Adiamento da Olimpíada de Tóquio para 2021 dificulta vida de ginastas

Um ano a mais para atletas pode significar mais dores e menor desempenho

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Juliet Macur
The New York Times

MyKayla Skinner, ginasta da equipe nacional dos Estados Unidos, estava batalhando para concluir sua série de exercícios.

Na quinta-feira (26) passada, ela tentava concentrar sua atenção no aparelho, mas nenhum de seus saltos, manobras ou aterragens parecia funcionar direito. Tudo que ela era queria era voltar para casa e chorar embaixo das cobertas. Lágrimas escorriam de seus olhos.

Seus treinadores, disse Skinner mais tarde, achavam que ela havia chorado porque o treino tinha sido ruim. Mas Skinner, que foi reserva da equipe americana na Olimpíada de 2016 e está treinando para os Jogos Olímpicos de Tóquio, disse que o problema era outro.

“Percebi de repente que até recentemente eu tinha só cinco meses de batalha antes da Olimpíada, e agora a linha de chegada ficou tão mais longe”, disse Skinner em entrevista por telefone na quinta-feira, falando do adiamento dos Jogos para o ano que vem. “Foi uma sensação devastadora”.

Skinner é um dos milhares de atletas olímpicos, ou aspirantes a isso –entre os quais Simone Biles, a ginasta mais vencedora da história– que estão ansiosos com a mudança no calendário, que desordenou suas vidas muito regimentadas. Se acrescentarmos a isso o estresse adicional do surto do coronavírus, não admira que o Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos tenha enviado recomendações aos treinadores sobre como ajudar os atletas a lidar com a situação.

A primeira dica é: “Só a pessoa que sente uma dor sabe o quanto ela dói”, porque o adiamento despertou sentimentos profundos nos atletas que vinham se aperfeiçoando para competir na Olimpíada, que estava marcada para a metade deste ano.

O adiamento dos Jogos foi especialmente difícil para as ginastas, considerando que a janela que elas têm para o sucesso olímpico é minúscula. A maioria das ginastas olímpicas são adolescentes que competem em apenas uma olimpíada antes que seus corpos amadureçam, levando-as a ganhar peso e altura, que tornam mais difíceis as acrobacias de seu esporte.

Elas também começam muito cedo no esporte, muito mais cedo do que seus colegas homens, e com isso seus corpos não suportam o esforço acumulado e terminam por falhar. Faz 48 anos que uma ginasta de mais de 19 anos de idade recebeu o ouro olímpico na individual geral de ginástica pela última vez.

Assim, teria sido significativo se Biles, a face da equipe americana no caminho para Tóquio, tivesse podido defender seu ouro olímpico na categoria individual geral este ano. Ela tem 23 anos, e chorou no vestiário ao ser informada do adiamento.

“Ainda estou tentando lidar com a coisa um dia de cada vez, para ver se vou continuar, ou o que vai acontecer”, disse Biles na quarta-feira, em entrevista por telefone de sua casa, perto de Houston. “Mentalmente, não sei se consigo encarar. Vai ser difícil. Eu já estava brigando comigo mesma, mentalmente, para determinar se aguentaria competir este ano”.

Biles disse que seu plano era encerrar a carreira na ginástica este ano, e depois decidir o próximo passo em sua vida, apta a descansar das dores cotidianas e das lesões persistentes, e livre da USA Gymnastics e do comitê olímpico americano pelo resto da vida. Biles –que disse ter sofrido abuso de Lawrence Nassar, por muito tempo médico da equipe de ginástica feminina americana e hoje aprisionado por abusos contra pelo menos 200 meninas e mulheres– está indignada com o fracasso das autoridades olímpicas nos cuidados com as atletas que elas deveriam proteger.

“Mais um ano lidando com a USA Gymnastics?”, ela exclamou, exasperada.

Biles, ganhadora de quatro ouros olímpicos, também conquistou 19 medalhas de ouro nos campeonatos mundiais do esporte, o maior total de todos os tempos. A expectativa era de que não tivesse dificuldade para defender seu título individual geral este ano.

Biles disse que preferiu ficar sozinha, para contemplar o adiamento. “Eu fiquei pensando: quem poderia me compreender, a esta altura? Ninguém entende”.

Jess Graba, que treina Sunisa Lee, colega de equipe de Biles, disse que muitas ginastas que estão treinando para os Jogos de Tóquio precisam de mais tempo e distância par absorver o adiamento.

“Muita gente pensa que elas são jovens, e terão outra oportunidade na olimpíada, mas não compreende que esse trabalho é um plano de um ano de duração, um plano de dez anos”, disse Graba. “Não é como se fosse possível apertar o botão de reinício e continuar treinando por mais um ano. É bem mais complicado que isso”.

Lee, 17, ficou em segundo lugar no campeonato nacional americano de ginástica no ano passado, atrás apenas de Biles, e disse que o adiamento já teve um custo físico e mental para ela. A escola de segundo grau em que ela estuda em St. Paul, Minnesota, está fechada. A academia em que ela treina também. Em seus 12 anos de ginástica, a maior folga que ela tirou do esporte, antes da pandemia, teve uma semana de duração.

Exercitar-se na academia costumava ser a válvula de escape de Lee, um modo de se concentrar intensamente em seu esporte e esquecer as pressões cotidianas da vida adolescente. Agora, ela conversa com seus amigos da ginástica no FaceTime e passa os dias em casa com seus cinco irmãos e seus pais; o pai dela, John, é cadeirante. Ele ficou paralítico do peito para baixo no ano passado, depois de cair de uma escada quando estava ajudando um amigo a podar um galho de árvore.

