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Idaho é primeiro estado dos EUA a barrar atletas transgênero

Esportistas escolares podem ter de autorizar exames de sexo se quiserem competir

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Talya Minsberg
The New York Times

Idaho se tornou o primeiro estado dos EUA a barrar meninas transgênero de participar de competições esportivas femininas e a legalizar a prática de pedir que as atletas passem por exames de identificação sexual se quiserem competir.

O projeto da assembleia estadual, conhecido como Lei da Justa Competição no Esporte Feminino, foi assinado na segunda-feira (30) pelo governador Brad Little. Ele também assinou uma lei que proíbe pessoas transgênero de alterar suas certidões de nascimento a fim de adaptá-las à identidade de gênero que preferem.

Embora muitos estados americanos tenham colocado em debate projetos de lei que restringem a participação de atletas transgênero, o Idaho foi o primeiro a aprovar um desses projetos e torná-lo lei.

O governador do estado americano de Idaho, Brad Little
O governador do estado americano de Idaho, Brad Little - Shealah Craighead - 13.ago.18/White House

A despeito da tendência geral da sociedade a endossar os direitos dos transgênero, os defensores das novas leis do Idaho disseram que não aceitam que alguém se identifique como outra coisa que não aquilo que sua certidão de nascimento afirma. Eles dizem que as leis são dirigidas primordialmente a atletas descritos como meninos em suas certidões de nascimento mas que posteriormente vieram a se identificar como mulheres, e desejam competir em categorias femininas.

“Meninos são meninos e meninas são meninas”, disse o senador estadual Lee Heider, depois que os projetos de lei foram aprovados no Senado, duas semanas atrás. “Nenhum médico, nenhum juiz, nenhum Departamento de Saúde e Bem-Estar Social mudará essa realidade”.

A deputada estadual Barbara Ehardt, a proponente da medida, disse que começou a trabalhar na proposta 20 meses atrás, em um esforço para “proteger as oportunidades das meninas e das mulheres”.

“Não podemos competir fisicamente contra meninos biológicos, não podemos, e quando essa oportunidade é perdida, fica perdida, e não há como recuperá-la”, disse Ehardt, que foi jogadora e treinadora de basquete universitário na divisão 1 da NCAA, a confederação americana de esportes universitários. “Isso poderia literalmente dilacerar times e comunidades”.

Algumas grandes empresas que contam com instalações no Idaho, como a Chobani e a Hewlett-Packard, apelaram ao governador, republicano como os proponentes dos projetos de lei, que vetasse o projeto.

Os projetos foram assinados na segunda-feira (27 de janeiro), dois dias antes do Dia Internacional de Visibilidade Transgênero, e foram aprovados no momento em que o Idaho registrava o maior salto diário no número de casos de coronavírus.

As novas leis devem enfrentar contestações judiciais longas e dispendiosas. Em 2018, um tribunal federal americano considerou inconstitucional uma norma como a adotada pelo Idaho para proibir alterações em certidões de nascimento. A procuradoria estadual da Justiça expressou preocupação sobre a constitucionalidade da restrição à participação em esportes, escrevendo que, entre outras coisas, as novas leis violariam a lei federal conhecida como Título 9, que proíbe discriminação por sexo em instituições que recebam verbas federais.

As leis do Idaho apontam para um conflito emergente sobre regulamentar ou não os atletas transgênero. O debate se tornou um instrumento de polêmica, especialmente entre os conservadores que buscam angariar apoio ao presidente Trump.

As pessoas que desejam limitar a participação de atletas transgênero argumentaram que as mulheres transgênero têm vantagem competitiva por conta de seus níveis de testosterona, ainda que esses níveis possam mudar como resultado de tratamento com hormônios. Atletas como a maratonista olímpica Paula Radcliffe e a estrela do tênis Martina Navratilova afirmaram que esportistas que apresentem níveis mais elevados de testosterona podem apresentar desempenho superior ao de seus concorrentes, especialmente em certas provas de atletismo e de halterofilismo. Navratilova mais tarde se retratou por essa posição.

