Combate à corrupção na Fifa é sucesso nos EUA e fracasso na Suíça

No país europeu, onde fica a sede da entidade, procurador foi afastado de caso

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Tariq Panja
The New York Times

Dias depois que o Departamento da Justiça dos Estados Unidos anunciou novos detalhes em um caso que iluminou décadas de corrupção no coração do futebol, as autoridades suíças confirmaram que pretendem abandonar um dos dois casos contra Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, a organização que comanda o futebol mundial.

Blatter era suspeito de conduta inapropriada nos negócios e possivelmente de desfalque, de acordo com as autoridades da Suíça, e ele e a Fifa estavam sendo investigados quanto à concessão de direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2014 --disputada no Brasil– na região do Caribe, em 2005.

O revés é um novo abalo para a credibilidade da Suíça nos processos contra dirigentes do esporte mais popular do planeta. O inquérito na Suíça foi iniciado em setembro de 2015, quatro meses depois que um indiciamento do Departamento da Justiça dos Estados Unidos delineou esquemas de corrupção que implicavam alguns dos líderes mais importantes do futebol, empresários e companhias.

Os Estados Unidos conduziram processos bem sucedidos contra muitas dessas pessoas, mas a Suíça fracassou em suas tentativas de reproduzir as ações americanas, em termos de condenações e indiciamentos.

Em reação, Blatter disse ao The New York Times por telefone no domingo (12) que estava frustrado pela demora da Suíça em chegar a uma decisão.

”Quem é que precisa de mais de 4,5 anos para lidar com um caso como esse?”, ele disse.

Blatter sempre negou qualquer impropriedade.

Notas falsas de dólar são arremessadas por comediante britânico em direção a Joseph Blatter
Notas falsas de dólar são arremessadas por comediante britânico em direção a Joseph Blatter - Fabrice Coffrini - 20.jul.15/AFP

Um segundo processo criminal contra Blatter –por um pagamento de US$ 2 milhões (R$ 10,31 milhões na cotação atual) que ele é acusado de ter autorizado a um vice-presidente da Fifa, Michel Platini, em 201– continua em aberto, informou a Procuradoria-Geral da Justiça suíça.

Em sua decisão, a Procuradoria-Geral afirmou que Blatter não tinha responsabilidade pela concessão dos direitos de transmissão da Copa do Mundo na região do Caribe à Caribbean Football Union por apenas US$ 600 mil (cerca de R$ 3,1 milhões na cotação atual). A organização posteriormente revendeu esses direitos por um valor próximo a US$ 20 milhões (R$ 103 milhões). A Procuradoria-Geral da Justiça suíça não ofereceu explicações sobre o motivo para o abandono da acusação.

A Caribbean Football Union era controlada por Jack Warner, de Trinidade, antigo vice-presidente da Fifa que vem lutando contra um pedido de extradição aos Estados Unidos desde que foi acusado no primeiro indiciamento americano relacionado ao caso, em maio de 2015.

Warner foi de novo citado no mais recente indiciamento dos Estados Unidos quanto à corrupção no futebol, acusado de explorar sua posição para “se envolver em esquemas que envolvem a solicitação, oferta, aceitação, pagamento e recebimento de pagamentos, propinas e comissões não revelados e ilegais”.

Warner, que foi forçado a deixar seu posto na Fifa depois de se envolver em ainda outro escândalo de suborno, afirmou em 2011 que a entidade tinha lhe conferido os direitos de transmissão da Copa do Mundo por valor reduzido para ajudar Blatter a vencer a eleição com o apoio de seu bloco caribenho. Blatter, presidente de 1998 até ser derrubado em dezembro de 2015, foi suspenso de qualquer posição oficial no futebol por seis anos.

O revés no processo contra ele oferece um novo vislumbre nada lisonjeiro quanto à condução do caso pelas autoridades suíças e sobre o relacionamento entre elas e algumas das maiores federações do esporte mundial, que escolheram ter sede no país alpino, conhecido há muito tempo por suas leis tributárias vantajosas e leis fortes de sigilo bancário.

A decisão frustrou alguns ex-dirigentes futebolísticos que tiveram suas vidas viradas do avesso depois de oferecerem provas aos investigadores suíços. Um antigo executivo importante do mundo do futebol que forneceu detalhes às autoridades da Suíça disse que o progresso lento das acusações o frustrava. O ex-dirigente, que não foi acusado de qualquer delito, disse que ele e outros antigos empregados da organização tinham enfrentado dificuldades para encontrar novos empregos, devido às suas antigas conexões com a Fifa.

Houve muita controvérsia em torno das investigações suíças desde que elas começaram em 2015, e elas até agora ainda não resultaram em qualquer condenação. Enormes quantidades de arquivos foram apreendidas na sede da Fifa. Diversos dirigentes foram acusados de corrupção, e algumas acusações formais foram apresentadas. Mas a incerteza e a confusão continuam.

Boa parte disso deriva da recente decisão de adotar medidas disciplinares contra Michael Lauber, o procurador-geral da Justiça suíça, e de afastá-lo do comando das investigações sobre o futebol, depois que surgiu a informação de que ele realizou três reuniões não reveladas previamente com o atual presidente da Fifa, Gianni Infantino, para discutir o caso.

“Em diversas ocasiões ele não falou a verdade, agiu de maneira desleal, violou o código de conduta da procuradoria federal suíça e obstruiu a investigação (disciplinar)”, declararam as autoridades suíças em uma decisão sobre o caso no mês passado.

Isso resultou em um corte de 8% no salário de Lauber por um ano. Ele está recorrendo da decisão. O advogado que o representa, Lorenz Erni, também representa Blatter em seu processo criminal. Na Suíça, isso não é considerado conflito de interesse.

Dois anos antes, Olivier Thormann, um dos principais investigadores que trabalhavam no inquérito sobre a Fifa, foi forçado a abandonar o caso depois de se tornar alvo de uma investigação por suspeita de violação de sigilo, aceitar propinas e exercitar favoritismo em sua condução dos inquéritos sobre a organização futebolística. Thormann, que foi suspenso, terminou inocentado de todas as acusações de impropriedade, mas seu afastamento do caso foi mantido.

Também existem dúvidas sobre o progresso de outros casos de corrupção em curso.

Um julgamento sobre pagamentos irregulares entre os organizadores da Copa do Mundo da Alemanha de 2006, e a Fifa de Blatter, em 2005, foi iniciado no mês passado e rapidamente adiado por conta da pandemia do coronavírus. Caso o julgamento dos quatro alemães acusados no caso não seja concluído este mês, o caso será encerrado porque o prazo de prescrição vence no final de abril.

Recentes relatórios na Suíça e França também revelaram que um juiz federal suíço disse aos procuradores públicos no mês passado que precisava de mais provas para reforçar o caso criminal no qual um executivo de televisão e dirigente futebolístico importante, Nasser al-Khelaifi, do Qatar –onde será realizada a Copa do Mundo de 2022–, é acusado de oferecer uma casa de férias de luxo para uso do então secretário-geral da Fifa, Jerome Valcke. Os dois negam qualquer impropriedade.

Tradução de Paulo Migliacci

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