Esporte nos EUA deve ser retomado apenas no último trimestre

Previsão de dirigentes é contraponto em relação à fala otimista de Donald Trump

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Ken Belson Marc Stein
The New York Times

Ainda que o presidente Donald Trump tenha expressado otimismo quanto a um retorno dos jogos das grandes ligas de esporte “antes cedo do que tarde”, os dirigentes esportivos dos Estados Unidos estão se preparando para um adiamento mais longo dos eventos, até o quarto trimestre ou talvez mais tarde.

Depois de uma reunião com os comissários de diversas ligas esportivas importantes no sábado (4), Trump falou sobre a retomada dos esportes em agosto, noticiou a rede de esportes ESPN, ainda que o presidente tenha dito a jornalistas, mais tarde na Casa Branca, que “não posso lhes dizer uma data, mas acho que acontecerá antes cedo do que tarde”.

“Quero os torcedores de volta às arenas”, ele disse, na Casa Branca, acrescentando que “tão logo seja possível, obviamente”.

Mas tanto dirigentes esportivos quanto autoridades públicas expressaram dúvida sobre um retorno à normalidade em breve, e mesmo os eventos marcados para o quarto trimestre enfrentam incertezas devido a preocupações sobre a possibilidade de que a retomada dos espetáculos de massa solape quaisquer ganhos conquistados no combate à pandemia, até lá.

A NFL (liga de futebol americano), que deve realizar seu draft anual por videoconferência, entre os dias 23 e 25 de abril, anunciou que seu foco está em não alterar o calendário da temporada regular, cujo início está marcado para o dia 10 de setembro. Mas alguns proprietários de times disseram que existe uma boa probabilidade de que os jogos internacionais marcados para Londres e a Cidade do México sejam transferidos de volta aos Estados Unidos, e um proprietário mencionou a possibilidade de que a temporada regular seja reduzida de 16 jogos para talvez apenas 10.

Brian McCarthy, porta-voz da NFL, disse que as decisões da liga “serão orientadas pelas recomendações mais recentes das autoridades médicas e de saúde pública, bem como pelos regulamentos vigentes e futuros do governo”.

Allen Sills, o diretor médico da NFL, foi mais específico.

“Se ainda estivermos em uma situação em que um indivíduo seja apanhado em um teste de vírus e isso acarrete a necessidade de colocar em quarentena todas as pessoas que tiverem tido qualquer forma de contato com esse indivíduo, não acredito que seja possível começar a pensar em recomeçar os jogos dos esportes coletivos”, disse Sills ao site NFL.com na semana passada. “Porque vamos ter casos de testes positivos por muito tempo”.

A NBA e a NHL (liga de hóquei no gelo dos EUA), que estavam bem avançadas em suas temporadas 2019/2020 antes da suspensão de todos os seus jogos no mês passado, podem não conseguir completar as temporadas porque as cidades em que acontecem seus jogos têm restrições em vigor contra viagens desnecessárias, e diante da dificuldade em adquirir kits de teste do coronavírus em quantidade suficiente para garantir a segurança dos jogadores, dos funcionários dos times e dos trabalhadores das arenas.

Mike Bass, porta-voz da NBA, cuja pós-temporada começaria em 18 de abril, disse que “qualquer decisão sobre uma data para o reinício da temporada está a semanas de distância, provavelmente, e só terá tomada depois de consultas com os especialistas em saúde pública e de acordo com as normas e orientação governamentais”.

O presidente americano Donald Trump em frente a gráfico de projeção de mortos nos EUA em decorrência da pandemia de coronavírus
O presidente americano Donald Trump durante apresentação de projeção de mortos nos EUA em decorrência da pandemia de coronavírus - Tom Brenne - 31.mar.20/Reuters

A Major League Soccer (liga de futebol dos EUA), que tinha iniciado sua temporada regular, e a Major League Baseball (liga de beisebol), que teve de suspender sua pré-temporada, planejam reduzir a duração de suas temporadas. As duas ligas contemplaram a possibilidade de disputar jogos em estádios vazios, ainda que não seja claro o quanto isso seria arriscado para os jogadores e os empregados envolvidos na realização das partidas. Dirigentes de ambas as ligas dizem que a preferência é por jogar com torcedores presentes.

De qualquer forma, as ligas e torneios esportivos anunciaram que suas decisões quanto às datas de retomada de jogos serão orientadas pelas diretrizes dos especialistas em medicina, e não pelo presidente.

“Espero que sim”, disse Mark Cuban, dono do Dallas Mavericks, da NBA, na segunda-feira (6), quando perguntado sobre a previsão de “antes cedo do que tarde” oferecida pelo presidente. “Mas não farei coisa alguma sem colocar em primeiro lugar a segurança de nossos empregados e espectadores. Nada é mais importante que a saúde deles.”

De fato, os governadores de dois dos maiores estados americanos –Califórnia e Nova York, que somados abrigam mais de 20 times das cinco maiores ligas de esportes –disseram que encaram o calendário proposto pelo presidente com ceticismo.