Caster Semenya, corredora sul-africana que conquistou duas medalhas de ouro olímpicas, é a atleta mais conhecida a ter enfrentado uma barragem de críticas, exames e mais recentemente restrições, por conta de seu sexo. Ela foi identificada como mulher desde o nascimento, e tem um nível natural elevado de testosterona. Em julho, ela foi derrotada em seu recurso contra uma norma adotada pela federação internacional de atletismo que a proíbe de participar de certas provas a não ser que passe por terapia hormonal.

Mas a avaliação científica do assunto continua a ser inconclusiva e altamente controversa. Um nível naturalmente elevado de testosterona não significa uma vantagem competitiva natural, em si e por si. Muita gente questiona por que um traço físico –o nível de testosterona– é visto como vantagem desleal quando diversos dos maiores atletas do planeta apresentam outros traços – por exemplo Michael Phelps e seus pés do tamanho de nadadeiras –que os propelem a recordes mundiais antes impensáveis.

A Associação de Atividades do Ensino Médio do Idaho tem uma regra em vigor, para a participação de atletas transgênero, que se assemelha à da NCAA e à do Comitê Olímpico Internacional (COI). A NCAA recomenda que as escolas exijam que atletas transgênero passem por um ano de tratamento hormonal antes de poderem competir em provas femininas. De modo semelhante, as normas do COI requerem que atletas transgênero que compitam em equipes femininas demonstrem níveis de testosterona abaixo de 10 nanomoles por litro durante um ano.

Já a lei do Idaho é uma proibição geral à participação de mulheres transgênero nos esportes.

A lei inclui uma cláusula que permite que qualquer pessoa apresente uma queixa questionando o sexo de um atleta. O processo de adjudicação poderia levar a um exame de identificação sexual, possivelmente envolvendo observação genital, testes genéticos e testes hormonais. “Eles podem fazer um teste de DNA para determinar cromossomos, e esse tipo de teste custa a partir de US$ 50”, disse a deputada Ehardt. “E, uma vez mais, se houver questões adicionais, existem testes de hormônios, urina e sangue que são muito mais comuns”.

Os atletas intersexuais, aqueles que nascem com uma gama mais ampla de características sexuais, também ficariam sujeitos a escrutínio adicional, “Caso haja uma situação assim, o médico da pessoa sem dúvida estará informado e já estará em situação de resolvê-la e de indicar caso o DNA não seja feminino”, prosseguiu a deputada. Ela classificou essa situação hipotética como “um caso, raro, raro, raro”.

Estudos indicam que 1,7% da população apresenta traços intersexuais.

Do começo do ano para cá, surgiu um número recorde de projetos de lei nos Estados Unidos impondo restrições às pessoas transgênero. Um projeto de lei semelhante ao do Idaho foi apresentado no Arizona, mas uma cláusula de teste genital foi abandonada antes da aprovação da medida pela assembleia estadual, em março. A prática de exames de verificação de sexo está proibida pelo COI desde 1999.

Kathy Griesmyer, estrategista política da divisão estadual da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês) no Idaho, disse que a cláusula de teste não só discriminava os jovens transgêneros como abria as portas a abusos generalizados. “Agora existe uma lei que pode ser usada para atacar qualquer atleta mulher”, ela disse, apontando que as diretrizes exatas desses processos não estavam claras. “E declarar que isso é para ajudar as meninas, quando sabemos que vai sujeitar meninas a exames invasivos de seus corpos, em um momento vulnerável de seu desenvolvimento?”

Lindsay Hecox, aluna de primeiro ano da Universidade Estadual de Boise e ex-atleta de pista e campo, disse que o projeto marginaliza ainda mais atletas transgênero como ela.

“Sou uma simples universitária que quer correr e não quer ter seus direitos restringidos”, ela disse, acrescentando que vai ficar fora das competições por um ano para se dedicar à sua transição. “Ser trans não deveria fazer de mim assunto de reportagem. Não deveria fazer de mim um espetáculo. Sou uma pessoa normal”.

Uma pesquisa recente constatou que 12% das meninas transgênero e 14% dos meninos transgênero praticam esportes, ante 68% de média nacional entre os jovens. Quando os estados adotam normas que criam barreiras para os atletas transgênero, o número de atletas LGBTQ nos esportes juvenis cai ainda mais.

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