Descrição de chapéu The New York Times

O que precisa acontecer para a retomada dos esportes na pandemia?

Veja perguntas e respostas sobre os obstáculos para a volta das atividades

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Andrew Keh
The New York Times

Em entrevista coletiva na terça-feira (14), o presidente norte-americano Donald Trump fez um apelo pessoal que deve ter mexido com alguns torcedores dos esportes americanos.

“Precisamos ter nossos esportes de volta”, disse Trump. “Estou cansado de assistir a jogos de beisebol de 14 anos atrás.”

Trump disse que estava montando um painel de especialistas —entre os quais os comissários de todas as grandes ligas de esportes dos Estados Unidos— para descobrir uma maneira de reconduzir os esportes aos estádios de todo o país.

Tanto o governador Andrew Cuomo, de Nova York, quanto o médico Anthony Fauci, o principal especialista em doenças infecciosas do governo federal, expressaram apoio nesta semana à ideia de realizar jogos sem a presença de torcedores.

Ginásios vazios são a possibilidade mais realista de retorno neste ano - Andy Lyons - 21.mar.20/AFP

Assim, é realista imaginar que voltaremos a ver esportes neste ano? O que isso requereria?

Abaixo, respostas a algumas das questões mais prementes, enquanto o mundo do esporte pondera como proceder durante a crise mundial de saúde.

Por que não temos qualquer esporte para acompanhar agora?

Eventos esportivos —com torcedores que lotam arquibancadas separadas por corredores estreitos, e com acesso que requer filas— são a exata definição das reuniões em massa que os especialistas insistem em que devemos evitar, por enquanto, para impedir a difusão do coronavírus. E não são só os jogos em si: pense na jornada dos torcedores para os estádios e nas festas que eles costumam realizar nos estacionamentos e nos bares, antes, durante e depois dos eventos.

“Isso causa a união de muita gente que normalmente não se misturaria, e as pessoas ficam muito perto umas das outras por períodos prolongados”, disse a médica Julie Vaishampayan, presidente do comitê de saúde pública na Sociedade de Doenças Infecciosas da América. “Em termos de risco, isso fica acima de jantar em um restaurante.”

É uma escolha com que as ligas de esportes dos Estados Unidos e do restante do mundo estão lidando no momento. Mas a solução do problema não é nada simples. Em nível básico, será que devemos achar aceitável solicitar que centenas de atletas de todo o país ignorem as normas de saúde a fim de participarem de competições esportivas para nossa diversão? Os atletas não estariam juntos apenas nos momentos dos jogos, algumas vezes por semana. É presumível que precisem treinar e participar de outras atividades de seus times.

“Mesmo que eles queiram jogar em estádios vazios, os jogadores seriam colocados em risco”, disse Vaishampayan, que assiste a futebol americano e não consegue imaginar que a NFL venha a ser disputada neste ano. “Não há coisa alguma que garanta que um jogador não se infecte em casa e leve isso para o campo.”

Qual é o grande problema em termos duas dezenas de pessoas em uma quadra de basquete?

Talvez uma liga seja capaz de criar um sistema intrincado de testes e de quarentena de jogadores e comissões técnicas, a fim de garantir que apenas atletas não portadores do vírus entrem em campo ou em quadra.

Mas uma transmissão de esporte profissional envolve muito mais gente do que os jogadores e comissões técnicas. Por exemplo, a Bundesliga, a principal liga de futebol da Alemanha, estima que cerca de 240 pessoas —jogadores, comissões técnicas, funcionários dos times e equipes televisivas— seriam requeridas para um jogo mesmo que este seja disputado em um estádio vazio.

Nesse caso, será que seria possível estabelecer uma espécie de bolha ambiental fechada e livre de vírus para que as ligas possam realizar jogos?

Diversas organizações esportivas discutiram planos desse tipo. A Major League Baseball, por exemplo, discutiu internamente a possibilidade de levar todos os seus times ao Arizona —onde há dez estádios usados para os treinos de pré-temporada das equipes— e disputar a temporada em uma área única e isolada.

Mas a maioria dos especialistas considera que propostas como essa são imensamente complicadas e em última análise impraticáveis, pelo menos para competições que envolvam diversos jogos disputados ao longo de um período extenso. Como manter as pessoas alimentadas? E se um jogador se lesionar? Os atletas teriam de deixar suas famílias ou elas seriam autorizadas a viajar com eles? Qualquer cenário desse tipo envolveria muito mais gente do que o calculado originalmente, e seria quase impossível manter um sistema perfeitamente isolado.

