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No tênis, formadores tentam ir além de fenômenos pontuais do Brasil

Feitos de Guga e Maria Esther não fizeram país deixar papel coadjuvante no esporte

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São Paulo

A existência de fenômenos pontuais na história do tênis brasileiro, como Maria Esther Bueno e Gustavo Kuerten, não foi suficiente para fazer com que o país deixasse o posto de coadjuvante no cenário mundial do esporte.

Agora, uma nova oportunidade se vislumbra com a ascensão de Thiago Wild, 19, mais jovem atleta do país a conquistar um título do circuito da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais), em Santiago, no dia 1º de março.

Hoje, apenas um atleta do país, Thiago Monteiro, 25, figura entre os cem primeiros colocados do ranking mundial masculino de simples, na 82ª colocação —Wild é o 114º.

Beatriz Haddad, 23, a única brasileira que já mostrou ter condições de estar nesse patamar atualmente, foi flagrada em exame antidoping no ano passado, despencou no ranking (é a 285ª) e está suspensa até maio.

A situação dos duplistas é mais favorável. Os experientes Marcelo Melo, 36, e Bruno Soares, 38, ocupam a 5ª e a 25ª colocações da lista, respectivamente. Luisa Stefani, 22, formada no tênis universitário dos EUA, também vive um bom momento e aparece no 46º lugar.

Ainda que Wild, Bia e Stefani ofereçam boas perspectivas futuras, quem trabalha na formação de tenistas sabe que a melhor receita é apostar em trabalhos a longo prazo e com os pés no chão para desenvolver novos talentos.

O Instituto Tênis, localizado em Barueri (Grande São Paulo), nasceu em 2002. Idealizada pelo ex-tenista profissional e empresário Jorge Paulo Lemann, a entidade sem fins lucrativos mudou seu modelo de administração ao longo dos anos.

Atualmente, além de ter um projeto social de massificação que já atingiu cerca de 30 mil crianças em 20 cidades do país, o instituto possui uma academia voltada para o alto rendimento. E com metas ousadas.

Tenistas treinam na sede do Instituto Tênis, em Barueri
Tenistas treinam na sede do Instituto Tênis, em Barueri - Gabriel Cabral/Folhapress

O lema “todos pelo número 1” indica a principal delas: formar uma ou um líder do ranking mundial até 2033. Também faz parte dos planos que o país coloque 12 atletas no top 100 e 54 no top 500.

Estabelecer o sarrafo nessa altura provocou discussões sobre a viabilidade da missão. Desde a criação do ranking da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais), em 1973, a França, por exemplo, nunca teve um número 1. Mas seria possível chamar de fracasso o trabalho de formação de um país que atualmente possui 12 tenistas no top 100 masculino?

“Essa meta sempre nos foi questionada, mas mais do que formar o número 1, nosso objetivo hoje é formar cidadãos. Isso significa transformar a vida de crianças e jovens, usando o esporte como ferramenta de transformação social”, afirma Raphael Barone, diretor executivo do Instituto Tênis.

Segundo ele, a partir deste ano os projetos de massificação e alto rendimento passam a funcionar de forma unificada.

Wild foi revelado na academia Tennis Route, criada em 2009 no Rio de Janeiro e que já foi a casa de Thomaz Bellucci, ex-número 21 do mundo, Monteiro e Bia Haddad. Antes do título no Chile, o jovem já havia tido uma carreira juvenil promissora, com destaque para a conquista do US Open em 2018.

Seu técnico, João Zwetsch, é também diretor da academia. Para ele, por mais que não haja alguém do país no topo da pirâmide do tênis internacional, a base de sustentação do esporte tornou-se maior nos últimos anos, pelo volume de jovens iniciando e profissionais mais capacitados para formá-los.

“A estrutura para trabalhar com crianças melhorou muito, as pesquisas de metodologias estão mais precisas e a informação chega constantemente para todo mundo”, diz Zwetsch.

Ele reconhece que as principais dificuldades surgem por volta dos 15 anos. Nessa época, para o atleta se manter em uma boa rota de formação é necessário jogar mais torneios fora do Brasil. Os recursos, porém, costumam ser escassos.

No fim de 2018, a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) perdeu o patrocínio dos Correios após mais de dez anos. O valor do contrato, que chegou a ser de R$ 8 milhões anuais, já havia caído para R$ 2 milhões após a Olimpíada do Rio-2016.

Isso dificultou a manutenção de um calendário forte com eventos juvenis no país e de programas de desenvolvimento de jovens no exterior. No último mês, a CBT anunciou um novo patrocinador, o Banco de Brasília, com valores semelhantes aos praticados pelos Correios nos últimos anos do contrato.

Devido às limitações na preparação de atletas e mesmo na realização de torneios no país, a solução encontrada pelos formadores de tenistas tem sido cada vez mais captar recursos via leis de incentivo.

Uma exceção é a Escola Guga, que tem um modelo mais pulverizado que as demais entidades e funciona no sistema de franquias, com 54 unidades espalhadas por todas as regiões do Brasil.

“Quando o Guga parou de jogar tênis, a gente começou a observar um mercado com pouquíssimas crianças praticando. Já era um indicador de que o esporte não tinha sementes. A coisa mais importante era que o nosso projeto fosse de longo prazo, não podia acabar”, diz Bruno Raupp, diretor do grupo baseado em Florianópolis.

Existente desde 2010, a escola sempre teve como prioridade os aspectos sociais e de aprendizado, deixando o rendimento esportivo em segundo plano. Mesmo que muitos brasileiros esperassem o rápido surgimento de um “novo Guga”, não era nisso que o tricampeão de Roland Garros e sua equipe estavam pensando.

Dez anos depois, com as bases consolidadas, eles se permitem começar a almejar também a parte competitiva. Por isso formaram o Time Guga, grupo de seis juvenis que treinam em três cidades e também são orientados por nomes como Belucci e Soares.

“Não tem como a gente não pensar no profissionalismo, mas o Time Guga mantém os pés no chão. Em cinco anos, se a gente tiver um top 100 está de bom tamanho”, projeta Raupp.

Também existe uma unidade da escola do ex-número 1 em fase de testes na Argentina, país que hoje tem quatro atletas no top 100 da ATP. É de lá que também podem surgir contribuições para a realidade brasileira, na opinião de Zwetsch.

“A concentração do tênis argentino está em Buenos Aires, desde os profissionais até os mais jovens treinando juntos. Outro fator é a permanência dos ex-jogadores dentro do trabalho de competição”, afirma.

“Não é fácil continuar nessa vida, todos pensam três vezes antes de fazer isso, mas pode acelerar o processo de desenvolvimento daqueles que querem ir onde eles já foram.”

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