabalhou com os atores para que eles pudessem reproduzir, da forma mais fiel possível a atuação de um jogador de futebol, respeitando as características táticas da época.

Em favor da série nesse sentido, há o benefício da dúvida. Não sabemos, a não ser por relatos escritos, como era jogado o futebol da época. Só podemos imaginar se, de fato, eram ligeiramente desajeitados como em "The English Game".

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