“Não se pode pensar nesse sistema como hermeticamente selado”, disse William Schaffner, professor de medicina na Universidade Vanderbilt e especialista em medicina preventiva e doenças infecciosas. “Porque não será.”

Se a realização de jogos causa tantos riscos, por que alguém se disporia a fazê-lo?

Existe uma ideia de que as ligas esportivas dos Estados Unidos incorporam algum elemento essencial do caráter nacional e que seu retorno representaria um símbolo necessário de normalidade em um momento de sacrifício.

O outro grande elemento, claro, é o dinheiro. As ligas perderão bilhões de dólares se não puderem concluir suas temporadas. Dinheiro é capaz de levar as pessoas a fazerem muita coisa.

Existem ligas no mundo que estão tentando operar, e com sucesso, enquanto respeitam as normas de saúde?

A liga de basquete de Taiwan, formada por cinco times, está realizando jogos em um só ginásio, sem torcida, e com um limite máximo de cem pessoas presentes a cada dado momento. Os participantes não estão passando por exames de coronavírus, mas suas temperaturas são verificadas —os portadores assintomáticos do vírus, é claro, podem não ter temperatura elevada. No final de semana, a liga de beisebol e a liga de futebol do país recomeçaram a jogar dessa mesma maneira.

Na Alemanha, os times das principais ligas de futebol voltaram a treinar, e dirigentes da Bundesliga querem retomar o campeonato em maio. Alguns países, como a Nicarágua, mantiveram seus calendários esportivos com pouca ou nenhuma restrição.

É importante apontar que, em sua maioria, esses países —em escala muito maior do que o restante do planeta, incluindo os Estados Unidos— evitaram grandes números de mortes por meio de uma mistura de exames, acompanhamento e outras medidas preventivas. E mesmo assim estão agindo com imensa cautela. Não está claro o que aconteceria, por exemplo, se um jogador de basquete de Taiwan fosse apanhado em um exame de coronavírus. A liga suspenderia os jogos de novo?

Como devem ser tomadas as decisões sobre o reinício dos jogos?

Essas são questões que pesam sobre todos os envolvidos nos esportes dos Estados Unidos, em todos os níveis. Schaffner, por exemplo, faz parte de um painel montado pela NCAA, a organização que controla o esporte universitário no país, para criar uma recomendação sobre como os esportes universitários devem prosseguir, neste momento, e dirigentes e jogadores estão solicitando respostas que ainda não surgiram

“Os treinadores queriam recomendações para ontem”, disse Schaffner, rindo. “Mas nós não estabelecemos um prazo para decidir. Estamos estudando os dados com muito cuidado e observando os modelos disponíveis.”

No quadro mais amplo, tudo é uma questão de prioridade. Os especialistas médicos que têm por foco exclusivamente a detenção do vírus diriam que não devemos realizar evento esportivo algum, por enquanto. Já outras pessoas acreditam que restaurar alguma normalidade na vida econômica e social do país é mais importante que alguns dos perigos do vírus.

“Teremos de aceitar alguns riscos de saúde maiores a fim de resolver outros problemas”, disse Schaffner, descrevendo a forma de pensar das pessoas que defendem reabrir certas porções da sociedade, entre as quais o esporte. “Quem não espera perfeição não se desaponta.”

Quando é que as coisas voltarão ao normal no esporte, ou seja, ao que eram antes da pandemia?

Os especialistas concordam que, mesmo que as ligas retornem com capacidade reduzida, em curto prazo, não teríamos um retorno ao considerado normal —ou seja, não veríamos 50 mil pessoas lotando o Yankee Stadium— até que haja uma vacina disponível para todos no país. E isso só vai acontecer em 2021, ou ainda mais tarde.

“Até que isso aconteça, certo grau de distanciamento social será parte de nossa norma”, disse Schaffner. “Podemos reduzir a severidade das medidas, fazer modificações e aceitar concessões, mas o distanciamento social terá de continuar.”

E isso significa que os esportes não vão parecer normais por ainda bastante tempo.

Tradução de Paulo Migliacci

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