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Tóquio 2020

Planejar Jogos Olímpicos é temeroso se não houver solução de saúde

Cancelamento definitivo ou reagendamento seguro para 2024 devem ser discutidos

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Sami Arap Sobrinho

São inegáveis as consequências econômico-financeiras para a cidade de Tóquio e o Japão como um todo do adiamento dos Jogos Olímpicos para 2021.

Similarmente, inúmeros outros segmentos empresariais mundo afora, inclusive no Brasil, sofreram e sofrerão prejuízos. Essas perdas são passíveis de recuperação em curto, médio ou longo prazos. Vidas humanas, não.

Agiram corretamente o COI (Comitê Olímpico Internacional) e as autoridades japonesas ao adiarem Tóquio-2020, quando o mundo testemunhava 375 mil casos confirmados de Covid-19. Hoje, autoridades de 211 países contabilizam mais de 3 milhões de casos.

Entretanto, parece-me prematuro o reagendamento imediato para 2021. Inobstante esforços e a melhor tecnologia disponível, os especialistas médicos, ao redor do planeta, estimam que uma vacina poderá ser descoberta em 12 meses. Friso: “poderá”.

Aguarde-se, segundo os mesmos especialistas, outros 12 meses para produção e início da vacinação. Ou seja, atualmente, a melhor estimativa indica um prazo de 2 a 3 anos para voltarmos ao “normal”.

Na semana passada, o presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, Toshiro Muto, mencionou dúvidas acerca da realização do evento em 2021. Nesta terça (28), voltou ao tema e disse que a medida mais adequada, em caso de persistência da pandemia, é cancelar os Jogos, em vez de adiá-los por mais um ano.

Perceba-se que o depoimento enfatiza esforços humanos para o descobrimento de um tratamento, vacina, remédio.

Toshiro Muto, presidente do comitê organizador dos Jogos de Tóquio, em frente a microfones
Toshiro Muto, presidente do comitê organizador dos Jogos de Tóquio - Issei Kato - 30.mar.20/Reuters

Eventual cancelamento definitivo de Tóquio-2020 seria equivalente a um "write off" no mundo corporativo: ajusta-se as demonstrações financeiras, reconhecendo os prejuízos. Seria um duro golpe, causando a renegociação e indenização de milhares de contratos, mas é uma decisão que os administradores são forçados a tomar diante de determinadas avaliações de perda.

Ajustar o calendário olímpico, em tese, seria uma alternativa. Aproveitando a desaceleração da economia mundial, confirma-se Tóquio-2024 e estica-se o prazo para Paris-2028 e Los Angeles-2032. É necessário fazer contas e decidir o que seria mais apropriado, do ponto de vista puramente econômico-financeiro, para o evento.

Independentemente da decisão conjunta a ser tomada pelo COI e autoridades japonesas, é fundamental considerar a situação dos atletas de alto rendimento, até porque eles são a razão da existência dos Jogos Olímpicos.

Todos “treinando” em casa, submetidos ao máximo da ansiedade e incerteza. Dependendo do país, as pessoas estão submetidas ao equivalente de uma prisão domicilar ("lockdown"). Impossível prever quanto tempo ficarão os atletas impedidos de treinar coletivamente, assim como reiniciar competições.

Igualmente impossível definir-se um calendário de competições locais e internacionais.

Pondero que, mesmo disputando em meados de 2021, os atletas não competirão em igualdade de condições, justamente porque cada país adotou um modelo de batalha distinto contra a pandemia.

Ademais, é imprescindível entender o prazo necessário para que um atleta de alto rendimento retome sua melhor forma física e técnica. Não somente isso poderá demorar três, seis, nove meses, como também uma retomada repentina poderia causar severas lesões.

Homem corre em frente a pôster com a mascote dos Jogos de Tóquio
Homem corre em frente a pôster com a mascote dos Jogos de Tóquio - Kim Kyung-Hoon - 28.abr.20/Reuters

Num momento em que os especialistas clamam por bom senso e distanciamento social, parece-me prematuro planejar o maior evento esportivo do planeta, que reúne, dentro das áreas de competição, mais de 10 mil atletas de 206 representações nacionais.

E o que se falar, então, dos mais de 1 milhão de turistas estrangeiros que, segundo a previsão original, se somarão aos residentes da cidade-sede?

Mesmo as pessoas mais otimistas devem reconhecer que o mundo mudou substancialmente nos últimos meses. Os hábitos das pessoas, especialmente na coletividade, não serão mais os mesmos. O coronavírus é ainda desconhecido dos especialistas, não deve ser subestimado.

Por maior que seja o impacto econômico-financeiro negativo quanto ao adiamento ou cancelamento de Tóquio-2020, a integridade das pessoas, e principalmente dos atletas protagonistas, deve prevalecer sempre.

Neste momento de pandemia, recomendo praticarmos o respeito aos seres humanos.

Caberá ao COI e às autoridades japonesas a tomada de uma difícil e complexa decisão quanto ao cancelamento definitivo de Tóquio-2020 ou o reagendamento seguro de Tóquio-2024.

Enquanto não houver uma comprovada solução segura, eficiente e eficaz, é temerosa a realização de um evento de tamanha magnitude como os Jogos Olímpicos.

Sami Arap Sobrinho, 55, é sócio de Arap Nishi & Uyeda Advogados, rugbier e presidente do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil

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