“Não estou prevendo que isso aconteça em meu estado”, disse Gavin Newson, o governador da Califórnia, no sábado, depois da fala do presidente. “É preciso muita cautela quanto a isso, é preciso cuidado para não prometer demais.”

O governador Andrew Cuomo, de Nova York, disse que ele também se basearia nas orientações dos especialistas médicos.

“Eu amaria ver os esportes de volta, para ajudar a diminuir a inquietação”, ele disse no domingo. “Mas não estamos falando de esperanças e sonhos e aspirações, ou do que gostaríamos de ver. Nenhum de nós gosta de estar na situação em que estamos. É preciso seguir os dados, seguir a ciência, permitir que os profissionais de medicina, os profissionais de saúde, digam quando será seguro reabrir, e só então reabriremos.”

O governador Mike DeWine, do Ohio, cuja família é dona de um time de beisebol de uma liga menor, disse à rádio 850 ESPN Cleveland que “seria muita sorte” ter jogos de beisebol profissional de volta em julho. “O que complica é que cada estado está em fase diferente disso”, ele disse, “e no caso de um esporte nacional como o beisebol é preciso que saiamos dessa situação ao mesmo tempo em todo lugar, suponho”.

Epidemiologistas alertaram que mesmo quando o número de casos novos começar a cair, as restrições a viagens e a reuniões públicas com grandes públicos persistiriam em muitos lugares até que uma vacina seja desenvolvida. De outra forma haveria risco de uma retomada, por conta da prevalência de pessoas assintomáticas que talvez portem o vírus sem saber.

Em meio à incerteza sobre quando será seguro retomar os esportes, ligas e torneios continuam a desenvolver planos de contingência. A NFL pode adiar o início da pré-temporada e cancelar alguns dos jogos de temporada e a semana de folga que os times têm alternadamente durante a temporada regular, a fim de realizar o Super Bowl em 7 de fevereiro de 2021, a data planejada, disse um proprietário de time.

A NBA explorou a possibilidade de levar todos os seus times a Las Vegas, onde disputariam partidas sem torcida, como acontece no G-League Showcase, um evento da liga preparatória de basquete que acontece lá a cada dezembro, ou seguindo o modelo de sua Summer League, que acontece na intertemporada.

Mas há dúvidas sobre como a liga poderia fiscalizar uma quarentena segura e efetiva para os jogadores, comissões técnicas e as dezenas, quem sabe centenas, de outras pessoas necessárias para que os jogos aconteçam. Os jogadores também precisariam de pelo menos um mês para recuperar a forma, depois de uma paralisação tão repentina e longa. Josh Hart, que joga pelo New Orleans Pelicans, disse que seria “muito difícil” para a NBA recomeçar a operar “a qualquer momento dos próximos dois, três ou quatro meses”.

A NHL, que também estava próxima de concluir sua temporada regular, está consultando os times sobre a disponibilidade de suas arenas até agosto, e sobre outras questões logísticas, para determinar se existe chance de retomar os jogos.

Algumas organizações já começaram a ajustar seus calendários. Na segunda-feira, as organizações que comandam o golfe remarcaram o torneio Masters, o Aberto dos Estados Unidos e o PGA Championship, e cancelaram um quarto torneio masculino importante, o Aberto do Reino Unido. E a WNBA já adiou o começo de sua temporada regular, que estava marcado para o dia 15 de maio.

Três semanas atrás, transferir as grandes maratonas para setembro e outubro parecia prudente. Agora, a data de 14 de setembro para a maratona de Boston (normalmente realizada em abril) e 1º de novembro para a maratona de Nova York parecem duvidosas, ainda que os organizadores dos dois eventos não tenham anunciado quaisquer mudanças.

Chris Weiler, porta-voz da New York Road Runners, organizadora da maratona nova-iorquina, disse que “cabe aos organizadores tomar decisões antes que o governo decida”.

A MLS, cujos times jogaram duas partidas cada antes de a temporada ser suspensa em 12 de março, tem flexibilidade para transferir a data da final da MLS Cup para o dia 19 de dezembro, porque reorganizou seu calendário no ano passado a fim de adotar um formato de playoff mais enxuto, e adiantou em um mês a decisão de seu título.

A NFL e a MLS relutam em jogar em estádios vazios. Mas a MLB, cuja pré-temporada estava em curso quando as atividades dos times foram suspensas, está disposta a jogar sem torcida, para que os jogos possam pelo menos ser televisados.

Mesmo sem torcedores, a liga ainda teria de obter kits de teste de coronavírus em número suficiente para os jogadores, comissões técnicas, equipes de apoio, equipes de televisão, e pessoal adicional. A liga precisaria obter aprovação do sindicato dos jogadores, se optar por jogar em estádios vazios.

A MLB não tem planos de cancelar porções longas de sua temporada. Em lugar disso, planeja cancelar algumas datas quando e se necessário. A liga também está considerando realizar jogos de temporada regular e pós-temporada em locais neutros.

Tradução de Paulo Migliacci

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