Lee vem ajudando seu pai a comer e frequentemente o tira da cama e o coloca na cadeira de rodas, e vice-versa. Ela também está se exercitando com ele, trabalhando com pesos ou faixas elásticas para se manter em forma, enquanto ele tenta recuperar as forças. Lee toma cuidado para evitar qualquer forma de contágio. Às vezes, o pai dela tem dificuldade para respirar, e a ginasta tem medo do que poderia acontecer caso seja infectado pelo coronavírus.

“Isso causa muito estresse, porque não quero que ele adoeça”, ela disse. “O período vem sendo muito, muito difícil”.

Outras ginastas, como Skinner, também se preocupam seus pais. A mãe e o pai de Skinner estão enfrentando sintomas da Covid-19, e estão em quarentena em casa, na cidade de Gilbert, Arizona, a mais ou menos 1,5 quilômetro do apartamento da filha. O governador do Arizona ordenou que os moradores do estado ficassem em casa, na segunda-feira, uma ordem que permanecerá em vigor no mês de abril. Skinner também se preocupa com a possibilidade de que o trabalho de seu pai, que ensina médicos a usar um aparelho laser, possa estar ameaçado por conta da desaceleração da economia e das medidas de distanciamento social.

Tom Forster, o coordenador de alto desempenho na equipe feminina de ginástica dos Estados Unidos, disse na sexta-feira (27) que alguns pais de atletas da equipe já tinham perdido seus empregos. Ele afirmou que essa é uma preocupação séria, em meio à longa lista de questões que vêm incomodando a equipe nacional de ginástica no momento. As atletas poderão retornar à ginástica de alto nível no ano que vem? Deveriam tentar retornar?

E quanto ao procedimento de seleção para a olimpíada que será disputada no ano que vem? As atletas conseguirão manter suas posições na equipe nacional? O que acontecerá com as ginastas que eram jovens demais para os jogos deste ano por não terem completado 16 anos em 2020, mas que estarão elegíveis para participar dos Jogos de Tóquio no ano que vem?

Forster ainda não tem muitas dessas respostas. Mas está confiante em que a USA Gymnastics e o comitê olímpico americano podem ajudar as atletas a administrar suas ansiedades.

Kim Kranz, vice-presidente de saúde e bem-estar atlético da federação de ginástica, disse que os líderes da organização estão tentando ajudar atletas que podem estar tristes, frustradas ou zangadas porque seus planos mudaram de modo tão drástico. Psicólogos e outros terapeutas do esporte, a serviço do comitê olímpico, estão disponíveis para atender as atletas por telefone.

“Imagino que muitas atletas estejam passando por um período que se parece com o luto que sofremos ao perder alguém querido”, disse Kranz. “Estamos encorajando elas a controlar as coisas que podem controlar”.

Em um vídeo encaminhado recentemente a ginastas que buscam vaga na equipe olímpica, Karen Cogan, psicóloga sênior do esporte no comitê olímpico americano, diz a elas que lidar com o surto se parece um pouco com uma competição, já que os resultados são sempre incertos.

“O mundo inteiro está enfrentando esse desafio”, disse Cogan. “Nosso trabalho como atletas, como integrantes da equipe oficial dos Estados Unidos, é fazê-lo melhor do que qualquer outra pessoa”.

Em entrevista por telefone na semana passada, Cogan disse que vem recebendo um número enorme de telefonemas de atletas em busca de ajuda. Algumas queriam discutir suas opções, e pareciam inclinadas a deixar o esporte, porque não suportariam um ano a mais de treinamento.

“Antigamente, falávamos sobre condicionamento mental ou algumas questões pessoais, mas agora cada conversa que acontece trata do vírus e do adiamento”, ela disse. “O que estamos dizendo agora é que decisões mais sérias de vida precisam ser adiadas até um momento em que saibamos um pouco mais”.

Forster disse que, para as atletas um pouco mais velhas, a decisão seria especialmente desafiadora, porque persistir por mais um ano nos treinos envolveria dores sempre maiores.

Para Biles, as dores e os problemas físicos incluem lesões nos dois dedões do pé. Ela recentemente consultou um médico que lhe deu más notícias, disse a ginasta. Um dos dedões está fraturado em cinco lugares e jamais será completamente curado; o outro mostra fissuras.

“Quando não é uma coisa, é outra”, ela disse.

Desde que sua academia fechou, na quinta-feira, Biles está contemplando seu futuro sozinha. Ela limpou e organizou sua despensa, seu quarto e sua cozinha, e vem assistindo ao documentário “The Tiger King”, na Netflix, e se exercitando por conta própria. Ela caminha com sua buldogue francesa, Lilo, em busca de um pouco de ar fresco.

Esse período solitário vem sendo catártico, ela disse, ainda que esteja sendo difícil para Biles passar duas semanas e meia sem ver os pais, por conta da preocupação com o vírus. Ela sente falta deles.

Biles disse que não falou com terapeutas ou psicólogos do esporte, e que não quer coisa alguma que o Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos tenha a oferecer. Ela disse que tomará sua decisão sobre os Jogos do ano que vem por sua conta, sem se incomodar com as pressões, reais ou imaginadas, de seus patrocinadores, como a Nike e Visa.

“Eu nunca fiz o que faço por eles, de qualquer forma”, disse Biles. “Vou tocar de ouvido. Preciso ouvir minha mente e meu corpo, e ir ao ginásio e ver como me sinto”.

Tradução de Paulo Migliacci

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